O Brasil chora a morte de Mário Jorge Lobo Zagallo, um dos nomes mais icônicos da história do futebol brasileiro, dono de trajetórias repletas de glórias como jogador e técnico, seja na seleção brasileira, no Flamengo ou no Botafogo. O lendário tetracampeão da Copa do Mundo morreeu na madrugada deste sábado (6), aos 92 anos. O anúncio foi feito pelo perfil do atleta no Instagram. A causa da morte não foi divulgada.
Quando se fala em futebol brasileiro e em suas glórias que atravessam o tempo, antes mesmo de se falar em Pelé, é preciso falar em Zagallo. As novas gerações o conhecem somente como técnico, talvez a partir da célebre frase dita após a conquista da Copa América de 1997: “vocês vão ter me engolir”. Mas a trajetória do Velho Lobo remonta dos primórdios do ludopédio.
Zagallo é “apenas” tetracampeão da Copa do Mundo. Bicampeão como atleta em 1958 e 1962, jogou ao lado de Pelé, Garrincha, Vavá e Didi. Em 1970, substituindo o técnico João Saldanha, voltou a ser campeão, dessa vez como técnico, comandando Tostão, Pelé, Rivellino, Carlos Alberto, Gerson, Jairzinho e cia. 24 anos depois, em 1994, quando Galvão Bueno gritava “é tetra” para os quatro ventos, Zagallo estava lá, como coordenador técnico de Carlos Alberto Parreira.
Para além das conquistas, Zagallo também comandou a seleção nas campanhas de 1974 e 1998, tendo obtido o quarto e o segundo lugar, respectivamente. Em 2006, compôs uma vez mais a comissão técnica de Parreira na Copa do Mundo.
A seguir, relembre sua vida e obra.
Ponta-esquerda
Nascido em 9 de agosto de 1931 na cidade de Atalaia, no interior de Alagoas, Zagallo já mostrava talento para o futebol desde pequeno. No entanto, seu pai Aroldo desejava que o filho completasse o curso de contabilidade para que trabalhasse consigo e um dia assumisse a fábrica de tecidos da família. Quem convenceu o pai de que ‘Formiguinha’, como era conhecido à época pelo aspecto franzino e ligeiro, pudesse tornar-se futebolista foi seu irmão Fernando, que intercedeu junto ao chefe da casa.
Morando com a família no Rio de Janeiro, Zagallo era sócio do América, seu clube do coração. Foi lá que iniciou nas categorias de base e, com apenas 18 anos, em 1949, venceu seu primeiro troféu: o Campeonato de Amadores do Rio de Janeiro. A conquista fez uma série de garotos subirem para o time principal do América e, no mesmo ano, o clube conquistou o Torneio Início do Campeonato Carioca.
Destaque da equipe americana, no ano seguinte Zagallo se transferiu para o badalado Flamengo, onde venceu três campeonatos cariocas seguidos (1953-55). A taças pelo Rubro-negro o levaram à seleção brasileira que conquistou o nosso primeiro mundial em 1958.
A principal característica de Zagallo era sua versatilidade. Para além da técnica e da velocidade, apresentava qualidades completas, com amplas noções de marcação, de fechamento de espaço e inteligência tática. Isso não era comum aos pontas da época, que se preocupavam apenas em atacar pelas beiradas, rumo à linha de fundo ou cortando para o meio. E foi justamente essa qualidade, considerada à frente de seu tempo, que fez com o que o técnico Vicente Feola o levasse para a Copa de 1958, na Suécia.
Naquele mundial, a seleção apresentou um esquema tático completamente inovador, atualmente conhecido como 4-3-3 e muito utilizado por equipes como Palmeiras e Flamengo. Zagallo marcou o quarto gol da seleção na final vencida por 5 a 2 contra os donos da casa. Pelé e Vavá, por duas vezes cada, completaram o placar. Depois da Copa do Mundo da Suécia, Zagallo se transferiu para o Botafogo.
