Mais de 16 mil quilômetros separam o Brasil da China. O gigante da América do Sul tem 500 anos de civilização pós-colonização portuguesa e apenas dois séculos como nação soberana. O colosso asiático tem cinco mil anos de civilização e 73 como República Popular. Os brasileiros falam português, os chineses, mandarim (entre outros idiomas de minorias étnicas).
Ambos são países continentais, em desenvolvimento e encaram desafios muito semelhantes, como o enfrentamento à desigualdade social e a atuação em prol da conquista da soberania alimentar. O Brasil adota o capitalismo (leia-se neoliberalismo) e, a China, o socialismo com características chinesas.
As relações de amizade entre Brasil e China têm 73 anos e, as diplomáticas, 48 anos. Mas as trocas comerciais entre os dois territórios data do século XIX, quando os portos brasileiros recebiam mercadorias perfumadas e coloridas a partir dos navios de Portugal que vinham das então colônias portuguesas de Macau, na China, e de Goa, na Índia.
No dia 12 de setembro eu assisti ao Fórum dos Think Tanks entre China e os países de língua portuguesa. Uma das apresentações foi feita pelo professor de direito internacional Evandro Menezes de Carvalho. Ele coordena o Núcleo de Estudos Brasil-China da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (FGV Direito Rio), entre outros títulos. A fala dele me levou a reflexões sobre tudo o que tenho aprendido nesses dois meses em que estou na China.
Carvalho comentou que um dos mais destacados intelectuais brasileiros do século XX, o sociólogo Gilberto Freyre, no livro 'China Tropical: e outros escritos sobre a influência do oriente na cultura luso-brasileira', escrito na década de 1950, destacou a importância da contribuição do Oriente na formação da cultura brasileira.
Embora o termo usado por Freyre coloque num mesmo balaio culturas bastante diferentes, como a chinesa, a indiana, a japonesa e a coreana, peço licença para me apropriar dessa constatação para aplicar essa lógica à China.
Freyre chega à conclusão de que apesar de o Brasil ter sido oficialmente colonizado por europeus, o país “se aproximava de tal modo do Oriente (...) a ponto de se haver tornado, sob vários aspectos de sua organização e de sua paisagem, área indecisa entre o Oriente e o Ocidente”.
Tomo a liberdade de recorrer à conclusão de Freyre para explorar uma observação pessoal. Ao habitar essa área cinzenta de nem lá nem cá, o Brasil colore com tons neutros as relações com a China. Embora parceiros comerciais em tonalidades vívidas, o intercâmbio cultural e linguístico sino-brasileiro ainda tem cores muito pastéis.
Explico. A apresentação de Carvalho mostrou que, em 2021, em plena pandemia da Covid-19, o comércio Brasil-China aumentou 36,2% para atingir um recorde histórico de mais de US$ 160 bilhões, segundo estatísticas da Administração-Geral de Aduanas da China.
Outro dado destacado pelo professor da FGV-Rio consta do recente relatório do Conselho Empresarial Brasil-China, que informa que no ano passado as empresas chinesas investiram US$ 5.9 bilhões no Brasil, valor 208% superior ao de 2020 e o maior desde 2017.
Há ainda números do China Global Investment Tracker, afirma Carvalho, de que o Brasil foi o país que mais recebeu investimentos chineses no mundo em 2021, com participação de 13,6% do total. A China tem sido o maior parceiro comercial do Brasil desde 2009, sendo o maior parceiro comercial da China entre os países lusófonos, seguido de Angola.
Mesmo diante dessa magnitude na área comercial, não há, por exemplo, pessoas que falam português no programa oferecido pela Associação de Diplomacia Pública da China do qual eu participo. Além disso, os chineses comuns, como eu aprendi hoje em uma aula, enxergam a América Latina como um todo e sem as nuances e diferenças entre os países. Muito semelhante à maneira como o brasileiro comum enxerga o continente de África.
Essa lacuna no intercâmbio cultural entre Brasil e China é uma oportunidade para estreitar os laços entre os nossos povos. A começar pelo aprendizado mútuo dos nossos idiomas. Meu filho do meio, Arthur Vidal, cursa Ciências Políticas na Universidade de Brasília (UnB) e iniciou o curso de mandarim no Instituto Confúcio neste semestre. Eu vou criar coragem para encarar o aprendizado desse idioma quando regressar ao Brasil. Aqui na China, o primeiro curso de língua portuguesa numa universidade chinesa foi instituído há 62 anos.
Ao longo desses dois meses eu tenho aprendido muito sobre essa civilização incrível, mas a barreira do idioma dilui bastante o meu aprendizado. Espero ter a oportunidade de regressar mais vezes no futuro à terra de Mao Zedong. Quem sabe até lá eu já saiba um pouco do idioma chinês e o programa integre pessoas que falem português? Nossa marcha para aprimorar a amizade sino-brasileira ainda tem muito o que percorrer.
No domingo eu compartilho com vocês a minha aventura na Grande Muralha da China. Neste sábado (17) eu e meus colegas vamos visitar esse lugar fascinante e pernoitar num acampamento. Oportunidade incrível para contemplar o céu dessa gigantesca construção milenar que pode ser vista até do espaço.
Até domingo!