Neste sábado (25), completam-se seis anos do crime ambiental de Brumadinho, que matou 272 pessoas. Além das mortes e do impacto ambiental, a tragédia também deixou rastros de contaminação em diversas populações. Um novo estudo da Fiocruz Minas com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) mostrou que 100% das crianças analisadas apresentaram presença de metais pesados como arsênio, mercúrio, chumbo, manganês e cádmio.
Os resultados fazem parte de uma nova etapa da investigação que teve início em 2021 para analisar as condições de saúde das populações atingidas pela rompimento da barragem Mina Córrego do Feijão em 2019. A nova etapa do estudo mostrou que todas as avaliações em crianças de 0 a 6 de idade revelaram aumento da taxa de detecção de metais na urina. Em relação ao arsênio, uma das substâncias mais perigosas do mundo, houve um aumento de 42% para 57% de 2021 a 2023.
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Nos adultos, o metal foi detectado em 20% das pessoas analisadas. Já em adolescentes, a taxa foi de 9%. Porém, dependendo da localização do segundo grupo, a taxa pode aumentar para 20,4%.
Os pesquisadores afirmam que chama atenção o fato de que todos os metais apresentaram elevado percentual de detecção, tanto em 2021 quanto em 2023, com reduções mais relevantes dos valores medianos para manganês e menos expressivas para arsênio e chumbo. "Esse quadro demonstra uma manutenção da exposição a esses metais no município, de forma disseminada em todas as regiões investigadas, ainda que com níveis mais baixos no último ano investigado", explicam.
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Além disso, os autores do estudo também destacam que a necessidade de avaliação médica para toda a população de Brumadinho, não só os que foram atendidas pela pesquisa, uma vez que os resultados demonstram apenas que uma exposição aos metais e não uma intoxicação, que só pode ser assim considerada após avaliação clínica e realização de exames. "Essa organização da rede de serviços é importante, considerando que a exposição aos metais investigados permanece entre 2021 e 2023, de forma disseminada em todo município", defendem os pesquisadores.
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Impactos na saúde
O estudo também analisou as condições de saúde da população com base em diagnósticos médicos anteriores e na percepção dos próprios participantes. A maioria dos adultos e adolescentes avaliaram sua saúde como boa ou muito boa, com variações entre as regiões de moradia. O percentual da população adulta que avaliou a saúde como ruim ou muito ruim, porém, permaneceu elevado nas regiões atingidas pela lama tóxica ou em locais com atividade de mineração.
Outro ponto de destaque é o fato dos relatos de adolescentes com diagnósticos de doenças crônicas como asma ou bronquite asmática ter aumentado de 12,7% em 2021 para 14% em 2023. A ocorrência de mais casos de colesterol alto, que passou de 4,7%, em 2021, para 10,1%, em 2023, também chamou a atenção. Além disso, os adolescentes também relataram mais diagnósticos de enfisema, bronquite crônica ou doença pulmonar obstrutiva crônica, que foi de 2,7%, em 2021, para 10,7%, em 2023.
Em relação às doenças crônicas relatadas pelos adultos, também houve aumento de diagnósticos. Em 2021, as doenças mais relatadas foram hipertensão (27,9%), colesterol alto (20,9%) e problemas crônicos de coluna (19,7%). Em 2023, essas condições continuaram sendo as mais prevalentes, mas com aumento na frequência em que ocorrem: hipertensão foi citada por 30% dos adultos, colesterol alto por 28,5% e problemas crônicos de coluna por 22,8%. Deve-se destacar também um aumento no diagnóstico médico do diabetes entre adultos, que passou de 8,7% para 10,7%, entre os dois anos avaliados.
Os pesquisadores também avaliaram a presença de sintomas e outros sinais nos 30 dias anteriores à entrevista. Em 2021, os adultos relataram irritação nasal (31,8%), dormências ou cãibras (25,2%) e tosse seca (23,5%). Em 2023, esses relatos apresentam mais frequência: 40,3%, 34,4% e 21,5%, respectivamente. Esses sintomas também foram os mais citados entre os adolescentes tanto em 2021 quanto em 2023, mas com poucas alterações entre um ano e outro.
"A pior percepção da saúde é um indicador de extrema importância para avaliação da condição geral da saúde em uma população, refletindo impacto negativo nessa condição entre os moradores das áreas atingidas pela lama e pela atividade de mineração. Sobre as condições crônicas, é importante ressaltar a elevada carga de doenças respiratórias e do relato de sinais e sintomas, o que demonstra a necessidade de maior atenção dos serviços de saúde sobre esse aspecto, que pode estar relacionado às condições do ambiente, como disseminação de poeira pela natureza da atividade produtiva”, destaca o pesquisador da Fiocruz Minas Sérgio Peixoto, coordenador-geral da pesquisa.
Saúde mental
A tragédia de Brumadinho também causou consequências para a saúde mental das populações atingidas e que, até hoje, ainda precisam lidar com a luta constante em busca de justiça. Como denuncia o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), mesmo após seis anos, as famílias ainda não foram devidamente reparadas e não recebem assistências dignas da Vale e outros envolvidos.
