Caos

Os EUA caminham para uma recessão?

Medidas e ameaças de Donald Trump em relação a tarifas (mas não só) levam incerteza ao cenário econômico estadunidense, que já começa a projetar o pior para 2025

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Jornalista formado na ECA-USP, colaborador do Outras Palavras, ex-editor-executivo do Brasil de Fato, ex-editor da Rede Brasil Atual e ex-âncora na TVT e Rádio Brasil Atual.
Os EUA caminham para uma recessão?
Reprodução de vídeo / Youtube

As Bolsas de Valores estadunidenses viveram o seu pior desde o início da gestão de Donald Trump após o próprio presidente não descartar a possibilidade de uma recessão no horizonte do país nesta segunda-feira (10).

“Odeio prever coisas assim”, disse Trump à Fox News, emissora simpática ao republicano, em uma entrevista no programa Sunday Morning Futures, quando questionado pela âncora Maria Bartiromo sobre o tema. “Há um período de transição, porque o que estamos fazendo é muito grande. Estamos trazendo riqueza de volta para a América. Isso é algo grande”, ele disse.

Trump chegou a comparar as iniciativas de seu governo com o que faz o país que muitas vezes é tratado como inimigo por ele, a China. “Se você olhar para a China, eles têm uma perspectiva de cem anos. Nós temos um trimestre. Nós seguimos por trimestres, e você não pode seguir isso. Você tem que fazer o que é certo”, disse o presidente dos EUA. “O que estamos fazendo é construir uma base tremenda para o futuro.”

As declarações resultaram em índices negativos no mercado financeiro. O S&P 500, índice de ações que mede o desempenho das 500 maiores empresas de capital aberto listadas nas bolsas dos Estados Unidos, caiu 2,7%, enquanto o índice Dow Jones Industrial Average caiu 890 pontos, ou 2,1%, após reduzir uma perda anterior de mais de 1.100, enquanto o índice Nasdaq Composite caiu 4%.

A preocupação geral é que os movimentos de vai e vem em relação às tarifas prejudiquem a economia diretamente ou criem um cenário de incerteza que leve as empresas e os consumidores dos EUA a uma paralisia que congele a economia nacional.

Pedidos de paciência

O pedido de paciência se tornou a tônica do governo republicano. Seu secretário do Tesouro, Scott Bessent, seguiu o chefe dizendo que a economia pode passar por um período de "desintoxicação" à medida que se livra do que ele acredita ser "um vício" em gastos por parte da administração federal.

Na semana passada, ele tentou justificar a política tarifária de Trump ao Clube Econômico de Nova York, defendendo até o potencial inflacionário das mudanças ao dizer que “o acesso a produtos baratos não é a essência do sonho americano”.

“O sonho americano está enraizado no conceito de que qualquer cidadão pode alcançar prosperidade, mobilidade ascendente e segurança econômica”, afirmou Bessent. “Por muito tempo, os designers de acordos comerciais multilaterais perderam isso de vista. As relações econômicas internacionais que não funcionam para o povo americano devem ser reexaminadas."

Nesta segunda, após a resposta evasiva na Fox, voltou a prometer um futuro idílico. “Tudo o que sei é isto: vamos receber centenas de bilhões de dólares em tarifas e vamos ficar tão ricos que vocês não vão saber onde gastar todo esse dinheiro. Estou dizendo, vocês apenas observem.”

Sinais, fortes sinais...

Alguns índices da economia já preocupam. O modelo GDPNow do Federal Reserve Bank of Atlanta, que projeta o crescimento econômico com base em dados atualizados em tempo real, prevê uma contração de -2,4% na economia dos EUA para o primeiro trimestre de 2025. Se for confirmado o resultado, seria o pior desempenho desde a pandemia de covid-19.

A definição mais comum e amplamente utilizada é a de que uma recessão ocorre quando há dois trimestres consecutivos de queda no Produto Interno Bruto (PIB), com o índice ajustado pela inflação.

Segundo a Newsweek, um modelo de probabilidade do JPMorgan mostrou que as chances de recessão aumentaram de 17% em novembro para 31% atualmente. A confiança do consumidor também despencou, com o Índice de Confiança do Consumidor do Conference Board caindo sete pontos em fevereiro, maior redução desde 2021.

O nível de confiança do consumidor é um indicador estratégico, já que ele responde por cerca de dois terços da produção econômica do país. A semana passada, como destaca o US News, registrou uma contração inesperada nos gastos, especialmente em itens caros como carros e móveis. O mercado automobilístico pode ser um dos mais afetados com as tarifas impostas ao Canadá e o México, dado o grau de integração da cadeia produtiva entre os três países.

“O maior risco negativo é que a incerteza política possa criar uma parada repentina na economia, onde os consumidores parem de comprar carros, parem de ir a restaurantes e parem de sair de férias, e as empresas parem de contratar e parem de fazer investimentos”, pontua Torsten Slok, economista-chefe da Apollo, grande empresa de private equity e gestão de ativos.

Estagflação

Não é apenas a recessão que preocupa, mas a sua conjunção com a inflação mantendo altas taxas, o que configuraria uma estagflação.

E o termo não está sendo discutido somente em Wall Street. As pesquisas no Google pelo termo "estagflação" estão entre as mais altas já registradas, segundo o Google Trends, superadas apenas em três episódios: na crise internacional de 2008, no auge da crise econômica no país durante a pandemia, em 2022, e por um período breve no ano passado.

"Se nossa narrativa no início do ano era 'crescimento mais lento, inflação mais firme', então agora pensamos 'crescimento mais lento, inflação mais firme'", escreveu o economista Michael Gapen do Morgan Stanley em uma nota, reduzindo sua meta de PIB para o ano inteiro de 1,9% para 1,5%.

O caos das medidas tomadas (e das não tomadas) até agora não permitem cravar nada em relação ao futuro econômico imediato dos EUA. E no cenário atual, isso não é nada bom. 

“Os dados de inflação desta semana são essenciais, com o Fed cada vez mais preocupado com a estagflação, à medida que a atividade econômica recua enquanto a inflação persiste. As políticas comerciais caóticas do presidente Trump e os mercados estão perdendo a confiança na resiliência da economia dos EUA e no dólar como um porto seguro, favorecendo o ouro, o franco suíço e o iene japonês", pontua o diretor da Oku Markets, Harry Mills.

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