EXCLUSIVO

“Influencer da Capivara compra tênis de R$ 15 mil enquanto nós lutamos por território", diz tupinambá

Apesar de sobrenome, fazendeiro não é indígena; Conheça a história e a luta do povo tupinambá contada com exclusividade à Fórum

Agenor Tupinambá com a capivara que mantinha como pet.Créditos: Reprodução/Instagram
Escrito en BRASIL el

No último mês, o influenciador digital Agenor Tupinambá, que vive em uma fazenda em Autazes, no Amazonas, ganhou os holofotes da imprensa e das redes sociais após ser multado pelo Ibama em R$ 17 mil reais por acusação de abuso, maus-tratos e exploração animal contra a capivara Filó, que teria resgatada de uma terra indígena e com o qual mantém o que define ser uma relação de “amizade”. Após a história viralizar, o influenciador promoveu uma vaquinha virtual para bancar a multa e, após arrecadar cerca de R$ 70 mil, ele agora é acusado de ter usado da sensibilidade dos seguidores para adquirir um par de tênis avaliado em R$ 15 mil com o qual foi visto durante viagem a São Paulo. Ele nega as acusações e afirma que o calçado é um presente antigo dado por um amigo, mas este é um tema lateral.

Ajude a financiar o documentário da Fórum Filmes sobre os atos golpistas de 8 de janeiro. Clique em https://bit.ly/doc8dejaneiro e escolha o valor que puder ou faça uma doação pela nossa chave: pix@revistaforum.com.br.

Voltando à história da capivara Filó, Agenor alega que a resgatou em área próxima de terra indígena, onde os povos que lá vivem costumam caçar a espécie. Seu primo viveria perto dali. Ele visitava o local quando um grupo de caçadores havia abatido algumas capivaras, e uma delas estava grávida.

“Eles cortaram a barriga dela, a Filó nasceu e conseguiu sobreviver. Os índios nos deram ela”, contou. A história, bem como um apelo de que Agenor seria um humilde ribeirinho ou indígena tupinambá, contribuíram com o sucesso da sua vaquinha virtual e desencadearam uma série de reações negativas por parte de pessoas ligadas ao Ibama, à causa indígena e ao próprio povo Tupinambá, do qual o fazendeiro não pertence mesmo tendo tal sobrenome.

“Enquanto ele compra tênis de R$ 15 mil, nós lutamos contra destruição do nosso território”, afirmou Ângelo Tupinambá, um membro genuíno daquele povo, com exclusividade à Revista Fórum. Mas então fica a dúvida: se o influenciador não é um Tupinambá, por que levaria tal sobrenome?

Sobrenome “Tupinambá”

Uma explicação sobre tal indagação foi feita no Twitter por Yay Hã Miy, indígena e professora de sociologia, especializada em relações étnico-raciais e encarceramento indígena.

“Quase nenhum povo leva o sobrenome da própria etnia porque esse direito nos foi proibido durante séculos. É uma batalha recente e poucos têm conseguido acessar esse direito. Os Tupinambá tiveram que lutar para serem reconhecidos como indígenas, em uma conquista deste século XXI. Não é o caso do fazendeiro”, escreveu. E, de fato, no caso de Ângelo Tupinambá (cuja entrevista pode ser lida a seguir), o nome da etnia foi agregado extraoficialmente.

A socióloga também apontou que a família do fazendeiro tem o sobrenome de um povo indígena porque “teve poder para isso” e que tal situação expressa um histórico roubo de terras do povo original.

“Usurpar uma nação indígena e usar seu nome como um brasão familiar de colonos é fruto de um projeto político colonial que se iniciou no século XIX, em momento no qual os Tupinambá sequer eram considerados vivos. O sistema onomástico português já era imposto a indígenas nos aldeamentos jesuíticos nos séculos XVII e XVIII. No caso dos Tupinambá de Olivença, na Bahia, as crianças indígenas já era registradas por esse sistema desde o século XVIII, ou seja, sem direito a usarem seus nomes ancestrais”, agregou.

A socióloga conclui a publicação afirmando a transformação de nomes indígenas em “sobrenomes brasileiros” foi, naquela época, uma poderosa ferramenta na disputa pela terra que até os dias de hoje dificulta a reivindicação dos povos aos seus territórios ancestrais.

