VIDA NOVA

Transplante de rim: conheça a história do jornalista que vive há 17 anos com novo órgão

“Doença renal é silenciosa. Quando a gente percebe, não tem mais jeito”, conta Gabriel Navajas

O jornalista Gabriel Navajas.Créditos: Acervo Pessoal
Escrito en SAÚDE el

Era novembro de 2004 quando o jornalista Gabriel Navajas, então com 25 anos, sentiu o primeiro sintoma do que viria a ser um problema irreversível nos seus rins. A visão de seu olho direito começou a ficar distorcida, “como quando você pega uma garrafa de água e olha através dela”, explica.

“Doença renal geralmente é uma doença silenciosa. A gente só percebe quando praticamente não tem mais jeito de recuperar os rins”, relata Gabriel. A solução foi o transplante, realizado em 2006, quando o jornalista tinha 27 anos. Há 17 anos com o novo órgão, o homem de 44 anos conta como sua vida mudou, e os aprendizados que ficaram.

Entrando na fila

Duas semanas após o primeiro sinal de problema, mais um alerta. Enquanto estava numa festa, Gabriel percebeu que não sentia vontade de ir ao banheiro na mesma frequência de seu amigo, mesmo os dois tendo bebido a mesma quantidade de cerveja. A cerveja inibe o efeito do hormônio ADH, que regula a quantidade de urina. Então, seria natural que Gabriel sentisse necessidade de ir ao banheiro, mas não era o caso.

Na mesma festa, ele conta que começou a tossir bastante e, em um momento, “tossi, abaixei e quando voltei o outro olho ficou [com a visão distorcida] também. Comecei a não enxergar de nenhum dos olhos”. Foi então que, por recomendação da mãe, Maria Teresa, ele se consultou com uma reumatologista.

“Antes da consulta ela mediu minha pressão e estava altíssima. Fiz os exames e, saído o resultado, estava tudo alterado. Creatinina alta, anemia, e ureia tão alta que eu sentia um gosto esquisito na boca. Comecei a perceber que estava ficando inchado também”, relata o jornalista. A alta pressão, inclusive, foi o motivo para a visão distorcida, pois provocou um derrame no fundo do olho.

Gabriel foi diagnosticado com uma doença autoimune, a “glomerulonefrite rapidamente progressiva”, que fez com que os dois rins parassem de funcionar. Naquele ponto, Gabriel tinha apenas 20% da função renal. Ele, então, entrou na fila de transplante do Sistema Único de Saúde (SUS) para aguardar um rim novo e, enquanto esperava, teve que fazer sessões de hemodiálise.

O novo órgão chega

A primeira hemodiálise foi um pouco antes do Natal de 2004. Gabriel retornou à casa da mãe para o tratamento, em Jundiaí, interior de São Paulo, mas as sessões aconteciam na capital, a quase 60 km e 1h30 de distância da cidade.

Ele relata que o apoio da mãe foi essencial. Durante dez dos 17 meses em que Gabriel ficou esperando o novo rim, era Maria Teresa que o levava às sessões, três vezes por semana, quatro horas por dia. Toda terça, quinta e sábado, mãe e filho levantavam às 3h da madrugada e rumavam à São Paulo. As sessões ocorriam às 5h. Nove horas da manhã, retornavam à Jundiaí.

Quando voltei a trabalhar, em outubro de 2005, ainda fazia hemodiálise, mas já tinha me adaptado ao tratamento. Antes disso, era minha mãe quem me ajudava, o que foi muito importante”, conta.

Gabriel era o segundo mais novo da turma com quem fazia hemodiálise, perdia apenas para a amiga que fez durante as sessões, Lara, de 22 anos. Viajar era um dos assuntos sobre os quais conversavam e um dos motivos pelos quais o jornalista considerava a hemodiálise uma “prisão”. “Se eu quisesse passar uns dias em Maceió, por exemplo, teria que achar uma clínica lá para fazer as sessões que eu faria em São Paulo. É uma mão de obra que eu não queria ter”, diz.

Passado quase um ano e meio de hemodi??lise, na madrugada do dia primeiro de maio de 2006, a mãe de Gabriel o acordou com uma ligação do hospital, seu novo rim havia chegado. “Foi aquela coisa de filme mesmo”, conta Navajas. “Eu levantei da cama e não conseguia amarrar o tênis, de tanto que minha mão tremia. Pensei ‘calma, respira’. Respirei, amarrei o tênis e a gente foi.”

Às 7h já estavam no hospital. Às 17h, iniciou a cirurgia. Às 20h, Gabriel estava com seu novo rim, com uma nova vida. A lembrança do momento em que acordou pela primeira vez após a cirurgia é marcada pela vinheta do jornal que passava em uma TV no canto da UTI.

A recuperação no hospital foi rápida, após seis dias ele já estava em casa. Foram mais 40 sem poder fazer esforço. Depois disso, vida normal. Gabriel conta que só duas coisas lhe são proibidas: anti-inflamatório e carambola, prejudiciais aos rins. Outra mudança veio com a necessidade de tomar um remédio para inibir que o corpo rejeite o novo órgão, o qual ele toma todos os dias, duas vezes ao dia, desde que saiu da sala de cirurgia e sem data para parar.

A vida após o transplante

“Quando se fala de uma pessoa transplantada, as outras pessoas imaginam alguém doente, de cama… mas é tranquilo, vida normal mesmo”, conta Gabriel. “A única coisa que as pessoas sempre reparam é meu braço, pelas marcas de hemodiálise.”

Se a rotina do jornalista, que hoje vive em Brasília, não mudou tanto, sua percepção sobre a vida com certeza se alterou. “Muda bastante o jeito que você vê as coisas que importam, porque a maioria das coisas com as quais nos preocupamos não acontecem e muitas fogem do nosso controle. Então, tento levar a vida de maneira leve e aproveitar mesmo”, conta. “Se cuidar, e não aquela coisa de 'não pode fazer nada', mas se cuidar fazendo uma atividade física, cuidando da saúde mental, curtindo o que pode curtir.

As memórias do tempo de hemodiálise ficam. Ele conta que a maioria da turma tinha mais de 60 anos, alguns muito doentes, outros abatidos mentalmente pela rotina do tratamento. Muitos não sobreviveram. Hoje, segundo a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos, quase 30 mil pessoas esperam por um rim, dos mais de 50 mil na fila para transplante, o maior número desde 1998.

“É importante que as pessoas, quando puderem, avisem a família que são doadoras. Isso é muito importante para ajudar quem precisa, quem está na fila, e tornar o processo mais rápido. Só falar para família que você é doador de órgãos já basta, é importante fazer essa campanha”, ressalta o sobrevivente.