Dando prosseguimento a série “Do Baú do STF” publico agora o segundo episódio. Neste post falarei sobre como os nossos inabaláveis “heróis de toga” foram contra a revisão da Lei de Anistia, deixando impunes os torturadores e assassinos do regime militar, e sobre como foram corporativistas ao recusarem a aposentadoria compulsória de uma juíza que mandou encarcerar uma adolescente em uma cela do sistema prisional para adultos, e pior, numa cela masculina.
Revisão da Lei de Anistia
Em 2010, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) entrou com um processo pedindo a revisão da Lei de Anistia (Lei nº 6683/79). A intenção da OAB era a anulação do perdão concedido aos agentes do Estado (policiais e militares) acusados de praticar atos de tortura durante o regime militar.
Os ministros do STF recusaram o pedido de revisão por um placar de votos 7 a 2. O voto vencedor foi o do relator do caso, ministro Eros Grau, que ressaltou que não cabia ao judiciário rever o “acordo político” que resultou na Lei da Anistia.
Mas a verdade é que o tal “acordo” jamais existiu. A Lei da Anistia não correspondia ao projeto desejado pela sociedade civil, o movimento de anistia, a OAB e a oposição. Pouco antes da Lei de Anistia ser votada, em setembro de 1979, houve o Dia Nacional de Repúdio ao Projeto de Anistia do governo e, no dia 21 , aconteceu um grande ato público na praça da Sé, promovido pela OAB-SP.
Além do repúdio da sociedade civil, a oposição votou em peso contra o projeto. A lei foi aprovada com 206 votos da Arena, partido que dava sustentação política para o regime militar, contra 201 votos da oposição, representada pelo MDB.
Em tempos de comissões da verdade, o STF consagrou a impunidade dos torturadores da ditadura. Algo que, além de claramente injusto com as vítimas e seus familiares, dificulta ainda mais o processo de trazer à tona toda verdade varrida para debaixo do tapete do regime militar. Ou será que os impunes torturadores vão, de forma livre e espontânea, revelar toda a sujeira da qual participaram?
Corporativismo
O caso a seguir demonstra não só as incoerências do STF, como também de todo o poder judiciário brasileiro. Afinal, o nome disso é corporativismo.
Os ministros do STF cancelaram uma sentença do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que determinava a aposentadoria compulsória da juíza Clarice Maria de Andrade, que determinou o encarceramento de uma adolescente na Delegacia de Abaetetuba, no Pará.
Os ministros do STF entenderam que a magistrada não tinha consciência das circunstâncias nas quais se daria o encarceramento da menor e que o que teria havido no caso teria sido um “erro de avaliação” , algo que não é suficiente para uma punição máxima, a aposentadoria compulsória.
O "erro de avaliação” da juíza teve consequências monstruosas. A menor foi estuprada e torturada durante 26 dias pelos seus companheiros de cela. O Estatuto da Criança e do Adolescente e a Constituição é claro. Menores não podem cumprir medidas de restrição de liberdade juntamente com adultos. Mas o STF neste caso não pensou em utilizar a teoria do "domínio do fato'. Preferiu a tese do "erro de avaliação". Esta série ainda terá ao menos mais três capítulos. Se você tiver episódios a relembrar, a caixa de comentários agradece.