O tempo das análises passou.
Foi tragado pelos erros das pesquisas no primeiro turno, e a identficação de uma variável que introduziu grandes incertezas na disputa: a abstenção.
Embora sempre tenha havido abstenção no país, e os índices deste ano não terem sido muito diferentes dos observados em eleições anteriores, eles tiveram ao menos uma característica que pode ter prejudicado mais a um candidato do que a outro. E isso não ocorria antes.
Essa característica é a motivação religiosa, que leva o eleitorado mais conservador a se abster menos do que o eleitorado progressista, que não é movido por esses fatores.
De qualquer forma, agora não lidamos apenas com pesquisas. Agora lidamos com os números concretos do primeiro turno.
Agora já se conhece o grau de mobilização de que é capaz essa parcela mais religiosa - e reacionária - do eleitorado. Sua força se revelou, oferecendo aos institutos de pesquisa e aos analistas a ferramenta de controle mais precisa de todas, que é o voto geolocalizado de cada eleitor.
No primeiro turno, Lula recebeu 57,2 milhões de votos, ou 48,43% dos votos válidos, contra 51,0 milhões de votos dados a Bolsonaro, ou 43,20%.
A Tebet e Ciro foram dados, somados, 8,5 milhões de votos.
No total, tivemos 118 milhões de votos válidos. Considerando que a abstenção no segundo turno tende a ser parecida, às vezes até um pouco maior do que no primeiro, esse é o eleitorado com o qual devemos trabalhar. Significa que cada 1% de voto válido representa cerca de 1,18 milhão de eleitores.
Após o preâmbulo, podemos passar ao exame (não quero mais chamar de análise) da pesquisa Quaest divulgada hoje.
E saltemos logo para o "Likely Voter", que é o gráfico da pesquisa que desconta possível abstenção. Não abordaremos as críticas a esse esforço da Quaest, segundo as quais se trata de mais uma variável de incerteza, e que, portanto, seria oposta ao objetivo mesmo de uma pesquisa eleitoral, que é oferecer um mínimo de previsibilidade. O que nos interessa aqui é o fato deste número ser o mais "conservador", na acepção de que, se as pesquisas erraram em detrimento de Bolsonaro no primeiro turno, nada mais justo do que, desta vez, dar crédito as abordagens que reduzem a possibilidade deste problema se repetir. Afinal, não nos interessa pesquisa que favoreça ou prejudique ninguém. Como cidadãos e jornalistas, queremos apenas acesso ao diagnóstico mais realista e verdadeiro possível sobre a disposição dos eleitores brasileiros.
Segundo a Quaest, o "Likely Voter", ou votação mais provável (numa tradução literal), seria hoje de 52,8% para Lula e 47,2% para Bolsonaro, o que corresponderia, em quantidade de eleitores, a 62,3 milhões de votos para o petista, e 55,69 milhões de votos para o atual presidente. Seria uma vitória de Lula com margem de 6,61 milhões de votos.
Parece-nos uma estimativa coerente com o resultado que vimos no primeiro turno.
A variação que vemos em relação a pesquisa da semana anterior, de 0,2 pontos, é pequena demais para ser considerada, mesmo que se a olhássemos apenas como tendência. É um cenário rigorosamente estável.
***
Agora que examinamos os números mais conservadores da pesquisa, passemos para as outras seções.
Em votos totais, a Quaest estima que, se a eleição fosse realizada hoje, Lula venceria com 47% dos votos, contra 42% para Bolsonaro.
A vantagem de Lula na semana passada, que chegou a 8 pontos, agora é de 5 pontos. Apesar da aparente tendência de recuperação de Bolsonaro, talvez em virtude da intensa atividade governamental nas últimas duas semanas, acelerando liberação de recursos, aqui também seria mais prudente enxergar estabilidade. Ou antes, um ajuste em relação ao cenário observado no primeiro turno.
Os votos recebidos por Lula no primeiro turno corresponderam a 36,6% do eleitorado total brasileiro, de 156,4 milhões de eleitores, ao passo que aqueles dados a Bolsonaro representaram 32,6%.
Ou seja, se considerarmos a totalidade do eleitorado, Lula venceu o primeiro turno com vantagem de apenas 4 pontos.
Entretanto, e isso é fundamental na análise, aqui não há margem de erro. Esses 4 pontos de vantagem foram reais, concretos, precisos.
