Em 2024, o governo federal atualizou a Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1) para estabelecer que as empresas deveriam incluir avaliação de riscos psicossociais no trabalho para preservar a saúde mental de seus funcionários. A nova medida passaria a entrar em vigor no dia 26 de maio deste ano, mas foi adiada em um ano na última semana.
Apesar da urgência da nova norma, uma vez que os casos de doenças psicossociais como ansiedade, depressão e burnout no trabalho atingiram recordes, Daniel Spinelli, especialista em desenvolvimento humano, afirma que o adiamento permite que as empresas tenham mais tempo para "preparar as mudanças necessárias com qualidade".
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"A atualização da norma marca um avanço necessário, pois reconhece oficialmente os riscos psicossociais como parte das obrigações legais da organização. Lembrando que sua implementação acabou de ser adiada de maio de 2025 para maio de 2026, o que eu vejo como positivo porque as empresas vão ter tempo pra se organizar e preparar as mudanças necessárias com qualidade", afirma Spinelli.
A norma estabelece como riscos psicossociais fatores como metas excessivas, jornadas extensas, ausência de suporte, assédio moral, conflitos interpessoais e falta de autonomia no trabalho. Desse modo, a atualização da medida significa que temas como esses "não podem mais ser tratados como algo subjetivo ou de responsabilidade individual", destaca o especialista.
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"Quando se inclui a saúde mental no escopo da gestão de riscos, a norma acaba criando um ambiente legal e propício para que as empresas desenvolvam políticas, lideranças e culturas organizacionais mais saudáveis", acrescenta Spinelli.
Ele ainda ressalta que a medida pode gerar um "impacto profundo na prevenção de afastamento, no engajamento dos colaboradores e na construção de ambientes mais humanos e mais produtivos". "São aspectos que também contribuem para a longevidade da organização, sua produtividade e, em última instância, os resultados", complementa.
Brasil atinge recorde de afastamentos por ansiedade e depressão
Em 2024, o Brasil bateu recorde no número de afastamentos do trabalho devido a quadros de ansiedade e depressão. No ano passado, foram 470 mil pessoas afastadas em razão de transtornos mentais e comportamentais, o que representou aumento de 67% na série histórica de dez anos. Diante desse cenário, uma norma como a proposta pelo governo se torna ainda mais urgente.
Spinelli afirma que a medida tem capacidade de mudar essa realidade, mas que isso "vai depender muito de como as organizações vão interpretar e implementar a mudança que ela exige".
"A norma é um marco legal, mas ela não é suficiente. Caso a norma não venha acompanhada de uma transformação cultural genuína e se for vista apenas como uma tarefa a ser cumprida, ela poderá não provocar todas as mudanças necessárias", afirma.
O especialista acredita que para pessoas que trabalham nas áreas de Recursos Humanos a norma pode atuar como um "guia" para as empresas que já possuem uma "tendência genuína" a melhorar os cuidados com a saúde mental dos colaboradores, e na medida em que as organizações despertarem para avançar nesse aspecto. "Dessa forma, será possível gerenciar riscos psicossociais de forma estruturada", diz.
"A NR-1 vai abrir um caminho, mas caberá às organizações abraçarem a pauta como um compromisso real. Ou seja, a norma irá exigir formação, diálogo interno, novos hábitos e, principalmente, coragem para mudar os padrões atuais de gestão", alerta Spinelli.
Ele afirma que apesar do adiamento da entrada em vigor, a norma já entrou de forma "definitiva" na pauta das conversas de RH e gestão, "o que é muito positivo", diz. "A norma também amplia o entendimento do que é segurança no trabalho e sinaliza que saúde mental também é um direito".
Desafios
Spinelli também cita desafios que podem dificultar a efetiva implementação da norma. Um deles, segundo o especialista, é a falta de maior clareza sobre os indicadores que devem ser monitorados.
"Há também uma ausência de diretrizes práticas de como formar lideranças preparadas para lidar com riscos psicossociais – uma prática muito ligada ao meu trabalho, onde eu mais atuo, que é na formação dessas lideranças, no que eu chamo de liderança consciente. E o terceiro ponto é a necessidade de integrar essas diretrizes com as metas e a cultura organizacional, para que a norma não seja apenas uma obrigação documental", considera Spinelli.
Por fim, o especialista diz que a grande pergunta que líderes e pessoas que trabalham em RH devem fazer é se estão preparados "para liderar com consciência em um mundo onde o bem-estar deixou de ser um benefício e passou a ser uma necessidade estratégica".
"Isto porque o mundo está muito desafiador em vários aspectos. Por exemplo, ainda colhemos efeitos pós-pandêmicos de saúde emocional, em um mundo em rápida transformação, com pessoas tendo suas mentes viciadas em conteúdos rasos, rápidos e, muitas vezes, sem qualidade, em meio a rotinas muitas vezes agitadas e sem sentido", diz.
Ele afirma que os empregados já chegam aos seus trabalhadores tendo que lidar com questões psicossociais, e a empresa, por sua vez, "precisa de colaboradores minimamente saudáveis, com capacidade produtiva e capacidade relacional".
"Eu realmente acredito que a NR-1 pode protagonizar a abertura da discussão sobre saúde mental no trabalho em níveis associativistas, em grupos de estudo acadêmicos e, principalmente, no ambiente organizacional - onde eu acredito que haverá mais impacto - , no qual líderes, RHs e pessoas podem olhar para a norma efetivamente como um guia para melhorar o ambiente", diz Spinelli.
"Quem sabe, diante dos efeitos esperados da NR-1 no futuro, as pessoas aprenderão nas empresas coisas que poderão ser levadas para a vida pessoal e para a família, gerando um efeito positivo em cadeia na sociedade", finaliza o especialista.
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