Se Nelson Rodrigues criou a "Pátria de chuteiras", Zagallo, o mais discreto entre tantos craques, foi a personificação maior da época mais feliz do futebol brasileiro. O Brasil era feliz, ao menos quando se falava de futebol. Foram três Copas do Mundo conquistadas em 12 anos, de 1958 a 1970. Ele estava nas duas primeiras como jogador e na segunda como treinador. E depois, houve um deserto de 24 anos até que o Brasil vencesse novamente com Parreira. E Zagallo fazia parte da comissão técnica.
Foram 12 anos revolucionários e Zagallo fez parte das duas grandes mudanças, como jogador um instrumento, como treinador, o mentor. Em 1954, o Brasil jogava ainda no 2-3-5. O futebol foi mudando para um 4-2-4, mas Vicente Feola, o treinador de 1958, resolveu mudar. Influenciado pelas ideias do húngaro Bella Gutmann, campeão paulista de 1957 pelo São Paulo - Feola era seu auxiliar - optou por um novo sistema. Escalou Zagallo e não Pepe ou Canhoteiro e teve um ponta que atacava e também recuava, formando dupla com Nílton Santos. Algo muito normal nos dias de hoje, algo inusitado então. Era o 4-3-3.
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O Brasil venceu a Copa da Suécia e Zagallo fez um gol. Quatro anos depois, no Chile, ambos - Brasil e Zagallo - repetiram a dose. O primeiro e até hoje único bicampeão seguido. Em 1966, o Brasil sucumbiu diante da bagunça, da entressafra e da maior qualidade dos rivais e foi eliminado na primeira fase, na Inglaterra.
Três anos depois, o Brasil arrasava nas Eliminatórias com João Saldanha no banco e a volta do 4-2-4 no campo. Saldanha era comunista e o Brasil vivia uma Ditadura. Foi despedido e Zagallo assumiu. E levou o Brasil ao tricampeonato. O Brasil poderia ser campeão com Saldanha? Poderia, claro. Mas foi com Zagallo e como Zagallo quis. Por muito tempo se propagou a injustiça de que ele apenas havia dado continuidade a um trabalho já estruturado.
Nada disso. Zagallo mudou muito. Tirou Edu, o ponta esquerda driblador e, com ele, aposentou o 4-2-4. E montou um time muito móvel. Os dois volantes - Clodoaldo e Gérson - se revezavam entre defesa e apoio - basta lembrar o agônico gol de empate contra o Uruguai, com Gérson recuado e Clodoaldo marcando. O Brasil tinha um ataque poderoso, com um atacante só. Jairzinho, o camisa 7, era o homem de frente. Tostão, o nove, recuava para abrir espaços, formando um trio de meias com Rivellino e Pelé. Logicamente, não estou falando de pebolim ou totó, com jogadores fixos. Havia muito movimento. Poesia pura.
Quatro anos depois, foi a vez de Zagallo ser surpreendido pela revolução. Ela usava a cor laranja, com Cruyff e sua camisa 14. O 14 foi mais que o 13, número idolatrado por Zagallo. Na véspera do jogo, ele disse que o esquema de Rinus Mitchell era tico tico no fubá. E em 98, 24 anos depois, Zagallo teve sua vingança, eliminando a Holanda nos pênaltis. O Brasil foi vice.
Nos anos 70, o narrador Geraldo José de Almeida apelidava os jogadores brasileiros. Rivellino era a Patada Atômica, Jairzinho era o Furacão, Gérson era o Canhotinha de Ouro. Nílton Santos já era a Enciclopédia e Pelé, o Rei. Zagallo, era apenas a Formiguinha. O motor que carregava o carro alegre, cheio de um povo contente, que atropelava indiferente, todo aquele que o negava, ele, o glorioso futebol brasileiro.