***
Examinemos agora alguns gráficos estratificados. Comecemos pelas regiões. Lula mantém sua hegemonia impressionante no Nordeste, com 67% dos votos totais na região, contra 25% para Bolsonaro.
No caso dos estratificados, talvez seja melhor não dar tanta atenção às variações, que ficam distorcidas por elevadas margens de erro, e olhar apenas para os últimos números. No caso do Nordeste, o percentual de Lula sugere que Bolsonaro não conseguiu penetrar na fortaleza lulista, e que os programas populistas do governo não tem surtido efeito na região.
No Sudeste, que representa 44% do eleitorado nacional, Bolsonaro tem 47%, contra 39% para Lula. Reitero: não é aconselhável dar bola para as variações, que devem ser creditadas mais a um ajuste dos números do que a tendências. A vantagem de Bolsonaro na região é compatível com os números do primeiro turno, que deram vitória do presidente em São Paulo e Rio de Janeiro. E talvez reflita alguma melhora do presidente nos três principais estados da região, em virtude do apoio que recebeu de seus governadores, Garcia em São Paulo, Zema em Minas Gerais e Claudio Castro no Rio.
Bolsonaro também está forte no Sul do país.
Quanto ao Norte, onde Bolsonaro aparece crescendo expressivamente, é uma variação que pode ser neutralizada pela queda, na mesma pesquisa, do desempenho de Bolsonaro no centro-oeste. Norte e Centro-Oeste tem eleitorados de tamanho parecido, em torno de 11 a 12 milhões de eleitores.
Apesar do Sul ser uma região eleitoralmente importante, com 22 milhões de eleitores, o jogo deve ser jogado mesmo no Sudeste, com seus 66,7 milhões de eleitores.
É aí que um e outro candidato podem fazer a diferença.
Quando se olha para o gráfico das intenções de voto por religião, o aspecto mais chamativo é a dicotomia entre católicos e evangélicos, com os primeiros preferindo Lula e os segundos, Bolsonaro. O atual presidente tem hoje 56% dos votos totais de evangélicos, contra 31% de Lula. A vantagem de Bolsonaro neste segmento, que já foi de 31 pontos, há duas semanas, caiu agora para 25 pontos. Ainda é alta, e reitere-se que essas variações nos estratos tem margens de erro muito elevadas. De qualquer forma, esse é mais um gráfico a confirmar a tese de que Lula mantém um núcleo duro de um terço do eleitorado evangélico. Atravessou o primeiro turno, e mantém este mesmo um terço.
O que podemos concluir, desses gráficos por religião, que mostram queda de Bolsonaro entre evangélicos e estabilidade entre católicos, é que a oscilação positiva do presidente nos votos totais foi puxada por eleitores de outras religiões. Isso pode ser interessante para Lula, por indicar que a cartada religiosa de Bolsonaro pode ter se desgastado, motivada talvez pelos acontecimentos em Aparecida, em que manifestantes bolsonaristas protagonizaram cenas de arruaça e agressões a jornalistas. Como tudo aconteceu num evento católico, achava-se que Bolsonaro perderia sobretudo votos de eleitores católicos, mas a Quaest (e não é a primeira pesquisa a mostrar isso) indica que foram os evangélicos os mais incomodados.
No gráfico por nível de escolaridade, Lula mantém vantagem de 20 pontos entre eleitores menos escolarizados, com instrução até o ensino fundamental, que representam 38% do eleitorado brasileiro. Entre aqueles com ensino médio, há empate técnico, embora com vantagem numérica para Lula, que pontua 45%, contra 43% para Bolsonaro. Considerando que a abstenção é mais alta entre menos escolarizados, é importante que o petista se mantenha firme entre eleitores com ensino médio, que correspondem a 40% do eleitorado.
Bolsonaro, todavia, tem vantagem de 11 pontos entre eleitores com ensino superior, 49% X 38%, que representam 22% do eleitorado. Esse é um dos trunfos do atual presidente: ter mais votos junto a um eleitorado que, em geral, se abstém menos.
A propósito, essa é uma das razões pelas quais sempre alertamos as campanhas do PT sobre a necessidade de oferecer propostas audaciosas, sofisticadas e criativas, visando a conquistar mais eleitores de classe média. Isso sem esquecer, naturalmente, que esta eleição será mais uma em que o eleitor popular, de baixa renda, será o mais determinante para a vitória.
