SAÚDE PÚBLICA

Mulher indígena morre durante o parto depois de ter aborto legal negado no Paraná

Mirian dos Santos, que fazia parte da reserva indígena Mangueirinha, foi estuprada pelo ex-companheiro

A mulher era mãe de dois filhos e desistiu de fazer o aborto após assistentes sociais lhe dizerem que ela poderia ser processada.Créditos: Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
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Uma mulher indígena faleceu, na última quinta-feira (16), após o trabalho de parto em Guarapuava, no Paraná. A gestante havia solicitado a realização de um aborto legal, ao qual foi negado pela saúde pública do estado. 

Mirian Bandeira dos Santos, de 35 anos, era mãe de dois filhos e afirmava ter sido vítima de um abuso sexual. A mulher teve uma embolia pulmonar durante o trabalho de parto e não resistiu.

O Projeto Vivas, que é uma organização política que auxilia mulheres e meninas a terem acesso aos serviços de aborto legal no Brasil e no exterior, chegou a ajudar Mirian.

"É um caso que marcou muito a gente. Foi uma sensação de que as pessoas que estavam tentando ajudar, na verdade, estavam criando barreiras", afirma a diretora do projeto, Rebeca Mendes

A defensora pública Mariana Nunes, que também atendeu Mirian, afirma que o caso deveria ser observado com cautela para que o Ministério da Saúde trace diretrizes claras, baseadas em evidências científicas, para que outras situações dessas não voltem a acontecer.

"A gente está diante de uma morte materna evitável, de uma grave violação de direitos humanos das mulheres que pode remeter a uma espécie de 'feminicídio'", diz. "Há indícios de omissão e ação ativa do Estado para impedir esse abortamento. E o desfecho, agora, é irremediável", completa Mariana.

Integrante da reserva indígena Mangueirinha, no Paraná, que é habitada pelos povos Kaingang e e Guarani Mbya, Mirian foi violentada pelo ex-parceiro abusivo, que não aceitava o fim do relacionamento.

A mulher ainda tomou os remédios contraceptivos de emergência e realizou um teste rápido, bem como fazia uso de anticoncepcionais injetáveis regularmente. Mirian só descobriu a gravidez a partir das 20 semanas de gestação, quando participou de um atendimento na Unidade Básica de Saúde (UBS) de Guarapuava. 

Mirian foi atendida pela assistente social do Atendimento à Mulher em Situação de Violência, que identificou que a mulher estava muito frágil emocionalmente, que "não conseguia se sentir mãe" e que "se sentia envergonhada" com a gravidez.

O aborto legal é garantido às mulheres por lei, caso estas corram risco durante a gestação, tenham sido vítimas de estupro ou caso o feto seja anencéfalo. Mirian foi encaminhada para a Defensoria Pública do Paraná, a fim de receber a autorização judicial para o procedimento médico.

No entanto, tanto em Guarapuava, quanto através do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que é referência em realizar o procedimento, o aborto legal foi negado, devido ao estágio avançado da gravidez.

O Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (Nudem) resolveu acionar o Projeto Vivas, que conseguiu uma vaga para a mulher em outro estado, no dia 28 de agosto, para fazer o aborto. Funcionários da assistência social, no entanto, procuraram por Mirian e a disseram que ela poderia ser processada, caso realizasse o procedimento.

A mulher acabou desistindo de fazer o aborto quatro dias antes da data marcada. Ela chegou a dizer aos assistentes que a atendiam sobre o quanto estava sofrendo e "queria que esse pesadelo acabasse". 

"Ela tinha duas crianças pequenas, que agora não têm mais mãe. Ela tinha uma bolsa do governo federal [para o ensino superior], estava no primeiro ano de enfermagem. Era uma mulher indígena que tinha uma perspectiva de realizar o trabalho em saúde na sua própria comunidade, e de repente tem a vida devastada por uma violência sexual, por uma violência do Estado e por todas as barreiras que foram impostas a ela", diz Nunes.