Engels, no prefácio de Luta de Classes na França, um dos clássicos sociológicos de Marx, ironiza a adesão da burguesia a todo tipo de subversão, sempre que o processo democrático não mais lhe convém, ou seja, sempre que a classe trabalhadora, respeitando as leis e a democracia, conquista espaços crescentes de poder.
Diz Engels:
"A ironia da história mundial vira tudo de cabeça para baixo. Nós, os 'revolucionários', os 'subversivos', medramos muito melhor sob os meios legais do que sob os ilegais e a sublevação. Os partidos da ordem, como eles próprios se chamam, decaem no estado legal criado por eles mesmos. Clamam desesperados, valendo-se das palavras de Odilon Barrot: la legalité nos tue, a legalidade nos mata, ao passo que, sob essa legalidade, [nós, os revolucionários] ganhamos músculos rijos e faces rosadas e temos a aparência da própria vida eterna. E se nós não formos loucos a ponto de nos deixar levar para as ruas só para agradá-los, acabará não lhes restando outra saída senão violar pessoalmente essa legalidade que lhes é tão fatal."
Assistindo ao depoimento de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, ex-secretário de Segurança do Distrito Federal, lembrei-me desse texto.
Senadores e deputados bolsonaristas não tiveram pudor de fazer elogios a um criminoso que, em seu próprio depoimento, confessa seu crime.
E não um crime menor, mas o pior de todos: traição à pátria e agressão ao Estado Democrático de Direito.
Torres apelou ao cinismo, dizendo que a Secretaria de Segurança não tem função "operacional", mas "apenas" de planejamento, e que ele teria feito o seu dever de casa, apresentando um plano de ação para proteger a Esplanada antes de viajar a Miami. A culpa da inação da PM-DF seria da própria PM-DF, que teria autonomia. A ideia de responsabilidade política é ignorada completamente, tanto por Anderson como por seus defensores na CPMI.
É um insulto à inteligência tratar o chefe da Segurança Pública do DF como um mero consultor, que pode fazer um "plano" e viajar para Disney sem consequências.
A CPMI está sendo devastadora para os bolsonaristas, que estão gastando tempo e energia numa guerra que eles já perderam. Quanto mais se agitam, mais se afundam.
No depoimento desta terça (8), ruiu mais uma narrativa ridícula, sobre os "alertas" do GSI a membros do governo acerca de possíveis ataques antidemocráticos no dia 8 de janeiro.
Anderson Torres, como secretário de Segurança, participava desses mesmos grupos de WhatsApp que receberam os alertas. Ou seja, se os alertas eram realmente sérios, então a culpa de Torres é ainda maior.
Mas atenção: Torres afirmou categoricamente que não houve nenhum alerta importante sobre o 8 de janeiro.
O ex-ministro também admitiu que, apesar de ter viajado no dia 6, suas férias se iniciavam oficialmente apenas no dia 9 de janeiro. Ou seja, nem de férias ele estava.
Sem argumentos, os bolsonaristas apelam para discursos delirantes, alguns deles explicitamente fascistas, como o do deputado Marco Feliciano (PL-SP), cheio de referências escatológicas à "esquerda", tratada como uma espécie de doença ou seita diabólica.
O bolsonarismo arrasta a oposição ao governo Lula para dentro da Papuda, na companhia dos terroristas.
Ele próprio, Anderson Torres, iludido pelos discursos de louvor que os bolsonaristas lhe dirigiam, relaxou demais e acabou se enrolando. Ele faz insinuações sobre possível omissão de autoridades no momento da invasão, o que corresponde uma espécie de implosão cognitiva, fingindo ignorar que a segurança da Esplanada dos Ministérios era responsabilidade da Secretaria por ele mesmo presidida.
O prejuízo maior, no entanto, que esta CPMI está causando à oposição é a perda de tempo. Para o governo Lula, é o melhor dos mundos.
Enquanto Lula se prepara para anunciar investimentos da ordem de 1 trilhão de reais em infraestrutura, a oposição gasta energia defendendo terroristas e fazendo discursos escatológicos.
O bolsonarismo está jogando para um grupo pequeno de militantes fanáticos, mas cansa o grande público, que deve estar olhando para tudo isso com muito tédio.