UMA MULHER ALÉM DO SEU TEMPO

Maria Quitéria: a heroína baiana que lutou na Independência do Brasil

Conheça a história da mulher parda com traços indígenas que comandou tropas e expulsou os portugueses do Nordeste

Maria Quitéria é exemplo de resistência e inspiração na luta das mulheres.Créditos: Joá Souza/Secom e Domenico Failutti/Wikimedia Commons
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Maria Quitéria de Jesus, uma mulher parda com traços indígenas, desafiou as expectativas da sociedade e as ordens de seu pai ao se alistar como soldado Medeiros para lutar na Guerra da Independência na província da Bahia no ano de 1822. Maria Quitéria foi a primeira mulher a lutar no Exército Brasileiro e é considerada uma heroína da Independência.

Mesmo depois de ter sido descoberta, ela continuou a servir no batalhão e foi pessoalmente condecorada por Dom Pedro I pela sua batalha. Hoje, sua história é uma fonte de inspiração para mulheres que lutam por um país mais justo e igualitário. Vale lembrar que a Independência brasileira se tornou um movimento em defesa da chamada “pátria amada” pelo lado conservador do país e que se consolidou como um palco de patriotismo e militarização da direita.

Quem foi Maria Quitéria de Jesus?

Ilustração de Maria Quitéria. Créditos;Domenico Failutti/Wikimedia Commons

Maria Quitéria de Jesus nasceu em um distrito de Feira de Santana, a 100 km de Salvador. Hoje, o local onde ela nasceu é conhecido pelo seu nome, pois o povoado de São José Itapororoca foi rebatizado em sua homenagem. Maria Quitéria era a primogênita de três filhos e filha da baiana Quitéria Maria de Jesus e do português Gonçalo Alves de Almeida.

Desde muito cedo, Maria Quitéria enfrentou diversas responsabilidades. Em um século em que as mulheres eram obrigadas a assumir trabalhos domésticos desde novas, Maria Quitéria se destacou por sua coragem e determinação. 

Segundo Cleane Oliveira, diretora-presidente da Fundação Egberto Costa, que administra o memorial da heroína em Feira de Santana, Maria Quitéria teve que lidar com muitas questões desde a infância. Após a morte de sua mãe, o pai de Maria Quitéria, Gonçalo Alves de Almeida, casou-se outras duas vezes. 

Infelizmente, sua primeira madrasta faleceu prematuramente e a relação com a segunda esposa de seu pai foi conturbada. Essa má relação foi o estopim para o início da trajetória independente da jovem heroína Maria Quitéria. "Aos 10 anos de idade, ela testemunhou a morte da mãe. Então ela assumiu, muito precocemente, a gestão da casa, tomando conta dos irmãos", afirma a diretora-presidente.

Jornada de Maria Quitéria

A jornada de Maria Quitéria para se tornar Soldado Medeiros é destacada pela pesquisadora Lélia Fernandes. De acordo com ela, Maria Quitéria teve que usar roupas emprestadas e se entrosar com as equipes de batalha. Sua jornada começou em Cachoeira, berço da Independência do Brasil no Recôncavo Baiano, e terminou em Salvador. 

Lélia explica em detalhes como isso aconteceu. "Ela recebeu esse epíteto de Soldado Medeiros visto que ela, além de tomar as roupas emprestadas do cunhado, que era José Medeiros, também tomou o sobrenome. A partir daí ela entrou no Batalhão dos Periquitos, lá em Cachoeira. Ela se entrosou mesmo com a tropa e participou de várias batalhas. Ela atravessou o Rio Paraguaçu com a água quase no pescoço, e teve uma grande vitória".

A baiana lutou bravamente e se destacou em seu batalhão, em três batalhas específicas: uma em Pirajá, na defesa de Ilha da Maré e na de Piatã. Em Piatã, ela entrou em uma trincheira, rendeu os portugueses e os levou sozinha para o acampamento. Por esse feito, ela foi condecorada a cadete. No entanto, seu pai descobriu rapidamente onde ela estava e foi chamá-la de volta. Cleane complementa que a história de Maria Quitéria é um grande exemplo de determinação.

Depois com a carta imperial, Maria Quitéria recebeu o perdão e se reconciliou com seu pai. Depois disso, ela passou a viver em Feira de Santana e depois morou por algum tempo na cidade de Coração de Maria, vizinha à sua terra natal. Foi somente após a morte de seu pai que ela se casou com seu companheiro, Gabriel de Brito

No início de sua velhice, Maria Quitéria enfrentou uma inflamação no fígado. Essa doença afetou gravemente sua visão, deixando-a quase cega. Infelizmente, em agosto de 1853, aos 61 anos, Maria Quitéria faleceu na capital baiana.

Anonimato

"Ela foi enterrada em um cemitério que era contíguo à Igreja de Santana, foi enterrada em uma cova rasa, como indigente. Quando completou 150 anos, nós fizemos uma comissão para ver se encontrávamos algum vestígio de onde ela foi enterrada, mas não encontramos. Isso nos desgasta, saber que uma mulher tão importante ficou no anonimato na sua morte"

Lélia comenta a indignação do fato de uma mulher tão importante na história não ter tido o seu reconhecimento. "Ela foi enterrada em um cemitério que era contíguo à Igreja de Santana, foi enterrada em uma cova rasa, como indigente. Quando completou 150 anos, nós fizemos uma comissão para ver se encontrávamos algum vestígio de onde ela foi enterrada, mas não encontramos. Isso nos desgasta, saber que uma mulher tão importante ficou no anonimato na sua morte", destaca a pesquisadora.

"O que a gente tem realmente de registro é a bravura. Um exemplo da mulher que ela foi, à frente do seu tempo”, ressalta Cleane. “Então tem esse legado também, mas infelizmente Maria Quitéria morreu em Salvador sem nenhum reconhecimento. Os restos mortais se perderam no tempo”.

A Câmara Municipal de Salvador criou em 2016 uma medalha militar e uma comenda em homenagem a Maria Quitéria, destacando sua importância regional como combatente e a importância da Bahia na história nacional. Em 2018, ela foi declarada Heroína da Pátria Brasileira pela Lei Federal nº 13.697 e incluída no “Livro de Aço das Heroínas e Heróis da Pátria”.