Falência da assistência social em SV: Abandono de vulneráveis – Por Danilo Tavares
A luta por justiça social precisa ser coletiva. Não podemos permitir que a miséria e a negligência sejam naturalizadas em São Vicente
A cidade de São Vicente, a mais antiga do Brasil, está testemunhando um colapso silencioso, mas devastador: o da sua rede de assistência social. Em um cenário de crise econômica e desigualdade crescente, aqueles que mais precisam de apoio são justamente os mais negligenciados.
A miséria avança, a insegurança alimentar cresce e os serviços que deveriam atender à população mais vulnerável estão em ruínas. Desde os Centros de Acolhimento para adultos e crianças até o Centro Pop e os CRAS, o que se vê são espaços deteriorados, sem infraestrutura, sem recursos e, acima de tudo, sem comprometimento por parte da gestão municipal.
Serviços de assistência em colapso
Os equipamentos de assistência social em São Vicente operam sem condições mínimas para atendimento. Nos CRAS e CREAS, faltam materiais básicos, como papel, telefone, internet e até privacidade para os atendimentos. No CREAS Continental, não há telefone desde janeiro de 2025, comprometendo os atendimentos essenciais para adolescentes em conflito com a lei.
A população atendida nos serviços de acolhimento vive em condições degradantes. No Serviço de Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes (SAICA), os relatos são estarrecedores: crianças e adolescentes sem roupas íntimas, sem brinquedos, dormindo em móveis quebrados e sem acesso a uma alimentação nutritiva. Em muitos dias, a única refeição oferecida se resume a arroz, feijão e ovo.
No acolhimento de adultos, a situação é igualmente trágica. As instalações alagam quando chove, destruindo os poucos pertences dos acolhidos. No Albergue Betinha, há denúncias ainda mais graves: relatos indicam que um coordenador do local usaria um porrete para “disciplinar” os acolhidos. O uso da violência como ferramenta de controle é mais um retrato da barbárie imposta à população mais vulnerável de São Vicente.
No Centro Pop, que deveria oferecer um mínimo de dignidade para a população em situação de rua, a falta de higiene e infraestrutura torna o espaço um ambiente insalubre. Banheiros quebrados, chuveiros frios, redução drástica da alimentação e a infestação de ratos expõem os atendidos a riscos constantes. Há denúncias de que alimentos vencidos foram servidos à população e de que funcionários tiveram seus vales-refeição cortados e substituídos por marmitas destinadas aos usuários do serviço.

Crise no atendimento a crianças e adolescentes
Além do sucateamento dos serviços públicos, as entidades que prestam Serviço de Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes (SAICA) em situação de vulnerabilidade sofrem com a precarização dos repasses da prefeitura.
A Casa Crescer e Brilhar, que há 50 anos realiza um trabalho essencial no atendimento a crianças e adolescentes, enfrenta uma grave crise financeira devido aos repetidos atrasos e valores insuficientes dos repasses municipais, que cobrem apenas 60% do custo real dos serviços prestados. Isso significa que, a cada mês, a instituição precisa encontrar maneiras de cobrir os 40% restantes, acumulando dívidas e enfrentando dificuldades para manter o atendimento com qualidade.
Atualmente, a instituição está em fase de renovação do Termo de Colaboração com a prefeitura e, caso o valor não seja reajustado, será inviável manter o atendimento no mesmo padrão de qualidade.
A única razão pela qual a entidade conseguirá manter suas portas abertas este ano é a destinação de duas emendas parlamentares da deputada estadual Mônica Seixas (PSOL) – uma para custeio e outra para reforma. Esses recursos permitirão organizar a situação financeira, ampliar a área de atividades sociais e criar um quintal agroecológico, sensorial e comunitário, garantindo um espaço de convivência e aprendizado para as crianças atendidas.
No entanto, é fundamental ressaltar que as emendas parlamentares não podem substituir o dever da prefeitura em manter este serviço. O financiamento municipal deve ser garantido e reajustado para que a Casa Crescer e Brilhar continue prestando um atendimento digno às crianças e adolescentes que dela dependem.
