A presença do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux nas sessões em que foram promovidos os interrogatórios da ação penal da trama golpista animou bolsonaristas. Cortes com o questionamento do magistrado ao ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), o tentente-coronel Mauro Cid, circularam nas redes sociais com a ajuda dos filhos do ex-presidente, o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o vereador carioca Carlos Bolsonaro (PL).
O momento celebrado pelos apoiadores do ex-presidente ocorreu quando Fux questionou Cid se a minuta do golpe havia sido assinada por Bolsonaro, com o ex-ajudante de ordens afirmando que não.
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No julgamento que definiu a aceitação das denúncias contra os integrantes do chamado "núcleo crucial" da tentativa de golpe, em março, o ministro já havia feito ressalvas em relação à delação de Cid. "Não é o momento próprio, mas vejo com muita reserva nove delações de um mesmo colaborador, cada hora apresentando uma novidade. Me reservo ao direito de avaliar no momento próprio a legalidade dessa delação, mas acompanho no sentido de que não é o momento de declarar a nulidade", disse na ocasião.
Dois dias antes dessa manifestação, Fux havia pedido vista no caso da cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, que pichou com batom a estátua “A Justiça”, em frente ao prédio do Supremo, com a frase “Perdeu, mané”. "Temos toda a liberdade e respeito pela opinião dos colegas. Vou fazer uma revisão dessa dosimetria", afirmou, fazendo referência ao caso de Débora.
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Depois, o ministro deu seu voto condenando a ré somente pelo crime de deterioração do patrimônio tombado, atribuindo a ela uma pena de um ano e seis meses de reclusão. Fux briu uma divergência em relação aos votos da maioria, que seguiu Moraes condenando Débora por cinco crimes, com uma pena de 14 anos de prisão.
O que Fux pode fazer em relação a Bolsonaro?
Segundo a jornalista Mônica Bergamo, a expectativa, tanto de advogados dos réus da ação penal da tentativa de golpe como de aliados de Bolsonaro, é que o ex-presidente possa ser condenado e ter sua sentença transitada em julgado até outubro, quando sua prisão poderia ser decretada, já que não haveria mais possibilidade de recursos.
Uma eventual divergência de Luiz Fux, porém, poderia mudar esse cálculo. Em tese, não havendo unanimidade em um julgamento colegiado, a defesa poderia apresentar os chamados embargos infringentes. Trata-se de um tipo específico de recurso previsto no direito processual, utilizado quando há decisão não unânime, para tentar fazer prevalecer o voto vencido.
Os embargos não dizem respeito somente ao mérito de uma eventual condenação, podendo ser aplicados também se houver divergência em aspectos como a dosimetria da pena, por exemplo.
Esse recurso foi responsável pelas mudanças de sentenças de dois réus na Ação Penal 470, o chamado Mensalão. João Paulo Cunha foi absolvido do crime de lavagem de dinheiro, pelo qual havia sido condenado a três anos de reclusão mais 50 dias-multa no valor de 10 salários mínimos, prevalecendo a tese divergente aberta pelo ministro Luís Roberto Barroso. João Carlos Genu também foi absolvido em relação à acusação do mesmo crime.
A diferença é que entre o julgamento original, realizado em 2012, e o julgamento dos embargos de Cunha e Genu, em 2014, houve uma mudança na composição do STF. Saíram Ayres Brito e Cezar Peluso e entraram Luís Roberto Barroso e Teori Zavascki. Agora, a perspectiva mais próxima de aposentadoria de um ministro da Primeira Turma é do próprio Fux, que completa 75 anos em 2028.
O que aconteceria com um voto divergente de Fux
Para julgamentos em plenário, o Regimento Interno do STF exige, para cabimento de embargos infringentes, que as decisões devam contar com menos de dois terços de votos favoráveis. Em suma, é necessário haver pelo menos quatro votos vencidos.
Em relação às Turmas, compostas por cinco ministros, não há uma determinação expressa no Regimento Interno já que, à época em que o texto foi editado, somente o plenário da Corte julgava ações penais originárias, aquelas que tinham como sede o próprio Supremo, não vindo de outras instâncias.
Com essa ausência, a solução da Corte se baseou na analogia, respeitando a proporcionalidade. Em um julgamento realizado em 2018, o Tribunal entendeu "cabíveis embargos infringentes contra decisão proferida em sede de ação penal de competência originária das Turmas, e, por maioria, fixou como requisito de cabimento desse recurso a existência de dois votos minoritários absolutórios em sentido próprio".
Assim, somente a divergência de Fux não seria suficiente para o cabimento desses embargos, sendo necessário ao menos mais um voto contrário à maioria.
Caso isso aconteça, o julgamento dos embargos infringentes vai a plenário, o que abre a possibilidade também de pedidos de vista de ministros mais alinhados com o ex-presidente, como André Mendonça ou Nunes Marques, adiando o trânsito em julgado.
Esse período estendido permitiria a Bolsonaro não só ganhar mais tempo para permanecer em liberdade como também lhe daria a possibilidade de acirrar mais o clima político contra sua condenação, fomentando sua base de apoio. As chances de absolvição de fato são quase nulas pelo que se viu no andamento da ação penal até aqui.