Pesquisadores descobriram diferenças significativas na espessura do córtex cerebral entre homens e mulheres em populações com alta desigualdade de gênero. Podendo ter sido mais expostas a situações adversas desde o início da vida, as mulheres podem sofrer com essas diferenças, indicando vulnerabilidade em termos de saúde mental.
O estudo publicado recentemente foi liderado pelo pesquisador do National Institute of Mental Health, nos Estados Unidos, Nicolas Crossley, que contou com a colaboração de professores do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp) e de pesquisadores do Laboratório de Neuroimagem em Psiquiatria da FMUSP.
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O que o estudo mostrou?
A pesquisa revelou diferenças em distintas regiões do cérebro ao comparar imagens de ressonância de homens e mulheres, isso inclui o giro cingulado anterior caudal direito, giro orbitofrontal direito e córtex occipital lateral esquerdo. Em uma população específica, os homens possuíam uma espessura cortical maior em certas áreas do cérebro em relação às mulheres.
Embora as consequências dessas diferenças ainda não sejam claras, as áreas em questão são conhecidas por desempenhar um papel importante no gerenciamento das emoções, na resiliência em situações adversas e na regulação dos sentimentos negativos. Além de estarem relacionadas à modulação do medo e ansiedade, ao processamento de memória e à avaliação de riscos.
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O Fórum Econômico Mundial estabeleceu o índice de desigualdade de gênero em 2006 para avaliar anualmente a desigualdade entre homens e mulheres em 156 países do mundo. O índice abrange quatro dimensões: participação e oportunidade econômica, acesso à educação, empoderamento político, saúde e sobrevivência.
Uma limitação da pesquisa ressaltada pelos estudiosos é que pelos dados serem coletados localmente e comparados para fornecer um indicativo da diferença entre homens e mulheres, considerando apenas o sexo biológico e não a identidade de gênero, não oferece precisão, visto que não há sobreposição entre sexo biológico e identidade de gênero.
Quais os fatores envolvidos?
Foi possível correlacionar situações de vida menos favoráveis das mulheres com o desenvolvimento neuronal. Os resultados sugerem que fatores como menos escolaridade, menos cuidados na infância e maior mortalidade materna podem ter impacto não apenas psicológico, mas também na estrutura do cérebro. Essas descobertas destacam a importância de abordar questões sociais e de gênero para promover o desenvolvimento saudável do cérebro em mulheres.
“Há dois momentos dramáticos em termos de neurodesenvolvimento – os chamados primeiros mil dias, que englobam a gestação e os dois primeiros anos de vida, além da puberdade. As meninas iniciam a puberdade antes dos meninos muitas vezes em um contexto de estresse, o que tem reflexos na saúde mental”, disse ao Jornal da USP o médico Pedro Gomes Rosa, pesquisador da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) que participou da pesquisa.
A utilização de distintas populações combinadas e uma grande amostra, trazendo uma nova concepção acerca dessas diferenças cerebrais, é o que torna tão importante a pesquisa.
Dados de 2021 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, no Brasil, meninas entre 13 a 17 anos enfrentam desafios significativos em termos de bem-estar psicológico. De acordo com o levantamento, elas se sentem mais tristes, sofrem mais abuso sexual, mais violência doméstica e possuem uma maior insatisfação com o próprio corpo em relação aos meninos.
Os pesquisadores responsáveis pelo estudo verificaram se havia a possibilidade de distorções locais nos resultados. E disseram que os testes estatísticos mostraram que o resultado permanece constante nos diferentes países e regiões, sem apresentar variações significativas, reforçando que as diferenças representam um fenômeno mais amplo.
Ressalvas
Todavia, a psicóloga e neurocientista especializada em desenvolvimento infantil, Bruna Velasques faz um apontamento. “O fato da pesquisa ter sido realizada em diversas culturas não significa que a cultura não possa ter promovido esse efeito. O neocórtex e as áreas subcorticais são estruturas dependentes do ambiente. Quando falamos em neurodesenvolvimento estamos falando de estruturas que estão em formação durante o contato da criança com o mundo que a cerca. E a maior parte das culturas têm essa oposição de homem versus mulher. Estudos que tentam identificar as diferenças de gênero e os efeitos da pobreza são sensíveis, já que é difícil isolar essas variáveis”, afirma ela.
*Texto produzido com informações de Ana Fukui, do Jornal da USP