O Ministro da Educação Camilo Santana e o presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Manuel Palacios, realizaram na tarde desta terça (10) a apresentação dos resultados do Censo da Educação Superior referente ao ano de 2022 e, seguindo a tendência dos últimos anos, em 2022 continuamos observando um grande aumento de matrículas em cursos de graduação na modalidade à distância.
O número de ingressos em cursos de graduação a distância (EaD) tem aumentado substancialmente nos últimos anos, tendo ultrapassado a marca histórica de 3 milhões de ingressantes em 2022. Outro fato que chama atenção é o número de ingressantes em cursos presenciais, que vem diminuindo desde 2014. Em 2021 foi registrado o menor valor dos últimos dez anos. Entretanto, em 2022 foi registrada uma quebra da tendência e o número de ingressantes em cursos presenciais voltou a subir, registrando 1.656.172 de alunos. No total 4.756.728 estudantes ingressaram no ensino superior em 2022.
O número que chama mais atenção é o de matrículas a distância no ensino superior privado, que em 2022 representa mais de 72% do total de estudantes ingressantes, ou seja, 2 em cada 3 alunos na rede privada optaram por se matricular em um curso EAD.
Outro destaque importante se refere aos cursos de licenciaturas e formação de professores: mais de 93% dos ingressantes optaram por cursos na modalidade EAD.
Quase 80% dos jovens de 18 a 24 anos não estão na faculdade; 32,3% sequer concluíram o ensino médio. O Censo do Ensino Superior mostra que havia quase 23 milhões de vagas disponíveis em 2022, mas apenas 4,7 milhões foram preenchidas. Nas instituições particulares, sobram mais de 80% das vagas. Nas públicas, as vagas ociosas chegam a quase 40%.
O ministro Camilo Santana classificou a grande expansão da EAD como um fenômeno como “alarmante e desafiador”. “São 17,1 milhões de vagas abertas, ante 5,6 milhões no ensino presencial”, disse. O ministro prometeu decisões mais “rígidas” e “duras” na coordenação e fiscalização dos cursos EAD. Recentemente ele mandou suspender a criação de cursos de Enfermagem à distância e encaminhou para que o MEC abra uma consulta pública sobre a abertura dos cursos de Direito, Psicologia e Odontologia, junto com outros 12 cursos, que segundo o ministro não teriam condições acadêmicas de serem ofertados na modalidade à distância. A Associação Brasileira de Educação à Distância – ABED solicitou correções ao relatório publicado pelo MEC, discordando de alguns pontos críticos do relatório.
“Nossa preocupação não é ter curso a distância, mas garantir a qualidade desse curso oferecido para a formação do profissional. Estávamos aguardando o relatório desse último Censo para tomar decisões mais rígidas ou duras para regular e coordenar esses cursos”, explicou.
Para o Professor João Mattar, presidente da ABED – Associação Brasileira de Educação à Distância “na EaD não há apenas a figura individualizada do professor, mas um trabalho em equipe, que envolve conteudistas, designers instrucionais, professores e tutores, dentre outros atores. Nesse sentido pesquisadores do Grupo Horizonte, da UFSCar, por exemplo, desenvolveram o conceito de polidocência online”. O professor completa que “é preciso avaliar quais desses “docentes” foram incluídos neste cálculo da relação aluno/professor, no caso das métricas da educação a distância.”
As declarações do ministro durante a coletiva de apresentação do Censo assustaram estudantes ouvidos pela Forum e que estão matriculados em cursos EAD. Segundo Bruno Messias, estudante de Engenharia de Produção EAD da UFF pelo Consórcio CEDERJ as declarações do ministro mostram desconhecimento da realidade de grande parte desses cursos e do perfil dos estudantes que buscam a EAD para ter uma formação: “É lamentável o discurso contrário à qualidade do ensino a distância, inclusive em relação aos cursos de excelência oferecidos pelas Instituições de Ensino Superior (IES) públicas. É o preconceito histórico vivido por estudantes e cursos de EAD nas universidades públicas. Surpreendentemente, as declarações surgem no mesmo dia em que o CEDERJ abre inscrições para mais de 7.000 vagas em 18 cursos, ofertados por sete universidades públicas”.
