A dúvida sobre o que ocorre no cérebro humano nos momentos que antecedem a morte instiga a humanidade por séculos. Um estudo realizado por neurocientistas dos EUA, da China e da Estônia se propôs a investigar quais são os pensamentos que passam pelo cérebro de uma pessoa que está prestes a morrer.
"Os dados nesse campo de pesquisa são muito valiosos devido ao fato de que a natureza e o momento da morte são imprevisíveis, o que impede investigações detalhadas e coleta de dados," diz o estudo.
As experiências de quase morte (EQM) são o parâmetro mais próximo de responder a indagação e suas percepções são acompanhadas de componentes emocionais, religiosos e místicos, de acordo com a pesquisa. "As experiências dos sobreviventes das EQM são muito valiosas para a compreensão do processo de morrer", escrevem os autores.
Entre 4% a 8% das pessoas já passaram por EQMs, as revelações sobre os momentos próximos à morte abrangem recordações da vida, flashbacks de memória, 'experiências fora do corpo', estados meditativos e níveis alterados de percepção consciente. Dos sobreviventes de paradas cardíacas, 46% relataram relembrarem de memórias da vida e 2% tiveram a consciência de ver ou ouvir eventos relacionados à reanimação médica.
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Como funciona a morte cerebral?
Nos momentos finais da vida, as oscilações de ondas beta e gama aumentam logo após o esgotamento de oxigênio. As oscilações beta variam entre 25 e 40 ciclos por segundo (13-30 Hz) e representam o estado de vigília, marcado pela sensação de alerta, processamento de estímulos externos e destaque das emoções.
Já as ondas gama, definidas pelas frequências de 30 a 80 ciclos por segundo (30-90 Hz), estão relacionadas ao processamento de estímulos táteis, auditivos e, principalmente, visuais. O intervalo de frequência gama remete à velocidade de memória de lembranças visuais. Em meditações, esta frequência sincronizada à frequência cerebral significa o pico de concentração.
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Em seguida ao esgotamento, as atividades cerebrais são realizadas com baixa frequência e ocorre a isoeletricidade – a perda completa de atividade elétrica cortical -, isto é, a descontinuidade do envio de estímulos entre as áreas do cérebro.
Por fim, se não houver fornecimento de reoxigenação do cérebro, a perda de propriedades celulares resulta na citotoxicidade – capacidade intrínseca de lesão celular – e na morte cerebral.
Como funcionou o estudo?
O estudo se baseou em um paciente em estado paliativo e que recebeu medicamentos, mas não foi alimentado. Os pesquisadores se atentam ao fato que as patologias possivelmente afetam o nível de consciência e as condições gerais do paciente. Assim, exames similares podem ter alterações significativas. Como exemplo, eles comparam pacientes com trauma cerebral e sem, os quais terão diferentes percepções de consciência.
O paciente estudado possuía um cérebro lesionado, que teve convulsões e inchaço, o que pode ter dificultado a interpretação dos dados recolhidos.
A pesquisa concluiu que, nos momentos finais da vida, o cérebro humano tem um surto inicial de atividade oscilatória (ondas beta e gama), acompanhado do disparo neuronal regular. O aumento de ondas beta exibe a procura pela consciência externa e por emoções. Por sua vez, o aumento de ondas gama mostra à memória de lembranças visuais.
Histórico recente da relação entre cérebro e morte
Em 1968, um comitê da Escola de Medicina de Harvard publicou um artigo para redefinir os critérios de coma irreversível e morte, no qual foi determinado que além da perda da função cardíaca, a perda da função neurológica (morte cerebral) também deveria definir a morte.
No Brasil, por determinação de lei federal, a morte cerebral tem seus critérios de definição estabelecidos pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) desde 1997. Segundo o conselho, a morte encefálica seria considerada em processo irreversível e nas condições de quadro neurológico de causa conhecida. Foi definida a necessidade da realização de dois exames clínicos e um complementar no paciente.
Em 2017, após o decreto 9.175, o CFM passou a redefinir a morte cerebral como a perda completa e irreversível das funções encefálicas, definidas pela cessação das atividades corticais – comunicação entre áreas do cérebro e do tronco encefálico, a porção do sistema nervoso central responsável pelo controle da pressão arterial, batimentos cardíacos e respiração, por exemplo.
Em 2020, o Projeto Mundial de Morte Encefálica (WBDP, da sigla em inglês) buscou encontrar um consenso nos critérios clínicos para a morte cerebral. A WBDP publicou um relatório em que estabeleceu oito critérios:
- Nenhuma evidência de animação ou consciência diante de estímulos externos;
- Pupilas ficadas em posição mediana e sem reflexo de luz;
- Ausência de reflexos corneanos, oculocefálicos e oculovestibulares;
- Ausência de movimento facial à estímulos nocivos;
- Ausência de reflexo de vômito diante de estimulação faríngea posterior bilateral;
- Ausência do reflexo de tosse durante respiração profunda na traqueia;
- Nenhuma resposta motora mediada pelo cérebro à estimulação nociva dos membros;
- Falta de respirações espontâneas durante alvos de teste de apneia de pH 7,30 (grau de acidez ou alcalinidade do sangue) e Paco2 = 60 mm Hg (pressão parcial de gás carbônico nas vias respiratórias; não devem ultrapassar 45mHG em pessoas comuns).