Tentamos contato com a professora, e, sem sucesso, recorremos ao indigenista Nuno Nunes, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), para confirmar as informações. Ele disse que a socióloga tem razão e que a lei da qual se refere foi assinada em 1758, no período em que o Marquês de Pompal encabeçava os esforços colonizadores, e proibiu a utilização de todos os idiomas indígenas dentro das colônias portuguesas.

Além deles, em vídeo publicado nas redes sociais, Roberto Cabral, analista ambiental do Ibama, detalhou as autuações contra Agenor e procurou desmistificar a figura do jovem, que recebeu apoio em massa nas redes sociais quando foi obrigado a entregar ao instituto a capivara que batizou de "Filó" e que mantém como um pet. Uma decisão da Justiça do Amazonas proferida em 30 de abril, no entanto, concedeu a guarda provisória do animal a Agenor até o final do processo. Segundo Cabral, Agenor não tem nada de humilde e cometeu uma série de infrações, que envolvem até mesmo mortes de animais silvestres.

"Se trata de um influencer, não de um ribeirinho. Ele não é um ribeirinho, ele é um fazendeiro, um peão boiadeiro. Não é uma pessoa hipossuficiente, é um influencer com milhares de seguidores, inclusive com assessoria de marketing e agora assessoria jurídica, não é uma pessoa que desconhecia leis. É um estudante de agronomia e que estuda em Manaus, onde está o Ibama. Ele poderia ter em algum momento já procurado o Ibama e entregue os animais", destacou.

Entrevista com Ângelo Tupinambá

No bojo desta polêmica, entrevistamos Ângelo Tupinambá, que realmente pertence ao povo em questão e atua como  comunicador social no Pará, estado vizinho do Amazonas. Ele nos contou a respeito de como se descobriu indígena, uma vez que o etnocídio histórico retirou tal identidade de muitos povos que foram desterrados séculos atrás, e deu uma verdadeira aula sobre a história do seu povo, que pode ser lida na íntegra a seguir.

Ângelo Tupinambá/Arquivo Pessoal

Como você se descobriu Tupinambá?

Nascemos na Amazônia, vivemos nela e experimentamos as diversas formas de sua dimensão em nossa formação sociocultural. A minha família vem das águas da cidade de Abaetetuba (PA), somos nativos da região das ilhas fluviais de Abaeté, dos rios Maratauíra, Tucumamduba, Meruú-Açu, Genipaúba, Uiarenga, Muritipucu, Panacuera e Mauiatá. Até a geração de minha mãe éramos ribeirinhos, tanto que Ribeiro é nosso sobrenome.Meu avô e morubixaba Eleutério (seu Loto) cursou apenas até a quarta série do ensino fundamental, mas compreendia muito bem as limitações estruturais impostas ao ambiente tipicamente amazônico e acreditava que a educação seria a única forma para romper essa condição. Ele teve 9 filhas e filhos e veio com toda família para a sede do município de Abaetetuba buscar melhores oportunidades, obtendo sucesso em seu objetivo. Quando Abaetetuba chegou a um limite de oportunidade, o destino foi a capital do Estado, Belém do Pará.

Minha mãe, tias e tios concluíram o ensino superior e a formação acadêmica se tornou a nossa marca e o nosso maior patrimônio familiar e orgulho. A minha infância aconteceu em Abaetetuba com meus avós, enquanto minha mãe terminava a faculdade de letras e tive a oportunidade de vivenciar o ambiente da geração passada ao contrário dos meus primos que viviam na capital. Assim tive uma formação hibrida entre o modelo de urbanidade e o encantamento pelo ambiente e cultura cabocla da Amazônia.

Minas tias ajudaram a fundar um partido de esquerda e movimentos sociais em Abaetetuba e logo com 15 anos já estava envolvido com movimentos sociais ao vir morar em Belém. A revolução popular Cabana (acorrida no Pará em 1835) era a minha maior referência e em 1998 eu era fundador da Juventude Revolucionária Cabana. No curso de Ciências Sociais, tive aulas de ciência política, sociologia e antropologia e logo percebi que a mobilidade social vivenciada por minha família havia nos custado um preço muito caro, que era a perda e o apagamento de nossa identidade cultural cabocla ribeirinha, ou seja, identidade Cabana.

Para poder garantir um espaço nesse novo modelo de sociedade e ocupar cargos de comando, fomos apagando gradualmente o modo de falar, o comportamento e práticas culturais. Pois, ser caboclo da beira do rio, significava atraso em todos os sentidos, ser caboclo em Belém era uma ofensa, quase uma condenação à marginalização no espaço social.