“Eu não queria sair do Flamengo. O Fleitas Solich (técnico) e o diretor Fadel vieram até minha casa, conversaram comigo. Me lembro até hoje as palavras que disse: ‘eu não estou querendo sair, eu já tinha proposto a vocês que eu dava o meu passe em troca de um emprego na Caixa Econômica’, que era a minha garantia de futuro. ‘Eu estou jogando, mas estou pensando sempre em frente e até hoje vocês não me ouviram’. Aí veio a Portuguesa me oferecendo 3 milhões, o Palmeiras oferecendo 5 milhões, e eu acabei aceitando ir ao Botafogo por 3 milhões. Por quê? Porque o Botafogo era um time bom, além disso minha mulher era professora e ela ia perder todas as aulas dela se eu fosse para São Paulo,” disse em entrevista a Jayme Pimenta Valente Filho, no livro ‘Mário Jorge Lobo Zagallo: Entre o Sagrado e o Profano, uma história de vida’, da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, em Portugal.
Sua passagem no Botafogo durou entre 1958 e 1965, ano que se aposentou. Nesse meio tempo, conquistou duas vezes o badalado, à época, Torneio Rio-São Paulo (1962 e 1964) – uma espécie de embrião de um campeonato nacional em um Brasil que ainda sofria com as dificuldades e a precariedade do transporte interestadual. Também venceu por duas vezes o Campeonato Carioca (1961 e 1962) ao lado de outras lendas Alvinegras como Didi (campeão em 58 com a seleção), o ponta-direita Mané Garrincha (que dispensa apresentações) e o lateral Nilton Santos que hoje nomeia o estádio do Botafogo.
Na Copa do Mundo de 1962, disputada no Chile em seu décimo terceiro ano como jogador, Zagallo já estava no assim chamado “fim de carreira” e seria reserva de Pepe que jogava com Pelé no Santos. Mas uma lesão do santista permitiu que o Velho Lobo atuasse como titular em mais essa conquista. Dessa vez, Zagallo deixou seu gol na estreia, em vitória por 2 a 0 contra o México. O outro tento foi de Pelé.
Início da carreira de técnico no Botafogo
Meses após se aposentar na ponta-esquerda do Botafogo, entre 1965 e 1966, Zagallo rapidamente tornou-se técnico do próprio Alvinegro. Em sua primeira passagem, que durou até 1968, foi bicampeão carioca (1967 e 1968) e campeão brasileiro em 1968 (Taça Brasil).
Um dos destaques do Botafogo na Taça Brasil foi o meia Afonsinho, jogador clássico que ficou conhecido, para além do seu talento, por ter lutado para ser dono do próprio passe e desafiado a ditadura militar. Zagallo ainda teria passagens pelo clube em 1975, 1978 e 1986-87. Em nenhum desses episódios obteve o mesmo sucesso.
Tricampeão do mundo no México
Mas assim como nos tempos de jogador, as rápidas conquistas – dessa vez no Botafogo - o levaram a substituir João Saldanha na seleção Brasileira em 1969, às vésperas da Copa do Mundo do México. Se por um lado é verdade que Saldanha teria sido afastado por desagradar o regime militar, de forma alguma isso pode ofuscar o fato de que Zagallo estava à altura do cargo.
Félix; Carlos Alberto Torres, Brito, Piazza e Everaldo; Clodoaldo e Gérson; Rivellino, Jairzinho, Tostão e Pelé.
Com essa escalação o Brasil venceu a Tchecolósváquia (4x1), a Inglaterra (1x0) e a Romênia (3x2) na fase de grupos para ir, incontestável, às quartas de final. Com um contundente 4 a 2 contra o Peru, a seleção passou para as semifinais, onde, em mais uma partida histórica, bateu o Uruguai por 3 a 1, com direito ao chamado “gol mais bonito que Pelé não fez”, em lance que o Rei deu um espetacular drible de corpo no goleiro uruguaio, mas errou a conclusão.
Na final: goleada por 4 a 1 sobre a Itália e o resto é história.
Futebol carioca
Para além de uma quase esquecida passagem pela Portuguesa em 1999, a carreira de Zagallo sempre esteve marcada pelo futebol carioca, tendo dirigido os quatro principais clubes do Rio de Janeiro.
