Haddad, a economia e um dado do Datafolha ignorado nas manchetes

Duas questões relativas ao sistema tributário brasileiro apontam para um campo em que o governo pode ganhar terreno e começar a corrigir um dos fatores históricos que aprofunda a desigualdade no país

Ministro da Fazenda Fernando Haddad pode conduzir um embate político importante para o governo e para o paísCréditos: Diogo Zacarias/MF
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Os títulos e principais destaques dos veículos da mídia tradicional sobre a pesquisa Datafolha que avaliou a gestão do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e outras questões sobre a economia brasileira, foram quase idênticos. Todos trouxeram o fato de seu desempenho à frente da pasta ter um índice de desaprovação (34%) maior que o de aprovação (27%). E acabaram ignorando, talvez propositalmente, outros dados relevantes sobre a percepção das pessoas a respeito da economia.

A proposta para ampliar a isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil mensais é aprovada por 70% dos entrevistados, com 26% se posicionando de forma contrária. No entanto, o aumento da tributação para quem tem renda mensal acima de R$ 50 mil alcança um índice de apoio ainda maior: 77% se dizem favoráveis.

Não é pouca coisa, ainda mais se tratando de um tema invisibilizado pela imprensa corporativa, que tem um cardápio pouco variado em que os pratos têm sempre os mesmos ingredientes. Pouco ou quase nada se fala da injustiça tributária, mas sobra espaço para a defesa da dita austeridade fiscal e dos cortes de gastos estatais, além da defesa incessante do Banco Central (BC) como "órgão técnico" que raramente é contestado em suas decisões, principalmente quando envolvem o aumento de juros.

Mesmo assim, os números sobre o IR no Datafolha mostram que a população sabe que os impostos não atingem a todos da mesma forma. E estaria disposta a apoiar estas mudanças. Em 2025, o governo e a equipe econômica prometem colocar em discussão o que seria a segunda etapa da reforma tributária, que envolveria as alterações previstas no anúncio do pacote fiscal.

Debate é econômico e político

Muito se atribui à comunicação eventuais percepções ruins por parte da população das medidas tomadas pelo governo. Mas em diversas ocasiões a questão é essencialmente política, e no sentido mais amplo.

Em julho, por exemplo, um outro levantamento, este da Quaest, mostrava que o embate do presidente Luiz Inácio Lula da Silva contra os juros altos do Banco Central contava com o apoio da maioria dos brasileiros. À época, 66% dos entrevistados concordavam com suas críticas à política de juros do BC. E chegavam a 87% aqueles que concordavam com a opinião do presidente de que a taxa no Brasil é muito elevada.

Nesse caso, mesmo a blindagem midática a Campos Neto não funcionou. Contudo, a vantagem na chamada opinião pública não se tornou um instrumento de pressão maior para reverter a política monetária ou discutir questões de fundo como a própria disfuncionalidade de um Banco Central autônomo dentro do contexto brasileiro. Perdeu-se uma oportunidade.

Agora, o governo tem, na área econômica, a possibilidade de bancar um debate que pode, ao mesmo tempo, enfrentar uma das chagas mais duradouras que ajuda a perpetuar a desigualdade no país, a estrutura tributária regressiva, e conseguir mudar o humor da população em relação a uma economia que não vai mal, mas que não anima os brasileiros a associarem o cenário às próprias ações do Executivo.

Para isso, será necessária uma interlocução maior com a sociedade civil organizada e empunhar a bandeira da justiça tributária com mais assertividade. Ainda que as chances de grandes avanços possam ser mais limitadas diante de um Congresso opositor, primeiros passos podem ser dados em um tema que, para boa parte da população, não é controverso.

 

 

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