Passei a estudar a formação histórica e social dos povos da Amazônia e compreender a permanência de um modelo de exploração colonial do ambiente e sua gente, que o que acontecia com a minha família era um fenômeno característico regional de nossa condição de colônia de exploração por parte do Estado nacional brasileiro, que uma nova Revolução de Caboclos e Ribeirinhos era necessária, que a Cabanagem não era apenas um fato histórico dos livros de escola, mas um processo do cotidiano, que a Cabanagem é agora!

Em 2006, fundei o Instituto Idade Mídia – Comunicação para Cidadania como um instrumento de mobilização e conscientização popular em Belém trabalhando com Educomunicação e Rádios Comunitárias (chegando a ser preso pela Policia Federal em 2008, apenas pelo livre exercício da cidadania através da Rádio Resistência FM – O grito Rebelde da Periferia). Foi através dessa militância que em 2018 fui a Santarém e descobri que havia uma organização de grupos indígenas declarados Nação Tupinambá e me fizeram o convite para fazer a cobertura do evento intitulado Encontro Ancestral Tupinambá no Baixo Tapajós.

Neste encontro, as guerreiras e guerreiros chamados Surara interceptavam as embarcações de mega projetos econômicos no curso do rio Tapajós para denunciar violações de direitos e anunciar a exigência de soluções como a demarcação de terras indígenas. Nesse momento a minha alma Cabana encontrou sua ancestralidade e me lancei contra as barcaças do agronegócio para incorporar à minha condição de comunicador a necessidade de guerrear com identidade étnica.

E foram as mulheres indígenas, as primeiras a demarcar a dimensão do corpo enquanto território, na Carta da I Marcha das Mulheres Indígenas (Brasília, agosto de 2019), que reuniu 2.500 mulheres de 130 povos, sob o lema “Território: nosso corpo, nosso espírito”, ao afirmar que o primeiro território do indígena é o ventre materno! Naturalmente, percebi que devia fazer a retomada ancestral, conhecida como etnogênese. O espaço do corpo território pode ser retomado, redescoberto pela viagem de retorno, através de veredas históricas, envoltas pela névoa de nossas origens individuais.

Em 2019, durante o ritual de abertura do encontro no Tapajós, o Cacique Antônio Braz Tupinambá me chamou para falar sobre Belém e sua origem Tupinambá e me disse “tem coisas que não se pede pra ser, se nasce sendo e tu és um guerreiro da Nação Tupinambá”.

O Ritual de Retomada Ancestral foi para mim a incorporação de uma parte do todo que somos: Incorporar significa “dar corpo e fazer pertencer". Foi o momento onde a autodeclaração encontrava o reconhecimento e acolhida no ventre da comunidade. Assumia assim a missão de trazer para Belém a anunciação de um novo tempo, de encontro com nosso passado histórico de lutas ancestrais e fazer militância pela retomada coletiva de consciência indígena na Amazônia.

Na noite do dia 7 de novembro de 2020, a nação Tupinambá e parentes dos povos Borari, Kamaruara, Tupaiu, Tapajós, Tapuia e Munduruku, reuniram-se no Território Sagrado Ancestral e pediram licença aos encantados para realizar os trabalhos do III Encontro Ancestral Tupinambá, dentro da sua morada. Durante o ritual ocorreu o rito de consagração com cantos tradicionais na dinâmica dança circular, ressoavam maracás, exalava o banho de cheiro sob manto de estrelas, o fogo, a floresta, o rio. Assim, eu, Angelo Madson, incorporava a minha identidade de guerreiro da Nação Tupinambá.

Como poderia contar, de forma breve, a história do povo tupinambá de Mairi?

O povo Tupi (ipy), tal como o hebraico se chamou povo de deus, se afirmou cabeça de geração, os primeiros, a primeira origem, os descendentes de Tupã. Assim foram, os Tupinambá, a origem da presença humana nesta região, fundamento ancestral de existência e ocupação originária do território.

A fundação da cidade de Santa Maria de Belém do Grão Pará, dita no dia 12 de janeiro de 1616, representou o começo da invasão e ocupação colonial. A construção do Fortim do Presépio na foz do Piry, erguido sobre o principal interposto econômico e comercial do cacicado marajoara, fez-se núcleo embrionário para expansão e implantação de um modelo econômico de exploração do trabalho e dos recursos primários, aliado à guerra de extermínio para dominação da terra.