Já para Elysio Damasceno, estudante de Ciência de Dados na UNIVESP - Universidade Virtual do Estado de São Paulo, os estudantes de cursos EAD sofrem com um preconceito acadêmico e estrutural no Brasil e que dificulta muito a inserção desses estudantes em oportunidades acadêmicas como acesso a bolsas de pesquisa e participação em espaços das universidades como conselhos e processos de decisão:
“as bolsas, conselhos, iniciações científicas, congressos e ambientes onde ocorrem as decisões acadêmicas, incluindo as direções das próprias universidades não só apresentam pouca receptividade aos estudantes da modalidade EaD, como oferecem uma comunicação sofrível deixando os alunos isolados sem contato com as turmas em seus ambientes virtuais”.
Em setembro a CAPES anunciou a abertura de um edital para possibilitar a oferta de mais de 290.000 vagas em cursos EAD nos polos municipais do Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB) com novos cursos a serem criados pelas universidades federais e estaduais. No entanto, segundo apuramos, a maior parte das universidades públicas não possuem novos projetos de cursos para serem ofertados na modalidade a distância devido a falta de recursos e ao grande hiato de editais de financiamento desses cursos. O último edital da UAB foi em 2014 e, desde então, poucas universidades públicas conseguiram realizar novos vestibulares para poucas vagas em polos da UAB.
Com exceção de iniciativas estaduais independentes de recursos do MEC como a Universidade Virtual do Estado de São Paulo – UNIVESP que ofertou em 2022 um vestibular com mais de 31.000 vagas em cursos de licenciaturas, computação e administração, e o Consórcio CEDERJ que reúne as universidades públicas do estado do Rio de Janeiro que ofertou cerca de 14.000 vagas em 2022, praticamente não existe uma oferta relevante de cursos EAD de universidades públicas nos outros estados da federação.
Para o estudante Bruno Messias que também é representante discente no Conselho Universitário da UFF e presidente do CONCENTRE EAD, entidade que representa os estudantes do Consórcio CEDERJ “o EAD é a chance de trabalhadores, de pessoas que moram em lugares afastados ou na periferia poderem acessar o Ensino Superior Público. Os cursos no CEDERJ e na UNIVESP obtiveram excelentes notas (4 e 5) nas avaliações do MEC, consolidando e ampliando a democratização do acesso à Universidade Pública”. Bruno também destaca que “mesmo sem um aporte orçamentário direto do MEC à EAD nas IES Públicas e sem qualquer tipo de bolsa auxílio para seus alunos, o CEDERJ oferece mais de 14.000 vagas anualmente. Além disso, esses cursos tem atividades presenciais, práticas e à distância, com pedagogia adequada para a EAD, o que permitiu a continuidade das atividades acadêmicas mesmo durante a pandemia”.
Para o professor João Mattar além de fiscalizar o MEC também deve promover discussões mais qualificadas sobre a expansão dos cursos EAD “além do esforço do MEC para garantir melhor qualidade nos cursos a distância — assim como nos cursos presenciais —, deveríamos, como em vários outros países, caminhar para um debate sobre as infinitas possibilidades da educação híbrida, superando a polaridade presencial/distância, e não para a demonização de uma modalidade, a educação a distância”.
O futuro da Educação à Distância no ensino superior estará em discussão nas próximas duas semanas com a realização do CIAED, o Congresso Internacional de Educação à Distância promovido pela ABED e que ocorre no Rio Centro entre os dias 15 e 18 de outubro e no ESUD – Congresso de Ensino Superior à Distância organizado pela Associação UNIREDE e que ocorre entre os dias 23 e 27 de outubro na UFMS em Campo Grande – MS.
A apresentação do INEP sobre os resultados do Censo e as falas do ministro podem ser vistas no canal do INEP no Youtube.