Com um amplo domínio da Igreja Católica até o ano 2000, o Brasil acompanha ao longo das primeira décadas do século XXI o declínio católico enquanto religião absoluta do país, em paralelo com o crescimento acelerado dos evangélicos e o aumento de pessoas que se declaram sem religião ou de religiões não cristãs, como as de matriz africana. Para o doutor em demografia José Eustáquio Diniz Alves estamos presenciando uma “transição religiosa” e isso não significa que os evangélicos vão tomar o lugar de "monopolizador da fé" que o catolicismo exerceu até o final do século XX.
Em recente artigo publicado no site EcoDebate, o acadêmico da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) se apoia em dados históricos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística para começar explicando a queda do catolicismo. No censo do IBGE de 1872 os católicos eram 99,7% da população. Em 1900 eram cerca de 98%.
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Em outras palavras, o demógrafo aponta que houve um monopólio da fé católica no país nos seus primeiros quatrocentos anos, mas que, ao longo do século XX começou a perder espaço. No censo do ano 2000, a porcentagem de católicos já estava em 73,9%.
Além disso, na primeira década do século XXI o número absoluto de católicos no país decresceu pela primeira vez. Se no censo de 1991 eram 121 milhões de católicos e em 2000 os fieis da Igreja Romana atingiram seu ápice com 125 milhões de fieis. Mas dez anos depois, no censo de 2010, o número já teria caído para 123 milhões. E o que foi um decrescimento de 1% por década no século passado, passou a registrar a mesma taxa ao ano na primeira década do novo século.
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Os evangélicos que no censo de 1900 eram registrados pela primeira vez sendo 1% da população, em 1991 com o advento das igrejas pentecostais e neopentecostais a exemplo da Universal e da Assembleia de Deus, cresceram 0,63% ao ano até chegar ao ano 2000. No censo da virada de milênio já eram 15,4%. Católicos (73,9%), sem religião (6,4%) e “demais religiões” (4,3%) completavam a lista.
“A queda das filiações católicas é um fato histórico sem precedentes entre os grandes países e a rapidez da queda surpreende muitos estudiosos. É certo que a Igreja Católica tem uma tremenda dívida com diversos setores da sociedade brasileira, particularmente com os indígenas, os negros e as mulheres que sempre foram excluídas das estruturas misóginas da hierarquia eclesiástica. As práticas, os rituais e os ensinamentos do catolicismo tinham boa receptividade junto à população quando o Brasil era um país pobre, rural, tradicional, com baixas taxas de escolaridade e com restrita mobilidade social e espacial”, escreveu José Eustáquio Diniz Alves.
Segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), usando dados da Rais (Relação Anual de Informações Sociais), do Ministério do Trabalho e Emprego, dos 124,5 mil estabelecimentos religiosos existentes no Brasil em 2021, 14,3 mil eram católicos, 23 mil evangélicos tradicionais e 64 mil de pentecostais e neopentecostais. Só a Assembleia de Deus tinha 17,3 mil templos e uma capilaridade imensa, maior que a outrora soberana Igreja Católica.
Para o demógrafo, a velocidade com que as comunidades e templos evangélicos se multiplicam é outro indicador de que o país vive uma transição religiosa. Mas ao contrário do que possa parecer, na sua leitura os evangélicos estão longe de se tornarem um consenso como os católicos foram um dia: “É quase certo que o Brasil vai apresentar uma configuração religiosa mais plural”, afirmou.
De acordo com os cálculos do pesquisador, evangélicos devem ultrapassar os católicos já em 2032. E, em sua conclusão, aponta quatro movimentos que demarcam essa transição religiosa.
Além, é claro, do declínio católico e da acelerada ascensão evangélica, há dois outros fatores que impedem o país de se tornar um “evangelistão" no futuro: o “crescimento percentual das religiões não cristãs”, especialmente as de matriz africana, e o “aumento absoluto e relativo das pessoas que se declaram sem religião”. Saberemos os números exatos dessa transição religiosa nas próximas semanas, quando os dados do Censo 2022 que a isso dizem respeito devem ser finalmente publicados.