Os Tupi, no entanto, pertencemos tanto à esta terra, quanto aos rios, árvores e campos… Assim, tanto houveram maracás e cantos, quanto a reação política e militar organizada. Capítulo histórico da grande insurreição indígena, conhecido como “Levante Tupinambá”.

O Levante Tupinambá (1617-1621) foi um movimento histórico de resistência bélica, deflagrado pelas tabas da nação Tupinambá ao longo da costa litorânea, entre os Estados do Maranhão e o Grão Pará. Irrompe no dia 3 de fevereiro de 1617, na taba Cumã de Pacamão. Alastrou-se para Tapuytapera e alcançou a taba Juniparanã de Japiaçu, na ilha de Upaon Açu (com cerca de 12 mil Tupinambás em outras 27 tabas). Bastou apenas um dia para estratégia de comunicação tática Tupinambá erguer no Grão Pará as tabas Caju, Montiguera, Iguapé e Capim. A subjugação das forças do Caeté por Pedro Teixeira, os abusos de Mathias de Albuquerque e a carta militar resgatada por Amaro Tupinambá determinaram as condições para o Massacre no presídio de Cumã. Num cenário de forças desiguais, a estratégia Tupinambá operava na guerra de guerrilha, com operações de assalto (ataque e retirada); ações ofensivas noturnas, conhecimento da qualidade do terreno, entre outras. Após o ataque ao presídio, perseguidos pelo Capitão Manoel Pires, os Tupinambá atraíram as tropas para um campo que melhor conheciam e atacaram em emboscada.

No Grão Pará, sob ordem de Francisco Caldeira, o sargento mor Diogo Botelho da Vide atacou e assaltou a taba Caju, que além de mais populosa, guarnecia as demais como praça de armas. Em seguida, atacaram a taba Mortiguera promovendo maior destruição. O capitão de milícia Gaspar de Freitas atacou e reduziu a taba Iguapé a ruínas, com o assombro de arcabuzes e peças de artilharia.

Muitos sobreviventes reuniram-se na fundação de uma nova taba: Guamá. Desta forma surgiu o Murucutu como território de resistência. Bernardo Pereira Berredos em seu Annaes Históricos, confirma que: “Contudo, passados poucos dias, os Tupinambá se atreveram de novo a formar corpo com as maiores forças de sua Nação e mais aliados no Rio Guamá em um sítio muito acomodado para sua defesa, pouco distante da cidade de Belém”. O alferes Francisco de Medina e 20 soldados foram enviados para atacar o Murucutu, mas interceptado por duas canoas de guerra, tomou terra à nado e pelas matas regressou a seu quartel. A prisão de Francisco Castelo Branco, levado em grilhões e aliança entre Guamiaba e Pacamão, em 13 de janeiro de 1618, revigorou-nos a luta! Em Belém sob ataque pelas forças Tupinambá, o Forte do Castelo ficou sitiado por meses, obrigando militares portugueses a ficar em guarda de armas em punho por dias e noites!

Bento Maciel Parente atacou as fortificações de pau a pique do Guajará, de onde partiam inúmeros ataques à Belém e de lá arrastou inúmeros despojos… O maior líder, morubixaba Guamiaba Tupinambá reuniu suas forças para uma ação coordenada. No dia 7 de janeiro de 1619, as forças de ataque Tupinambá escalaram as muralhas e tomaram o Forte do Castelo, mas Gaspar Cardoso, mesmo ferido à flecha, com um disparo de arcabuz mudou o curso da guerra ao atingir de morte do lendário guerreiro morubixaba Guamiaba Tupinambá. O ataque foi suspenso para resgate do corpo e início dos ritos.

Então veio a destruição de Tapuytapera. Em 4 de junho, Aires de Sousa Chichorro ataca o sítio Iguapé. Em seguida leva destruição ao Guanapus e Carapy, além de diversas outras comunidades. Voltando do Maranhão, Bento Maciel entra em Belém com 80 soldados e um corpo de 400 indígenas, todos flecheiros se lançando a fazer guerra contra as forças Tupinambá em Belém sem cessar, até maio de 1620, para ocupar o governo da Capitania do Grão Pará. Seguiu sua jornada sanguinária contra a resistência Tupinambá até 18 de julho de 1621, quando tomou posse do Governo. O Levante Tupinambá durou cera de 5 anos e em 1621, o levante se converteu em guerra de resistência e só aí então foram abertas as primeiras ruas de Belém.