Sua única passagem pelo Fluminense se deu de forma também espetacular em 1971, quando a ressaca da conquista da Copa do Mundo com a seleção mal havia passado. Naquela temporada, o Tricolor faturou a Taça Guanabara e o Campeonato Carioca.
A primeira passagem no Flamengo começou em 1972 e terminou em 1974. Logo no ano de chegada, Zagallo venceu novamente a Taça Guanabara e o Campeonato Carioca.
Sua segunda passagem pelo Mengão ocorreu em 1984-85, num período de refluxo daquele timaço dos anos 80. Zagallo chegou a vencer a Taça Guanabara de 84, mas não venceu o Campeonato Carioca. Um novo título estadual com o Flamengo só viria em 2001, na sua terceira e última passagem pelo clube.
O Velho Lobo também treinou, sem brilho, o Bangu (1988-89) e o Vasco da Gama (1980-81 e 1990-91).
Campeão com o Al Hillal, atual time de Neymar
Recapitulando, Zagallo lançou técnico no Botafogo em 1966, onde foi campeão carioca. Em seguida, venceu a Copa do Mundo pela seleção brasileira e voltou a ser campeão nos anos seguintes com Fluminense e Flamengo. Mas sua segunda passagem pelo Fogão, em 75, não foi boa. No ano seguinte, em 1976, Zagallo deixou o Brasil para treinar a seleção do Kwait.
A passagem que durou entre 76 e 78, ainda que sem grandes sucesso esportivos, abriu as portas do mundo árabe a Zagallo já naquela época. Ainda em 1978, ele voltou ao Botafogo, mas após logo foi convidado para treinar o Al-Hillal, da Arábia Saudita.
Quando chegou ao atual clube de Neymar, Zagallo estava em seu décimo terceiro ano como treinador e encontrou um “Sauditão” que recém começava.
A primeira edição, em 76, tinha sido vencida pelo Al-Nassr. As edições seguintes foram vencidas pelo Al-Ahli (78) e pelo próprio Al-Hillal (77).
Campeão saudita naquele ano de 1979, Zagallo daria ao seu clube, pela primeira vez, o gosto de poder se declarar como “o maior campeão nacional”. Atualmente, o Al-Hillal detém 18 títulos nacionais e segue sendo o mais vitorioso do país.
Zagallo ainda treinaria a própria seleção saudita, entre 1981 e 1984, onde conquistou uma Copa da Ásia; e a seleção dos Emirados Árabes entre 1989 e 1990.
É tetra!
Após voltar dos Emirados Árabes, Zagallo estava em sua segunda passagem pelo Vasco quando, em 1991, foi convidado para ser o coordenador técnico de Carlos Alberto Parreira na seleção brasileira. Naquele momento, o Brasil buscava retomar o caminho das glórias em Copas do Mundo e o nome do Velho Lobo fazia referência justamente a esse período.
Com Parreira e Zagallo, o Brasil passou em primeiro lugar nas eliminatórias para a Copa dos EUA, em 1994. No mundial, Raí e Romário garantiram a vitória contra a Rússia na estreia por 2 a 0. Romário de novo, Bebeto e Márcio Santos marcaram os gols da vitória por 3 a 0 sobre Camarões, e, outra vez, o baixinho fez o gol de empate contra a Suécia na última partida da primeira fase.
Nas oitavas de final, o Brasil passou pelos donos da casa com um gol solitário de Bebeto e o fatídico episódio da cotovelada de Leonardo contra um americano, que suspendeu o lateral-esquerdo no restante do mundial. Mas Branco, que viria do banco para substitui-lo, marcaria de falta o desempate das quartas de final contra a Holanda: 3x2.
Na semifinal, o pequeno Romário subiu mais alto que os gigantes zagueiros suecos e garantiu o Brasil em uma nervosa final contra a Itália que terminou sem gols no tempo normal e na prorrogação. Foi na disputa de pênaltis que Roberto Baggio, o craque italiano, chutou a bola “na lua”, e as imagens de Galvão Bueno abraçado a Pelé se esgoelando em um “é tetra” finalmente aconteceram. Zagallo era tetra junto com o Brasil, em recorde que dificilmente será batido um dia.
