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Escrevo este texto no dia 20 de abril, aniversário de Hitler e do ataque em Columbine, em 1999, quando dois estudantes abriram fogo contra colegas na Columbine High School (Colorado-EUA), em um episódio considerado o marco inicial de uma tendência de violência contra as escolas nos Estados Unidos e no mundo. De lá pra cá, de acordo com um levantamento feito pelo jornal The Washington Post, foram 377 ataques do tipo em território estadunidense.
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No Brasil, só neste ano, de fevereiro até agora, foram cinco ataques a escolas e, nas últimas semanas, pesquisadores que monitoram grupos radicais de extrema direita mostram ataques orquestrados nas redes e grupos de aplicativos de mensagens para promover o pânico generalizado. Dois setores ao menos têm interesse na disseminação do pânico: os armamentistas bolsonaristas e os defensores da educação domiciliar (homeschooling).
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Este artigo é um convite para que os leitores da Revista Fórum assistam ao último Fórum Sindical (13/4), em que entrevistamos especialistas no campo da educação, da saúde mental e da cibercultura: o presidente da CNTE, Heleno Araújo, a professora Janeslei Albuquerque, da APP-Sindicato/CUT, o professor Fabio Malini, pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura – Labic/UFES, e o médico Nelson Nisenbaum, especialista em clínica médica e psiquiatria clínica.
A pergunta central de nosso programa foi: Como enfrentar os ataques contra as escolas brasileiras? Os entrevistados refletiram como as famílias, os profissionais da educação no ambiente escolar, a sociedade e governos podem agir para diminuir os casos de violência que se tornam cada vez mais recorrentes e aterradores no Brasil.
As inúmeras violências contra as escolas
O golpe de 2016 e o governo Bolsonaro aceleraram o desmonte da educação pública. No discurso de Bolsonaro, os professores eram inimigos e deveriam ser amordaçados; as universidades, “fábricas de comunistas”. A ciência foi ignorada e os recursos para pesquisa, ceifados. Esse projeto se estendeu para os estados, especialmente aqueles governados por neoliberais. A professora Bebel, deputada estadual da Alesp e presidente da Apeoesp, comentando recente pesquisa do Instituto Locomotiva sob a percepção da violência pela comunidade escolar, argumenta: “Faltam funcionários nas escolas, o policiamento no entorno das unidades escolares é deficiente e, sobretudo, não existem políticas de prevenção que envolvam a comunidade escolar. O programa de mediação escolar, criado em 2009 pela Secretaria da Educação a partir de proposta da Apeoesp, em que professores trabalhavam na solução de conflitos e harmonização do ambiente escolar, foi virtualmente abandonado e as consequências se fazem sentir no crescimento do número de casos” [OUVINDO A COMUNIDADE ESCOLAR: DESAFIOS E DEMANDAS DA EDUCAÇÃO PÚBLICA DE SÃO PAULO. Instituto Locomotiva].
Coadunando com as observações da professora Bebel, Heleno Araújo ressalta a precarização da educação pública: a maioria de professores formados a distância e a terceirização em todos os níveis — 70% dos trabalhadores nas escolas públicas brasileiras das redes estaduais têm contrato temporário. Para o presidente da CNTE, a primeira medida para melhorar a segurança nas escolas é o poder público respeitar a Constituição: ter profissionais capacitados que ingressem nas escolas por concurso público; entender a educação básica como direito das crianças, jovens e adolescentes e dever do Estado; garantir a participação social nas escolas — “diretor não é gestor, tem de respeitar o espaço deliberativo da escola”.
Desafios de se construir uma escola e uma sociedade democráticas
A categoria dos profissionais da educação básica sempre foi resistente ao processo de virtualização da educação por entender que a escola é o espaço por excelência de socialização, da construção da identidade e da formação cidadã.
É na escola, como argumentaria o filósofo francês Émile-Auguste Chartier, que usava o pseudônimo de Alain, que o “povo criança” se encontra e o “professor embaixador” constrói a mediação dos conflitos: “O povo criança cresce e torna-se povo de homens, estrangeiro a seus mais jovens, estrangeiro àqueles que o seguem. A conversa com um irmão mais novo é sempre difícil; ela é quase impossível com um pai; ela é mais natural com um estrangeiro de outra idade; mais natural com um professor de redação ou de ciências, ou de literatura, porque o professor experimenta e mantém as diferenças, em lugar de um irmão ou de um pai, que querem se aproximar e compreender, e se irritam rapidamente por não conseguirem. De modo que o professor descobre ser embaixador e negociador entre o povo família e o povo criança” [ALAIN. Propos sur l'education suivis de pédagogie enfantine, 2005].
Alain nos convida a pensar o processo de socialização na infância e o papel da escola nesse processo. Se considerarmos que as famílias modernas têm menos filhos, a escola, muito mais que a família, tornou-se o lugar por excelência para que crianças aprendam com outras crianças a conviver, a negociar conflitos com a mediação dos educadores.
O isolamento social devido à pandemia de covid-19 fragilizou ainda mais esse processo de socialização. A adolescência é outro período da vida em que o processo de socialização é fundamental. O impacto do distanciamento social também foi devassador para adolescentes e pré-adolescentes na construção da identidade. Por fim, os nativos digitais também constroem suas relações por meio do uso das tecnologias e das redes sociais.
