DESIGUALDADES

Falta de acesso à educação é o maior fator de risco para demência no Brasil, mostra estudo

Pesquisadores brasileiros analisaram causas da doença e concluíram que baixa escolaridade tem mais influência que idade avançada no país

Falta de acesso à educação é o maior fator de risco para demência no Brasil.Créditos: Rovena Rosa/Agência Brasil
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Um estudo lançado nesta quarta-feira (29) na renomada revista científica The Lancet Global Health mostra que, no Brasil, o maior fator de risco para o declínio cognitivo, um dos quadros da demência, não é a idade avançada, mas sim a falta de acesso à educação

O declínio cognitivo consiste em um quadro de saúde em que há perda gradual das capacidades mentais, como memória, atenção, raciocínio e linguagem. Já a demência é o estudo mais avançado do declínio cognitivo, como a doença de Alzheimer

A primeira hipótese dos pesquisadores era concluir que a faixa etária, o gênero ou fatores demográficos seriam os principais elementos determinantes para o desenvolvimento de demência. No entanto, o grupo chegou ao resultado de que na América Latina, principalmente no Brasil, a população tem um perfil de risco de declínio cognitivo diferente de modelos de outros países.

“Os modelos de países desenvolvidos, que achávamos generalizáveis para o mundo todo, não são replicáveis. A América Latina e, particularmente, o Brasil, têm um perfil de risco de declínio cognitivo completamente diferente”, explica Eduardo Zimmer, líder do estudo e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Ao todo, foram analisadas 41 mil pessoas de alguns países da América Latina, divididos em dois grupos: baixa renda (Brasil, Colômbia e Equador) e alta renda (Uruguai e Chile). 

No Brasil, foram 9.412 pessoas diagnosticadas com declínio cognitivo analisadas, com base no Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil). A pesquisa mostrou que a baixa escolaridade foi o maior fator de risco para o desenvolvimento do quadro de saúde. Em seguida, aparecem saúde mental, atividade física, tabagismo, isolamento social, entre outros. Diferente da maioria dos casos ao redor do mundo, idade e sexo apareceram de forma menos relevante. 

O fator escolaridade também foi constatado nos outros países mais pobres. Já em regiões mais favorecidas economicamente, o fator demográfico teve destaque. Os pesquisadores também destacam que normalmente é mais difícil obter informações sobre como a educação impacta no desenvolvimento cerebral, porém, como no Brasil a falta de escolaridade é muito presente, o fator pode ser um comparativo.

“Nosso estudo acaba comprovando que a educação, que é um fator social, tem um impacto maior no Brasil [no desenvolvimento da demência] do que idade ou sexo, diferentemente do que acontece na Europa e nos Estados Unidos", explica ao g1 Wyllians Borelli, professor do Departamento de Ciências Morfológicas da Universidade da UFRGS.

"Conseguimos mostrar que a determinante social tem, sim, total influência na cognição e na independência do indivíduo", completa o pesquisador.

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Pnad – IBGE), há quase 10 milhões de jovens de 15 a 29 anos que não concluíram a educação básica no Brasil. 

Reserva cognitiva

Os pesquisadores explicam que até os 20 anos, criamos uma espécie de "reserva cognitiva" ao realizar atividades que estimulam o raciocínio, formando uma "poupança" que ficará armazenada no cérebro para o futuro. 

Porém, ao envelhecermos, o cérebro pode acumular proteínas insolúveis que formam “gruminhos”. Esse processo pode levar à neurodegeneração, que é o desgaste e morte das células nervosas. Nesse momento é que a "reserva cognitiva" é acionada para dificultar o aparecimento dos sintomas. 

“Não que estudar vá impedir o acúmulo das proteínas. Imagine o mesmo dano cerebral em duas pessoas: uma que estudou menos e outra que estudou mais. Na primeira, os sintomas vão aparecer antes. Na pessoa que foi mais estimulada, ela ‘aguenta’ esses danos cerebrais por mais tempo e retarda os sinais por 5, 10 anos”, diz Lucas Uglione Da Ros, doutorando em farmacologia e terapêutica pela UFRGS.

 

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