Quando se olha para a divisão do voto por idade, é interessante notar que a maior vantagem de Lula se dá entre eleitores com mais de 60 anos. Neste sentido, é possível que, neste segundo turno, o petista possa contar com alguns trunfos. O primeiro deles é que a malandragem bolsonarista, de associar a "prova de vida" ao voto em Bolsonaro, visando conquistar votos da terceira idade, é uma cartada já usada. Muitos idosos que votaram em Bolsonaro no primeiro turno talvez não voltem a fazê-lo no segundo, tanto porque já teriam assegurado a sua "prova de vida", como porque o golpe agora foi desmascarado na mídia e nas redes sociais.
Com isso, o decreto presidencial que permite ao idoso usar o voto como prova de vida agora pode ser voltar, neste segundo turno, contra Bolsonaro.
Entretanto, o gráfico mais promissor para Lula, e que inclusive sugere que ainda há espaço para crescimento do petista ao longo dos próximos 11 dias, é o que estima a migração de voto de Tebet e Ciro Gomes.
Segundo a Quaest, Bolsonaro não está conseguindo captar o voto dos eleitores de Tebet e Ciro. Entre eleitores de Tebet, o percentual de eleitores que declaram voto em Bolsonaro caiu de 34% em 6 de outubro, para 28% na semana seguinte, e 13% hoje. Os eleitores de Tebet que votam em Lula, por sua vez, são 19%, mas é de se esperar que este percentual pode aumentar, na medida em que a candidata tem apoiado o petista e se engajado cada vez mais na campanha.
Quanto a Ciro, vale o mesmo raciocínio. Os ciristas que declaram voto em Bolsonaro são hoje 22%, segundo a Quaest, pouco mais da metade dos 41% que disseram votar em Lula.
O petista também leva vantagem entre os eleitores que se abstiveram ou votaram branco e nulo no primeiro turno. Esse é um dado importante, porque pode indicar que, caso haja queda na abstenção (hipótese remota, mas não impossível, sobretudo pela queda nas filas de espera), Lula pode ser o maior beneficiado.
A Quaest traz um número preocupante para a campanha de Lula. Dos 2.000 entrevistados, 49% responderam que Bolsonaro "merece um segundo mandato", contra 48% que repudiam essa hipótese. Por outro lado, 52% dos mesmos entrevistados, dizem que Lula também "merece voltar a ser presidente".
Os números mostram que há um pequeno percentual de eleitores que oscilam entre Lula e Bolsonaro. A vantagem, porém, ainda é de Lula, mesmo que por um percentual alarmantemente pequeno.
Conclusão
Tudo indica que os institutos de pesquisa adotaram estratégias mais conservadoras nesse segundo turno, visando evitar a repetição dos erros ocorridos no primeiro turno. A adoção do "Likely Voter" pelo Quaest é um reforço conservador numa estratégia já conservadora, e tudo isso num cenário em que agora existe um "controle" preciso para os institutos, que é a votação em primeiro turno.
Tenho conversado com diretores e analistas de institutos de pesquisa, sempre fazendo a mesma pergunta: as pesquisas de segundo turno são mais confiáveis do que as de primeiro. A resposta é sempre a mesma: sim, em função do "controle" do primeiro turno.
Considerando, portanto, que as pesquisas estão mais precisas, estamos diante de um cenário estável, em que o segundo turno tende a parecer muito com o primeiro. Isso seria coerente com a própria dinâmica do primeiro turno, em que se notou exatamente uma antecipação da escolha que os brasileiros farão, agora de maneira definitiva, no dia 30 de outubro.
Reiterando: pela pesquisa Quaest de hoje, Lula poderá vencer as eleições com 62,3 milhões de votos, 6,6 milhões de votos a mais que seu adversário, vantagem parecida com a qual ganhou na primeira etapa.
Como disse no início do post, todavia, o tempo e o prestígio das análises já se foram, arrastados pelas enchentes de erros no primeiro turno. Esses números servem apenas para preencher um vácuo. Seu valor reside hoje na coerência de sua proximidade com o resultado das urnas.
De qualquer forma, no dia 30 de outubro, e somente neste dia, a partir das 19 horas, saberemos a verdade.
Clique aqui para baixar a íntegra do relatório da Quaest.