A Taba Mortiguera foi destruída pela missão militar e depois ocupada peça missão religiosa dos frades Capuchinhos de Santo Antônio, vindos de Belém, do Convento do Una, por volta de 1635. Fundaram uma aldeia chamada "Samaúma". A Aldeia Aba Samaúma depois teve que mudar de nome para se chamar "Vila de São Miguel de Beja", por ordens do governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado, irmão do Marquês de Pombal autor do documento Diretório, que proibia o batismo de pessoas e lugares da região com nomes indígenas e que todos os nomes deveriam ser trocados. A Vila de Beja (Aldeia Samaúma) deu origem à cidade de Abaetetuba, lugar de origem de meus antepassados tanto materno quanto paterno.

Aba Eté Tuba... do rio Quianduba, Campompema, Piratuba, Tauerá, Murutinga, Piratuba, Sirituba e Urubuéua. Abatetuba: Pérola do Tocantins, Cidade da Bicicleta, Capital Mundial do Brinquedo de Miriti, a Medelín Brasileira... Aba Samaúma, Terra das Samaumeias, morada da encantaria, o tatu-açu do Acaraqui, o Poço da Moça do Quilombo Bacuri, a serpente adormecida sob a igreja catedral e a ilha da Pacoca e seus encantos dobrados.... Na língua tupi, "Abaeté" significa "gente verdadeira", pela junção de abá e eté.

Awaeté significa coragem. Em 1943 a cidade teve que adicionar o sufixo tyba (tuba) que significa ajuntamento ou 'lugar de'. Logo, Abaetetuba significa Lugar de Gente de Verdade, e para nós os Mortiguera do tronco Tupy, gente de verdade é quem tem coragem. Abaetetuba é o Lugar de Gente e Coragem!

Sou tupinambá filho de Abaeté, porque antes de tudo sou descente direto do povo Mortiguar, da Taba Mortiguera, praça de guerra do Levante Tupinambá.

Por que é comum que pessoas não indígenas tenham adotado nomes de povos indígenas como sobrenome? Tem alguma relação com o roubo de terras ancestrais?

Algumas pessoas incorporam o nome Tupinambá porque são filhos e filhas de santo, da religião Umbanda, ligadas à Falange Guerreira do Caboclo Tupinambá. Outras pessoas herdaram esse nome por conta de estupros e outras violações às mulheres do período colonial português, filhos nascidos “sem pai” ou até de padres católicos que, para ocultar crianças com nome Tupinambá, faziam desse um sobrenome comum.

Na época da independência do Brasil, muitos representantes da Elite Nacional para tentar reforçar a ideia de separação de Portugal passaram a “Tupinizar” os seus nomes e sobrenomes, mas a valorização do indígena na Independência foi sobretudo uma estratégia da força do poder simbólico. Esse, por exemplo, é o caso de Francisco Gomes Brandão, filho de traficante de escravos, formado em filosofia pela Universidade de Coimbra, que ao voltar para Salvador adotou o nome de Francisco Gê Acaiaba de Montezuma. Dom Pedro I assumiu um nome asteca quando batizado na Maçonaria e depois muitos outros membros dessa sociedade se batizaram com nomes indígenas, principalmente o Tupinambá. Tem muito tupinambá por aí que tem origem na elite assassina da Nação Tupinambá.

Mas, atualmente, existe no campo da esquerda progressista, muita gente que assume uma identidade Tupinambá para tentar agregar capital cultural aos seus trabalhos pessoais, como cantores, desenhistas, artistas em geral, mas na verdade são expropriadores da luta de organização de base coletiva.

O que comenta a respeito do caso do influencer da capivara que, tendo a palavra "tupinambá" no seu sobrenome, foi associado a indígenas e ribeirinhos em uma série de matérias na imprensa que noticiaram o caso em que se meteu?

Eu sempre busco manter contato com todas as pessoas que aparecem nas redes sociais com o nome Tupinambá e assim conheci o perfil de Agenor. A princípio, fiquei até encantado com carinho que demonstrava ter com os animais. Quando começou a polemica da Capivara Filó eu também fiz sua defesa inclusiva, até momento que começaram a aparecer camadas de verdade sobre a construção de sua narrativa nas redes sociais. Aliás a capivara me traz muitas lembranças de minha infância em Abaetetuba, quando minha vó Maria de Lourdes nos fazia a surpresa de preparar o açaí batido pelo meu avô e nos servia a mesa, até hoje eu sonho que sou criança em Abaetetuba comendo “Capivara com Açaí”.