Funcionários da rede privada de saúde de todo o Brasil estão se mobilizando para denunciar assédio moral, precarização de direitos e uma série de abusos que estão sendo cometidos pelo grupo HapVida, que está em fase final de fusão com a NotreDame Intermédica para tornar-se a maior operadora de planos de saúde da América Latina, responsável por 15,8 milhões de vidas.
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“É uma situação muito difícil! Há sobrecarga de trabalho, assédio moral. Demitiram os mais antigos para recontratar novos empregados, que não ficam porque não aguentam a pressão e os salários baixos”, diz a diretora-tesoureira Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Serviços de Saúde de BH e Região (Sindeeess), Maria Josefina da Silva Souza, a Teca, que atua como auxiliar-administrativa do Hospital Life Center, incorporado pela Hapvida quando a empresa se uniu ao Grupo NotreDame Intermédica.
Além do assédio moral, os profissionais da área de saúde relatam situações degradantes no ambiente de trabalho e precarização de direitos.
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Com faturamento de R$ 27,4 bilhões ano passado, 10,1% maior do que 2022 e quase o dobro dos R$ 14 bilhões apresentados em 2019, o grupo Hapvida sequer paga o piso salarial de R$ 4.750 para enfermeiros, R$ 3.325 para técniso e de R$ 2.375 para auxiliares e parteiras.
R$ 1 bilhão em títulos de dívida
Mesmo sem oferecer condições mínimas de trabalho, o grupo, que é comandado pela família Pinheiro Koren de Lima e tem como acionista o fundo estadunidense BlackRock - maior do mundo e principal financiador da Ucrânia na guerra contra a Rússia -, vai emitir R$ 1 bilhão em debêntures.
Os debêntures são títulos de dívida gerados por empresas com ações em bolsas de valores. O título gera um direito de crédito aos investidores, que recebem a promessa de pagamento de juros e do reembolso total, ao final do período, do valor investido.
"Os recursos líquidos a serem captados serão utilizados para reperfilamento do passivo financeiro da Companhia", anunciou o grupo em nota no início do mês, sobre a 7ª operação do tipo realizada pelo Conselho de Administração.
Fundador da companhia, Candido Pinheiro Koren de Lima, chegou a entrar na lista da Forbes, em 2022, com fortuna de US$ 3,2 bilhões.
Atual CEO da companhia, o filho dele, Jorge Pinheiro Koren de Lima, também entrou na lista no mesmo ano, com US$ 1,6 bilhão (R$ 8,5 bilhões). Conselheiro do grupo, Cândido Pinheiro Koren de Lima Junior, é outro dos 4 cearenses listados pela Forbes, com fortuna avaliada também em US$ 1,6 bilhão (R$ 8,5 bilhões).
Abusos
Profissionais da saúde privada associados à Rede Brasileira UNISaúde, que desencadearam a mobilização, listam uma série de abusos cometidos pelo grupo HapVida. A pauta de reivindicações inclui:
- Jornada de trabalho digna
- Revisão do PEP (Prontuário Eletrônico do Paciente), que desumaniza o atendimento. O PEP é uma ferramenta eletrônica de gestão do trabalho, sendo implementado pela empresa em diversos locais no país.
- Banimento total do assédio moral no ambiente de trabalho.
- Fim da precarização dos direitos e do ambiente de trabalho
- Tratamento digno aos pacientes
Com faixas e cartazes com o slogan “Saúde não é mercadoria!”, os trabalhadores e trabalhadoras realizaram protestos em frente a unidades de saúde da Hapvida no Ceará, Belo Horizonte (MG), Bahia, Goiás, e o interior de São Paulo, entre outras localidades.
“A gente já tem uma relação um pouco conflituosa com a Hapvida desde 2017-2018, quando recebemos quantidade bem elevada de denúncias referentes a assédio moral e falta de conforto ao espaço destinado ao descanso dos enfermeiros durante a jornada de trabalho”, diz Alessandra Gadelha, presidenta do Sindicato dos Enfermeiros do Estado da Bahia (SEEB).
A diretora-presidenta da subseção Jundiaí do sindicato e também funcionária da Hapvida, Beatriz Lúcia de Castro, diz que os profissionais de saúde, especialmente os da enfermagem, trabalham sob verdadeiro “descaso”.
“No Hospital e Maternidade Paulo Sacramento, em Jundiaí, eles ficam muito sobrecarregados com a quantidade de pacientes que têm de atender ao mesmo tempo, mesmo dentro de uma escala 12x36”, diz.
Daniele Nazário da Silva, auxiliar de enfermagem no Hospital (Hapvida) Antônio Prudente em Fortaleza e Diretora de Diversidade do SindSaúde Ceará, explica que nas redes da Hapvida do estado as principais reclamações são em relação ao PEP e à jornada dobrada que muitos são forçados a aceitar.
“A jornada de trabalho é 12x36 horas. Porém, se falta alguém, a chefia faz sorteio para que alguém cubra o funcionário faltoso e, se a pessoa se recusar, pode ser advertida ou suspensa”, conta.
Descumprimento de decisões judiciais
Além dos abusos e assédio contra funcionários, o grupo Hapvida NotreDame é investigado pelo Ministério Público de São Paulo por descumprir reiteradamente ordens judiciais para fornecer medicamentos a clientes em tratamento contra doenças graves, como o câncer.
Segundo levantamento feito pelo jornal O Estado de S.Paulo, apenas no Foro Central Cível, o maior da capital paulista, há mais de 100 processos de descumprimento de ordens judiciais pelo grupo nos últimos 8 meses.
Nas decisões, os juízes afirma que o descumprimento das ordens pelo grupo “vêm se tornando rotineiros” e que a empresa “dá de ombros” à Justiça de forma sistemática e faz “ouvidos moucos” às determinações judiciais.
A Promotoria do Consumidor abriu um inquérito para investigar os descumprimentos das decisões da Justiça, que é crime e deveria levar os diretores e donos da empresa à prisão, o que ainda não aconteceu.
Segundo o promotor Cesar Ricardo Martins, responsável pela investigação, o problema piorou após a após a fusão entre os grupos Hapvida e NotreDame Intermédica, que teve início em 2021 e foi concluída em 2022.
Segundo ele, “é direito básico dos consumidores a proteção da vida, saúde e segurança, bem como a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais” e que “são necessárias diligências com a finalidade de apurar as circunstâncias da conduta e a extensão do dano perpetrado” pela empresa.
De acordo com a reportagem de Fabiana Cambricoli e Ana Lourenço, no Estadão, a Promotoria do Juizado Especial Criminal (Jecrim) já instaurou 11 inquéritos entre 2022 e 2023 para investigar o crime de desobediência por parte da NotreDame. A infração pode ser punida com multa e até seis meses de detenção para diretores da companhia.
Questionada sobre as investigações e sobre o motivo de não ter prestado informações à Promotoria, a companhia disse inicialmente que “não identificou que tenha sido cientificada, mas adotará as providências necessárias”.