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Ansiedade climática afeta população gaúcha em meio a fenômenos extremos no RS; entenda

Psicólogo do Rio Grande do Sul, Fábio Dal Molin, fala à Fórum sobre resposta psicológica geralmente ignorada diante de impactos climáticos severos

Enchentes no RS já duram duas semanas.Créditos: Lauro Alves/ Secom
Escrito en SAÚDE el

As consequências da crise climática vão além do meio ambiente, afetando diretamente a saúde mental da população que a enfrenta, segundo pesquisas da Harvard Health Publishing. Embora muito pouco discutida, a ansiedade climática está sendo incorporada como um conceito para entender a saúde mental de pessoas prejudicadas pelas mudanças climáticas. Caso que vem se intensificando no Rio Grande do Sul com as novas previsões de chuvas e alagamentos para a região.

Em entrevista à Fórum, o psicólogo de Porto Alegre, Fábio Dal Molin, afirma que a ansiedade em si é uma reação natural do corpo frente a situações de perigo iminente. “As catástrofes climáticas são situações extremas semelhantes à das guerras. Isso pode ser chamado de ansiedade climática. É a reação psíquica e fisiológica a situações traumáticas extremas”. Segundo ele, a ansiedade é um transtorno que mexe com a humanidade desde o início de eventos traumáticos marcantes, como proliferação de pragas, doenças, despertar de conflitos e guerras.

Situações de risco levam à ansiedade

"No fim da Segunda Guerra Mundial na Europa e nos EUA, a ansiedade virou uma epidemia que levou os países centrais a uma onda de políticas de saúde mental coletivas para poder manter a população economicamente ativa produtiva e reconstruir o mundo capitalista pós guerra. Foi nessa época que a psicologia, a psicanálise e a psiquiatria ganharam importância e relevância que tem hoje, além das medicações psiquiátricas", lembra Molin. No entanto, o estudo dos efeitos das crises climáticas é novo para o campo psiquiátrico. "A psicologia das emergências e desastres é um campo relativamente recente, apesar de, a psicologia e  a ideia de saúde mental coletiva ter se difundido largamente no mundo justamente a partir das catástrofes da guerra."

No Brasil, há políticas voltadas para a saúde mental, mas é importante observar que não são aplicadas devidamente nesses casos, de acordo com Molin: “Através de um grande movimento de trabalhadores e trabalhadoras de saúde mental ,o Brasil elaborou uma das mais sofisticadas políticas de atenção e cuidado a saúde mental do mundo na Constituição de  1988: a política antimanicomial [LEI No 10.216, DE 6 DE ABRIL DE 2001]”, diz ele, porém, “assim como se vê na atual tragédia climática, os fatores políticos e sociológicos, são fundamentais na melhoria da vida mental coletiva. O paradoxo brasileiro é que os modelos de gestão do Estado foram na direção contrária, a do neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico e do individualismo.”

É preciso combater a ansiedade climática

Para o especialista, os gaúchos devem receber todo o acolhimento possível neste momento. “O que podemos fazer como profissionais acaba sendo mais importante que podemos fazer como cidadãos, devemos acolher, abraçar, chorar junto e alcançar roupas, comida, cobertores água, oferecer abrigo”, enfatiza Molin.

“A psicologia e  a psiquiatria podem ajudar muito, até mesmo no grande número de pessoas diagnosticadas com transtornos graves e que precisam de manejo, encaminhamento e medicações específicas. E aí está o problema, pois os últimos governos sucatearam o embrião da política de saúde mental e as chuvas causaram o restante da destruição.”

Outro problema que pode aumentar a ansiedade climática no Rio Grande do Sul é a saturação do próprio assunto em outros estados, em razão da extensa midiatização das tragédias, enquanto a reação emocional aos efeitos climáticos pelos gaúchos só crescem, já que será necessária a reconstrução da dinâmica de vida das pessoas, dos próprios municípios afetados e ainda um grande número de doações e cuidados, principalmente com as fake news compartilhadas na internet.

Segundo o psicólogo, “pesquisas mostram que no mundo digitalizado tudo circula mais rápido e pode aumentar ou diminuir de tamanho, seja em solidariedade, pânico ou fake news, que hoje formam um cinturão de realidade paralela nas redes sociais, servindo aos interesses atuais do capitalismo de vigilância”, e para enfrentar isso, os governos devem “investir cada vez mais na democracia real e na apropriação social dos meios digitais.”