Nesse sentido, Fabio Malini chama atenção para a concentração da produção de conteúdo na internet voltado para o público infanto-juvenil e a importância da família para o controle responsável do uso de dispositivos eletrônicos e das redes sociais, além da importância de encararmos o debate sobre o controle dos algoritmos.
O psicanalista Nelson Nisenbaum reforça que o capitalismo ocidental em sua fase neoliberal tem um projeto de individuação, um projeto de ruptura dos laços de convivência. Nesse sistema, a sociedade está projetada para cada vez se fragmentar mais e ser cada vez mais focalizada no indivíduo, no discurso do empoderamento do indivíduo, em sua pretensa autonomia, pretensa liberdade, pretensa independência: “Há um processo de dessocialização em curso que ignora que a sociedade, para existir, depende da integração de seus membros”.
A professora Janeslei Albuquerque destacou vários trechos do relatório O extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil: ataques às escolas e alternativas para a ação governamental:
“É necessário compreender que o processo de cooptação pela extrema-direita se dá por meio de interações virtuais, em que o adolescente ou jovem é exposto com frequência ao conteúdo extremista difundido em aplicativos de mensagem, jogos, fóruns de discussão e redes sociais. 5. Um ponto fundamental para compreender o extremismo de direita é que a ideia de supremacia branca e masculina é um elemento constitutivo desses grupos, movimentos e regimes. O movimento contemporâneo se pauta pelos exemplos de extremismo existentes durante o século XX, como o nazismo e o fascismo italiano” [Publicado em 2022, o relatório O extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil: ataques às escolas e alternativas para a ação governamental conta com a colaboração de inúmeros autores especialistas em educação, especialistas em redes e saúde mental].
Janeslei ressaltou a importância da liberdade de cátedra, de atividades culturais em ambiente escolar, de um currículo verdadeiramente antirracista, antimisógino que combata a xenofobia, a LGBTfobia e reforçou mais uma vez que o Novo Ensino Médio é anticientífico, empobrecedor e não serve nem para a formação profissional e nem para preparar para o vestibular.
Saídas para o Brasil
A pesquisa recente do Instituto Locomotiva mostra que a avaliação de insegurança é maior para toda a comunidade escolar nas periferias de São Paulo. Renato Meireles, o presidente do Instituto Locomotiva, avalia que “os dados mostram que a insegurança e casos de violência no ambiente escolar são uma realidade e para lidar com esse cenário é necessário um movimento amplo de toda a sociedade para construir uma cultura de paz; precisamos de investimento humano e tecnológico para prevenção e enfrentamento da violência, começando pelos colégios de periferia”.
Quando o assunto é a violência contra as escolas, a resposta do senso comum é o aumento de policiamento. Nos Estados Unidos os investimentos bilionários em segurança e vigilância não diminuíram os ataques às escolas: em 2021 foram 42 casos, e o ano de 2022 bateu recorde de atentados — 47 no total. Pesquisas científicas nos Estados Unidos que analisaram três décadas de atentados em escolas concluíram que manter guardas armados na escola não reduziu o número de vítimas em massacres; ao contrário, os dados mostram que o número de mortes em escolas com guardas armados foi quase três vezes maior do que naquelas sem seguranças armados. A presença de agentes armados em ambiente escolar, especialmente em sociedades desiguais e racistas como as do Brasil e dos Estados Unidos, também aumenta a exclusão estudantil entre alunos de camadas mais vulneráveis da população.
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No Brasil, diante do aumento de ataques contra escolas e creches, o governo federal anunciou uma nova política nacional de combate à violência. Entre as medidas estão a instalação de um canal de denúncia; o fortalecimento do Programa Saúde na Escola; campanha de comunicação para desestimular atos de violência; repasse de recursos para que escolas ofereçam treinamentos a diretores e professores para mediar conflitos, junto da criação de um protocolo para evitar os casos; lançamento de edital para repassar recursos a estados e municípios para fortalecer rondas escolares; desenvolvimento do trabalho de inteligência nas redes sociais pelos centros integrados regionais para apurar grupos que estimulam intolerância; regulamentação das plataformas digitais no Brasil; fortalecimento da política psicossocial para viabilizar tratamento de alunos com transtornos mentais; plano de ensino integral, que será apresentado pelo governo.
Pais, estudantes, profissionais da educação, governos precisam compreender a complexidade deste fenômeno contemporâneo. Defender as escolas contra atentados é antes de tudo defender o direito à educação pública, gratuita e de qualidade, é defender currículos potentes, é defender merenda escolar de qualidade, é defender profissionais concursados, bem formados, é defender a escola participativa, que envolva toda a comunidade escolar, é defender o direito à educação do povo criança e do povo adolescente. Defender as escolas contra atentados é cuidar de nossos adolescentes adoecidos sem perspectiva futura capturados por grupos de ódio com interesses econômicos de gastar os parcos recursos da escola pública com mais aparatos de vigilância.
Defender nossas escolas é debater profundamente o papel dos algoritmos e dos lucros gerados com os conteúdos de ódio que mobilizam milhões.