“Vocês vão ter que me engolir”
Depois do título, Parreira deixou a seleção para treinar o Valência, da Espanha, e o coordenador técnico Zagallo ficou no seu lugar. Recém campeão, o Brasil ainda comemorava o tetra quando começava o ano de 1995, mas as expectativas (e a cobrança) eram altíssimas em relação à seleção. Além, claro, da Copa do Mundo, era esperado um ainda inédito ouro olímpico.
A derrota para a histórica Nigéria de Amokachi e Okocha nas semifinais abalou a confiança que a seleção brasileira passava para a imprensa e para a torcida. Nesse momento, Zagallo era muito criticado pelos meios de comunicação, taxado como ultrapassado, teimoso, entre outros adjetivos.
Mas armou um timaço para se redimir na Copa América de 97, com a dupla Ronaldo e Romário no ataque. Foi um atropelo. 5 a 0 na Costa Rica, 3 a 2 no México e 2 a 0 na Colômbia durante a fase de grupos. Vitórias por 2 a 0 sobre o Paraguai nas quartas e por 7 a 0 contra o Peru na semifinal levaram a seleção para a grande final contra a Bolívia.
E após nova vitória, um incontestável 3 a 1, Zagallo desabafou do fundo do coração: “Vocês vão ter que me engolir!”
Mas o ano seguinte, e em especial a Copa da França, não reservavam novas glórias para o Velho Lobo. Mas deixemos pra lá essa parte da história.
A última caçada do Velho Lobo
Depois da Copa da França, a longeva e vitoriosa carreira de Zagallo parecia finalmente se encaminhar, mas ainda havia tempo para alguns últimos voos. Em 1999, Zagallo se aventurou em um lugar “muito distante” do seu Rio de Janeiro, onde mesmo com toda sua experiência, nunca havia estado: São Paulo. Passou a temporada no comando da Portuguesa, que não fez má temporada.
No ano seguinte voltou ao amado Rio de Janeiro para treinar o Flamengo, onde conquistou seu último título: o Campeonato Carioca de 2001. No mesmo ano, após um mal desempenho no Brasileirão, deixou esse, que foi seu último trabalho como treinador.
Entre 2003 e 2006 voltou a atuar como coordenador técnico de Parreira na seleção brasileira. A grande conquista desse período foi a histórica Copa América de 2004, em que o Brasil perdia a final para a Argentina até o atacante Adriano, o Imperador, virar o jogo nos acréscimos. Mas a segunda derrota para a França de Zidane, na Copa da Alemanha em 2006, faria Zagallo pendurar de vez as chuteiras.
A mística do número 13
Zagallo também ficou marcado pelos apelos, em público, à superstição em torno do número 13. Para o Velho Lobo, o número e seus derivados trariam sorte e a prática remonta dos tempos de ponta-esquerda. Anos mais tarde, revelou à imprensa a origem do mito: sua esposa era devota de Santo Antônio, cujo dia é comemorado em 13 de junho.
Mas há uma série de outras coincidencias na vida de Zagallo que justificam a crença:
- Ele se casou em 13 de janeiro de 1955;
- Os números finais de 1958 e 1994, quando somados (5+8 e 9+4), dão 13;
- A Copa de 1962 ocorreu no Chile, que tem 5 letras: 6+2+5=13;
- A Copa de 1970 foi no México, que tem 6 letras: 7+0+6=13;
- Na Copa de 58, a Argentina foi a 13ª colocada e o artilheiro Just Fontaine (França) fez 13 gols, assim como o trio brasileiro composto por Pelé, Vavá e Mazola;
- Em 1962, bicampeão mundial, Zagallo completava 13 anos de carreira;
- Em 1979, no seu décimo terceiro ano como treinador, ele era campeão saudita pelo Al Hillal, atual clube de Neymar;
- A lista é gigante, como gigante foi a vida e a obra do franzino Mário Jorge Lobo Zagallo no futebol brasileiro. Ele é o treinador que mais comandou a Seleção Brasileira. Foram 131 jogos, 97 vitórias, 25 empates e apenas nove derrotas.