Já pensou em se consultar com uma inteligência artificial (IA)? Isso já é uma realidade no Brasil. A área da psiquiatria vem agregando a tecnologia em consultórios, diagnósticos e tratamentos, e a pandemia de COVID-19 é a responsável por essa aceleração que já dava sinais na Medicina: uma pesquisa da Capterra, realizada entre 11 e 15 de dezembro de 2020 com 1004 brasileiros, por exemplo, revelou que a IA já estava presente na rotina de muitos pacientes.
Quarenta por cento dos entrevistados relataram ter interagido com chatbots ou assistentes virtuais em sites de médicos, planos de saúde ou centros de saúde, principalmente após o início da pandemia. A telemedicina também ganhou força, com 55% dos participantes afirmando já ter realizado consultas com alguma IA. Vale lembrar que os transtornos depressivos graves também aumentaram em uma taxa de 35% após o período pandêmico, segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas).
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O psiquiatra da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e mestre em filosofia contemporânea, Alexandre Valverde conversou com a Fórum sobre esse panorama e esclareceu como a inteligência artificial atua na psiquiatria e os primeiros resultados da sua implementação. “Pensamos em inteligência artificial só como aquele robô que estaria do lado do médico no momento da consulta, quando eu falo robô pode ser um dispositivo eletrônico que está capturando as informações que o paciente traz, capturando o discurso, observando movimentação corporal, prosódia, vários elementos que podem ser observados e quantificados para trazer elementos a mais de observação para compor o diagnóstico”, afirma.
De acordo com o doutor, “hoje tem desde estudos de revisão científica de trabalhos que já foram feitos, análises de exames que já tem em bancos de dados e que as IAs podem avaliar isso muito rapidamente, de neuroimagem, grandes volumes de informação”, o que segundo ele, ajudaria “a determinar tanto a questão de anatomia, de funcionamento cerebral, de conexão entre partes do cérebro que podem estar relacionadas a aparecimento de transtornos de uma maneira muito mais eficaz que os olhos humanos não conseguem fazer”. Confira a entrevista:
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Fórum - Com tantas questões sobre inteligência artificial no campo da medicina, como saber se a nova inteligência artificial está indicando o tratamento correto para o paciente?
Alexandre Valverde - Muito provavelmente a gente vai regular a utilização de inteligência artificial na cena clínica com algumas questões que dependam da presença do profissional ali para conduzir a orientação proposta pela inteligência artificial. Não vamos prescindir do profissional humano que vai a partir daquelas informações coletadas das sugestões da inteligência artificial dar a condução ao caso. Então, a IA não vai substituir o humano, ela vai complementar o seu trabalho, completar a observação clínica, fazer o melhor registro e facilitar a observação de certos fenômenos.
Fórum - Por que o número de psiquiatras não está chegando hoje a quantidade de pessoas que precisam de atendimento, o que os estudos dizem sobre o futuro da psiquiatria?
Alexandre Valverde - Só para a gente fazer uma conta rápida aqui, no Brasil pré-pandemia a gente tinha uma população de cerca de 23 milhões de pessoas que provavelmente tinham uma questão psiquiátrica. Sabemos que esse número aumentou durante a pandemia, não temos clareza desse número, mas eu vou trabalhar com esse por enquanto. Se a gente tinha 23 milhões de pessoas para 10 mil profissionais, estamos falando de 2.300 pacientes para cada profissional, o que significaria precisar atender 76 pacientes por dia se a gente trabalhasse 30 dias no mês, é praticamente impossível isso.
A gente queria que todas as pessoas passem em consulta com profissionais, mas se esse número aumentou, vamos supor que esse número tenha dobrado durante a pandemia para 40 milhões de pessoas. Assim, já estamos falando de um consultório que teria que atender 150 pessoas por dia para dar conta de todos os psiquiatras verem essas pessoas em um ano, então é impossível. Certamente as inteligências artificiais vão contribuir para o trabalho do profissional ser aumentado em escala, em volume e poder ser feito mais rapidamente, as pessoas poderem ter esse acompanhamento, essa observação, esse diagnóstico mais rapidamente.
Fórum - Como as IAs podem ser aliadas à saúde mental dos pacientes e de que forma elas vão lidar com diferentes diagnósticos?
Alexandre Valverde - As Inteligências Artificiais podem fazer parte desses três momentos, no momento pré-diagnóstico, no sentido das análises de estudos, da produção de conhecimento, das observações estatísticas e teóricas sobre as questões de sofrimento, no momento do diagnóstico, nasce na clínica ajudando o profissional a registrar informações, a compilar informações, a mesmo observar certos fenômenos que talvez para o olho humano fica mais difícil de observar, para a orelha humana fica mais difícil de perceber.
Então, a inteligência pode trazer essa informação também, e no momento pós-diagnóstico, auxiliando no segmento do tratamento, tanto na parte de monitoramento ou evolução, acompanhamento do prognóstico do paciente e presença constante nesses momentos de lembrada para tomada de medicações, anotação de efeitos colaterais e registro dessa evolução de maneira pormenorizada e mais refinada.
Só um acréscimo, quando eu falo dos vestíveis, estou falando desses objetos que a gente consegue utilizar sobre o nosso corpo, como os relógios inteligentes, anéis inteligentes, pulseiras inteligentes, óculos inteligentes, todos esses objetos que fazem monitoramento e captura de sinais de psicomotricidade, por exemplo, velocidade com que a gente se desloca no espaço, maneira como a gente interage com os objetos no ambiente, todas essas informações da psicomotricidade, elas são informações sobre o nosso funcionamento cerebral também.
A motricidade é uma manifestação do funcionamento cerebral, então essas informações também podem ser utilizadas para dar o grau de ativação motora, de hiperatividade, de movimentação no espaço e isso pode apontar para questões ligadas à depressão, à ansiedade, que no caso a gente teria diminuição dessa hiperatividade ou às vezes até aumento disso. Nós fazemos essas mensurações, hoje quando os smartwatches medem a qualidade do nosso sono pela nossa motricidade eles estão vendo isso, esses aspectos, então isso vai cada vez avançar mais e ficar mais preciso na coleta dessas informações, essas informações já são utilizadas hoje e vão ser cada vez mais utilizadas no futuro.