CRISE CLIMÁTICA

Marcio Astrini: "Temos um Congresso que trabalha pela destruição do meio ambiente"

Secretário-executivo do Observatório do Clima explica à Fórum como o negacionismo e a bancada ruralista do Congresso alimentam tragédias climáticas

Márcio Astrini, diretor do Observatório do Clima e ex-coordenador das campanhas no Greenpeace Brasil.Créditos: Márcia Alves/Divulgação
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As mais de cem mortes, os milhões de brasileiros afetados, os danos sem precedentes e as quase 400 cidades do estado alagadas em razão da explosão climática no Rio Grande do Sul deixaram muitos em choque, mas tudo isso é um reflexo alarmante dos impactos da crise climática no Brasil. Em entrevista à Fórum, o secretário-executivo do Observatório do Clima (OC) e ex-coordenador do Greenpeace Brasil, Marcio Astrini, explica os fatores que contribuíram para a proporção do desastre na região, e que, para muito além deles, a falta de ação governamental ao longo dos anos contribuiu e continua contribuindo fortemente para que casos como esse aconteçam.

"A enchente virou um padrão de acontecimento climático no Rio Grande do Sul nos últimos anos. Os avisos estavam todos aí e eles estão aparecendo. É só seguir a lógica: a previsão é de que haja novamente circunstâncias extremas acontecendo naquela região”, alerta. “Tivemos um negacionista climático na Presidência da República e foi perceptível o tamanho do dano que ele causou com os recordes de desmatamento na Amazônia: uma situação insustentável e o Brasil andava para trás em qualquer agenda que tivesse clima e meio ambiente.”

negacionismo climático é o ato de se negar o aquecimento global e seus efeitos sobre a Terra. Promovida pelo governo Bolsonaro durante quatro anos, a pseudociência ganhou mais espaço no Congresso Nacional, segundo Astrini: “O negacionismo saiu do Palácio do Planalto, atravessou a rua e se instalou no Congresso. Temos hoje um Congresso que se dedica dia e noite a trabalhar pela destruição do meio ambiente”. 

Um levantamento recente do Observatório do Clima, principal organização da sociedade civil focada na pauta climática, composta por 107 membros, incluindo ONGs de meio ambiente, institutos de pesquisa e movimentos sociais, mostrou que já estava prevista a votação, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, do projeto de lei 3.334/2023, para diminuir áreas de reserva na Amazônia Legal. De acordo com o texto, os imóveis rurais localizados em áreas de florestas na Amazônia Legal podem reduzir a área de reserva legal de 80% para até 50%. O PL é só um exemplo dos 25 projetos de lei, bem como as três emendas à Constituição, que constituem hoje o chamado "Novo Pacote da Destruição" de 2024, por ambientalistas.

“Tem um efeito moral que é aprovar legislações para pessoas que cometem esses crimes e beneficiando-as. Então, por que você vai respeitar a lei ambiental, se amanhã você vai ter um Congresso que vai te dar uma anistia, que vai te dar benesse e vai sair impune? Há um desestímulo àquele que faz de forma correta e um estímulo para aquele que está em desacordo com a lei. O Congresso brasileiro é um inimigo declarado do meio ambiente e é por isso que a gente fica no pé deles, pois se eles há tanto tempo tentam destruir a legislação ambiental, de fiscalização e controle, agora eles que assumam a responsabilidade.”

A resiliência dos rios e os fatores climáticos

Para o pesquisador, o problema não é apenas ser negacionista, mas se esse negacionista passa a ocupar uma posição de poder e influência, dando passe livre para crimes ambientais. Isso consequentemente vai reduzindo a capacidade de regeneração dos ecossistemas e tornando os locais mais vulneráveis. As fortes chuvas que castigaram a Serra Gaúcha nos últimos dias provocaram um efeito cascata: a água, em grande volume, escoou pelas encostas e se concentrou nos rios Taquari, Jacuí e outros afluentes, que por sua vez, desembocaram no Lago Guaíba, na região metropolitana de Porto Alegre. 

“Cada projeto de lei que é aprovado e que dá anistia a um ato criminoso ambiental ou que favorece o desmatamento, ou que vai prejudicar o curso de um rio, vai tornando as cidades locais e os biomas menos resistentes. Esses locais estão perdendo a resiliência e isso vai colocar em risco as pessoas. O rio já não é mais o mesmo. Todo esse desmatamento começa a provocar enchentes e assoreamento de rios”, reitera ele. Uma matéria da Fórum ainda mostrou que o governo de Eduardo Leite destruiu o Código Ambiental do RS em 2019, após quase dez anos de pesquisas e estudos, sem consultar a Fundação Estadual de Proteção
Ambiental (Fepam)
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‘A conta chega’: Já não tem como evitar as mudanças climáticas

Além dos efeitos do fim do El Niño, o diretor do OC explicou que havia uma confluência de efeitos climáticos sobre a região para que o desastre ganhasse uma magnitude incomum. “Há um fenômeno meteorológico chamado zona de baixa pressão atmosférica, que impede a dissipação da entrada dessa frente fria que vem do Sul. Essa frente acumula em cima do Rio Grande do Sul e deságua tudo ali de forma concentrada na mesma localidade. É isso que está provocando tanto as chuvas, além de uma série de outras variáveis. É um fenômeno extremo agravado pelas mudanças climáticas, e na área da política há atraso em relação a tudo isso. Existem muitos estudos e dados, mas quase nenhuma ação é tomada.”

“O Rio Grande do Sul teve eventos problemáticos em clima complativos há algum tempo. Entre 2021 e 2022, o estado teve uma seca severa com prejuízo de bilhões de reais em safra. Depois em 2022 e 2023, também o RS começa, inclusive, no ano de 2023, com seca severa e termina o ano alagado. Essas já eram as enchentes de setembro de 2023 e este ano é o pior de todas as situações que já vimos.”

É urgente abordar o racismo ambiental

Já se comprovou um mito a afirmação de que as mudanças do clima prejudicam ricos e pobres igualmente. O racismo ambiental surge como uma realidade muitas vezes ignorada, onde populações marginalizadas e minorias étnicas são relegadas a sofrer os impactos mais severos da degradação ambiental e portanto assim, "justificadas" àquela situação. É o que Marcio Astrini também destaca: “A discriminação ambiental existe assim como as mudanças climáticas, em uma máquina de produzir desamparo social, de aprofundar pobrezas, situações de castigo àquelas pessoas que estão em situação de vulnerabilidade social, porque você joga na mesa a conta muito pesada para quem pouco tem. Isso acontece em vários aspectos”, afirma. 

O pesquisador observa que, no momento, a atenção segue voltada para a ajuda humanitária ao Rio Grande do Sul, mas que só após as chuvas cessarem e o rio baixar, é que todos saberão a dimensão real da tragédia. “Um trabalho imenso de reconstrução. Quer dizer, todo esse estrago que aconteceu agora ele vai durar ainda, vai ser recordado, vai persistir, atrapalhar a dinâmica social de vida das pessoas, como, por exemplo, a infraestrutura urbana”, diz o diretor.

“Teve pontes, estradas que desabaram e aeroporto submerso: quanto tempo isso vai durar? Quanto custa? Isso impede, por exemplo, a movimentação de carga e vai atingir a economia, a rede de esgoto, de água e de luz. Na área social, as pessoas perderam suas casas definitivamente e outras tiveram que sair de casa por conta da enchente, mas também atingiu a padaria, a creche onde estuda o filho dessa pessoa, quer dizer, todo um sistema social ali de amparo na vida das pessoas que foi drasticamente tirado delas.”