O jornalista Gilberto Nascimento, do site The Intercept, tem sido vítima de litigância de má fé e lawfare praticados pela Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) desde que publicou uma matéria intitulada “Igreja Bilionária”, em 20 de julho de 2022.
A reportagem revelou que a congregação de Edir Macedo amealhou 33 bilhões de reais em doações bancárias entre 1º de janeiro de 2011 e 31 de julho de 2015 – em valores corrigidos pela inflação, o valor ultrapassa R$ 42 bilhões.
Te podría interesar
A pedido da Iurd foi instaurado um inquérito policial determinado pela 4ª Vara Criminal de Ribeirão Preto, a propósito de reportagem de Nascimento.
Nesta sexta-feira (7), data para celebrar o Dia do Jornalista, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP) divulgou nota em apoio ao jornalista.
Te podría interesar
A matéria veiculada pelo The Intercept baseia-se em documentação do Ministério Público Estadual (MPE-SP) e em entrevista concedida por um empresário ligado à IURD, condenado pela justiça estadual, por lavagem de dinheiro e outros crimes, a penas que somam mais de setenta anos de detenção (que ele cumpre no presídio de Taubaté).
Segundo investigação do MPE-SP, em apenas quatro anos e meio, entre janeiro de 2011 e julho de 2015, a Iurd recebeu doações bancárias num montante de R$ 33 bilhões (em valores de hoje, R$ 42 bilhões).
"Os advogados da igreja e seus dirigentes, como Edir Macedo, sabem perfeitamente que o sigilo da fonte é garantido pela Constituição Federal (artigo 5o, inciso XIV) e pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e que, portanto, não cabe pressionar nem o jornalista, nem o jornal", diz a nota do SJSP.
A Iurd alega quebra de sigilo em processo que envolvia o empresário condenado, mas não contesta os dados publicados. "O objetivo da igreja é que o jornalista revele suas fontes, o que é inadmissível", observa a nota do sindicato.
"Ao tomar medidas judiciais contra ele e contra The Intercept, a igreja procura intimidá-los e cercear a liberdade de investigação jornalística. A atitude da Iurd representa um ataque frontal ao jornalismo, e como tal será tratada por nós", ressalta o texto.
Intimidação
À Revista Fórum, Nascimento comentou sobre a intenção da igreja de Edir Macedo.
“A intenção da Igreja Universal com esse pedido de inquérito policial é nos intimidar, amedrontar e tentar impedir que levemos ao público informações de interesse de toda a sociedade, como a de que uma igreja movimentou, entre 2011 e o primeiro semestre de 2015, R$ 33 bilhões apenas em doações bancárias. Esse valor, corrigido hoje, é muito mais elevado. Esses números estão em um documento oficial do Ministério Público de São Paulo. Eu tive acesso a essas informações e o jornalista tem direito ao sigilo da fonte. A Constituição e decisões recentes do Supremo Tribunal Federal garantem esse direito aos jornalistas”.
Autor do livro O Reino (Cia. das Letras, 2019), sobre a meteórica ascensão da igreja criada por Edir Macedo, hoje a controlar uma rede de televisão (Record), um banco (Digimais, ex-Banco Renner) e um partido político (Republicanos), Gilberto Nascimento tem mais de 40 anos de experiência como repórter de política, religião e direitos humanos. Com passagens por veículos como Folha de S.Paulo, O Globo, CartaCapital, IstoÉ e até mesmo a TV Record, coleciona mais de uma dezena de prêmios de jornalismo, entre eles o Vladimir Herzog, o Ayrton Senna e o Simon Bolívar.
Garantia constitucional
No dia 9 de março a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) emitiu uma nota em apoio a Nascimento. No texto, a entidade destaca que em uma decisão de 2021, o direito de sigilo de fonte é resguardado pelo ministro Dias Toffoli, do STF: "nenhum jornalista pode ser constrangido a revelar a fonte", escreveu o ministro em decisão liminar.
A Abraji lista outras decisões da Corte Suprema que protegem o jornalismo, como duas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs), de números 130 e 601. A primeira assegura a proteção à liberdade de imprensa e o direito à informação. No segundo caso, o ministro Gilmar Mendes deferiu liminar proibindo que um jornalista do próprio Intercept fosse investigado em razão de vazamento de informações.
"Para a Abraji, é ponto indiscutível que jornalistas e veículos de comunicação devem se pautar por documentos verídicos e de interesse público e que não podem ser responsabilizados juridicamente pelas quebras de sigilo que os originaram, conforme entendimento pacificado no Supremo Tribunal Federal (STF). É também uma garantia constitucional o sigilo de fonte. Ou seja, nem o veículo nem o repórter são obrigados a revelar quem forneceu os documentos sigilosos. São duas garantias que devem ser respeitadas para que os brasileiros recebam as informações de interesse público que permeiam grandes reportagens."
Método de assédio
Não é a primeira vez que a Universal promove assédio judicial contra jornalistas. Como em 2008, quando instigou os fiéis a ajuizar ações com pedidos de indenização por dano moral contra Elvira Lobato, após a jornalista publicar uma reportagem na Folha de S.Paulo revelando o império erguido pela organização religiosa ao longo de 30 anos. Com petições de parágrafos idênticos, foram ajuizadas ao menos 47 ações individuais em Juizados Especiais de vários estados do país, manobra sorrateira para dificultar o exercício do direito de defesa.