O estudo da Fiocruz apenas reforça o que o MAB vem denunciando, ao mostrar que 10,6% dos adolescentes e 22,3% adultos relataram diagnóstico de depressão. Em relação à ansiedade, a taxa foi de 32,7% para os entrevistados maiores de 18 anos.
Os pesquisadores ainda aplicaram as escalas Patient Health Questionnaire-9-PHQ-9 e General Anxiety Disorder -GAD7, que permitem detectar sintomas que demonstram um quadro depressivo ou ansioso através de perguntas, mas não é considerado um diagnóstico clínico para essas condições. A aplicação das escalas revelou um aumento na frequência de sintomas relacionados a essas doenças. Em 2023, 38,4% dos adultos relataram quadro depressivo, contra 28,8% em 2021. . Entre os que apresentaram transtorno de ansiedade, foram 19,2%, em 2021, e 30,8%, em 2023.
Os adolescentes também apresentaram aumento nos relatos das duas condições. Em 2023, 31,4% do grupo relatou depressão. Já 23,3% relataram ansiedade. Em 2021, as taxas foram de 27,3% e 15,9%, respectivamente.
Os pesquisadores também investigaram a ocorrência de dificuldades para dormir três ou mais noites por semana nos últimos 30 dias. A situação foi relatada por 26,7% da população adulta em 2021; no ano de 2023, houve um aumento, chegando a 35,1%. Entre os adolescentes, essa dificuldade foi reportada por 18,3% em 2021, e 17,4% em 2023.
"Esses números mostram a necessidade de avaliar as ações voltadas à saúde mental no município, dada a manutenção de elevada carga de transtornos mentais na população, nos dois anos avaliados. Faz-se necessário priorizar estratégias intersetoriais, considerando a complexidade do problema e as especificidades de cada território", explica o coordenador.
A íntegra da pesquisa da Fiocruz sobre a saúde das vítimas de Brumadinho pode ser acessada por meio deste link.
Luta dos atingidos de Brumadinho por Justiça
Nesta sexta-feira (24) e sábado (25), o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) realiza a Jornada de Lutas em memória dos seis anos do rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, operada pela Vale, em Brumadinho/MG. O crime causou a morte de 272 pessoas em 2019, incluindo três ainda desaparecidas e dois bebês em gestação, além de provocar a contaminação da Bacia do Paraopeba.
Mesmo após seis anos, o MAB afirma que a reparação aos danos causados pelo rompimento continua limitada. Os atingidos protestam que o acordo firmado em 2021 entre o governo de Minas Gerais, a Vale e as instituições de Justiça tem se mostrado "insuficiente e mal executado".
"Cerca de 90% das famílias atingidas ainda não receberam as indenizações individuais previstas, enquanto projetos socioeconômicos essenciais, como os descritos no Anexo 1.1 do acordo, seguem em fase inicial. Paralelamente, as populações atingidas continuam expostas aos rejeitos tóxicos deixados pelo rompimento", argumenta o movimento.
O MAB também chama atenção para o anúncio da redução e encerramento do Programa de Transferência de Renda (PTR), que atualmente beneficia 153 mil pessoas. O auxílio, que garante entre meio e um salário mínimo por mês, será cortado na metade de março e encerrado em abril de 2026.
"Essa medida agrava ainda mais a vulnerabilidade das famílias atingidas, contrariando os princípios da Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB), sancionada em 2023, que garante o direito ao auxílio emergencial até que as condições de vida sejam plenamente restabelecidas", afirma o MAB.
Além disso, a gestão do PTR, sob responsabilidade da Fundação Getúlio Vargas (FGV), tem sido amplamente criticada. Segundo o MAB, é estimado que a FGV tenha embolsado cerca de R$ 40 milhões provenientes de rendimentos do fundo destinado ao programa, enquanto a falta de transparência e os atrasos na análise e aprovação de cadastros geram insatisfação e insegurança entre os atingidos. "A ausência de auditorias públicas e de informações claras sobre o uso dos recursos reforça a desconfiança em relação à condução do programa", diz o movimento.
Jornada de Lutas
A Jornada de Lutas organizada pelo MAB tem como objetivo principal exigir a aplicação integral da PNAB e a efetivação dos direitos das populações atingidas. O movimento defende a continuidade do PTR, a aceleração dos processos de indenização e a execução de projetos que promovam a recuperação ambiental e a retomada econômica das regiões afetadas. "Famílias inteiras ainda dependem desse auxílio para garantir o básico, como água potável e medicamentos, enquanto comunidades de pescadores e agricultores, que perderam suas fontes de sustento, enfrentam enormes dificuldades para sobreviver", pontua o MAB.
O Movimento ainda ressalta que combater a negligência e a impunidade é essencial para prevenir novos crimes socioambientais. A Jornada de Lutas será realizada em diversas localidades da Bacia do Paraopeba e contará com atos públicos que darão visibilidade às demandas dos atingidos, além de mobilizar a sociedade civil e pressionar autoridades por justiça e reparação integral. O MAB convida toda a sociedade a participar e apoiar essa mobilização.