Sem um reajuste adequado no repasse da prefeitura, a entidade corre o risco de suspender seus atendimentos, deixando desamparadas dezenas de crianças e suas famílias.
Para onde está indo o dinheiro da assistência social?
A população precisa questionar: se existem repasses federais e estaduais para assistência social, por que os serviços estão abandonados? Para onde está indo esse dinheiro? Quem está se beneficiando da miséria alheia? A falta de transparência na gestão dos recursos públicos precisa ser investigada e cobrada pelas autoridades competentes.
Enquanto São Vicente acumula denúncias de sucateamento da assistência social, municípios vizinhos conseguem oferecer serviços dignos com o mesmo tipo de repasse. Isso indica que o problema não está na falta de recursos, mas sim na má gestão e no descaso com os mais vulneráveis.
A luta dos trabalhadores pelos pagamentos atrasados
Os trabalhadores da assistência social enfrentam não apenas condições precárias de trabalho, mas também atrasos no pagamento de gratificações. Apesar da narrativa oficial, foi a mobilização dos próprios trabalhadores que pressionou a prefeitura e o sindicato a agirem.
Os servidores encaminharam denúncias diretamente ao prefeito e cerca de 20 trabalhadores foram até o sindicato exigir uma resposta da direção, já que até então não havia qualquer movimento por parte da entidade sindical para garantir os pagamentos.
Até o momento, o sindicato não conseguiu nenhuma solução concreta, e a maioria dos trabalhadores segue sem saber quando irá receber seus vencimentos atrasados.
Essa situação expõe não apenas a negligência da prefeitura, mas também a ineficácia de algumas entidades que deveriam estar na linha de frente da defesa dos direitos trabalhistas.
A omissão do poder público
Apesar das inúmeras denúncias sobre as condições degradantes da assistência social em São Vicente, a resposta das autoridades tem sido a inércia. Diversos órgãos foram informados da situação, incluindo a Secretaria de Direitos Humanos, o Conselho Municipal de Assistência Social, a Câmara Municipal e o Ministério Público, mas nenhuma providência concreta foi tomada.
A assistência social não pode ser tratada como caridade ou favor. Ela é um direito constitucional e um dever do Estado. Deixar milhares de pessoas vulneráveis sem acesso à moradia digna, alimentação adequada e serviços essenciais é um crime social.
Resistência e alternativas: O FEM-BS como caminho
Em meio ao caos da assistência social municipal, surge uma alternativa capaz de mudar essa realidade: o Fundo Estadual de Erradicação da Miséria da Baixada Santista (FEM-BS). A proposta, que tramita na Assembleia Legislativa de São Paulo, prevê a criação de um fundo específico para garantir segurança alimentar, habitação acessível, resiliência climática e fortalecimento da economia solidária na Baixada Santista.
Se São Vicente, a cidade mais antiga do Brasil, não pode garantir dignidade a seus cidadãos mais pobres, então sua história perde o sentido. Assistência social não é esmola. É direito. E é preciso lutar para que ele seja garantido.
O que você pode fazer?
-Assine, neste link, o abaixo-assinado para a criação do FEM-BS.
-Denuncie as condições precárias dos serviços de assistência social.
-Pressione as autoridades para que cumpram suas obrigações.
-Apoie instituições sérias, como a Casa Crescer e Brilhar, que resistem apesar do descaso do poder público.
A luta por justiça social precisa ser coletiva. Não podemos permitir que a miséria e a negligência sejam naturalizadas em São Vicente.
*Danilo Tavares (@danilotavaressol) é produtor cultural, funcionário público municipal e secretário de comunicação do PSOL de São Vicente, além de membro do Conselho de Economia Solidária de São Vicente e do Fórum de Economia Solidária da Baixada Santista e diretor da Casa Crescer e Brilhar.
**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.