TRAMA GOLPISTA

Pedro Serrano analisa principais pontos do julgamento histórico de Bolsonaro no STF

Ao Fórum Onze e Meia, jurista avaliou postura do ex-presidente durante depoimento na ação que julga trama golpista

Jair Bolsonaro no STF.Créditos: Ton Molina/STF
Escrito en POLÍTICA el

O Fórum Onze e Meia desta quarta-feira (11) recebeu o jurista Pedro Serrano para comentar o julgamento histórico de Jair Bolsonaro (PL) e outros sete réus no Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de Estado. Os depoimentos dos oito acusados do Núcleo 1 da trama golpista começaram nesta segunda-feira (9) e se encerraram na terça (10). 

Para Serrano, o julgamento ocorreu de forma normal, "nada fora do script". Mas o jurista afirmou que questiona a ideia de transmissão ao vivo. Serrano argumentou que as pessoas não têm o contexto da linguagem que está sendo falada durante o julgamento para entender realmente o que está acontecendo. O jurista explicou, por exemplo, a diferença entre depoimentos de réus e testemunhas. 

Enquanto o depoimento de testemunhas serve como prova do processo e, por isso, elas não podem mentir, o réu não é obrigado a responder a verdade, sequer tem obrigação de responder todas as perguntas, tendo direito de responder somente sua defesa. Nesse sentido, Serrano avaliou que o julgamento "acaba virando mais espetáculo do que algo que vá contribuir para qualquer tipo de debate"

 

"Então, ali, na realidade, foram atos de defesa. É assim que tem que ser interpretado. Ninguém que ouve pode tomar aquilo como verdade, porque não é feito sob compromisso da verdade. Não é prova, não interfere em nada no conjunto probatório", explicou. 

 

Legitimidade do processo

O jurista também comentou sobre a postura do ex-presidente Bolsonaro, que optou por fazer algumas "brincadeiras" com o ministro Alexandre de Moraes, que adotou o mesmo tom. Para algumas pessoas, isso poderia apontar uma banalização do processo. No entanto, Serrano afirmou que a postura do ministro está correta dentro de uma lógica de reforçar a legitimidade do processo. 

 

"Eu acho que ele está certo. Eu acho que quando o 'Xandão' pega leve nessas coisas, ele acerta no alvo. Veja, está sendo filmado por isso mesmo. Qualquer fala mais dura dele pode ser usada depois para falar que ele foi parcial", disse Serrano. "Eu acho que é melhor moderar do que ser mais duro", defendeu. 

 

Serrano esclareceu que, como juiz, exercendo o poder de polícia, Moraes não pode permitir que vire bagunça, mas que as "piadinhas" de Bolsonaro não interferem em nada no curso do processo. "E se o Alexandre entra no jogo, resolve dar uma dura no Bolsonaro, isso pode prejudicar", destacou. 

O jurista voltou a destacar que seu maior receio nesse processo é que haja um discurso sobre perda de legitimidade após a decisão final, que deve ser pela condenação dos réus. "Esse processo não acaba no dia da decisão. A gente tem que entender - aí é uma outra questão que não é de justiça, é política - é que vai haver um backlash, ninguém duvida disso", afirmou Serrano.  

Diante disso, o jurista defendeu que o campo progressista precisa ter um "discurso forte de legitimação do processo e da decisão quando houver essa reação". "Porque eu acredito, pelo que estou vendo das provas, que a maioria ali vai ser condenada a penas graves. E vai ser condenada com razão, de uma forma legítima", acrescentou. 

"Até agora eu não vi motivos para divergência, eu não vi motivo para falar que o processo não foi legítimo, não foi correto. Se tem críticas a elementos autoritários do processo, na realidade é uma crítica que deveria ser dirigida a todo o sistema de justiça brasileiro", declarou Serrano. 

O jurista esclareceu que o Supremo é a a corte "menos abusiva no sistema". "Se alguém acha abusivo alguma coisa lá, vai ver como funciona o Tribunal de Justiça de São Paulo e de outros estados no campo criminal, para daí falar alguma coisa", disse. 

Lideranças devem ser condenadas a penas graves

Em relação às penas que devem ser aplicadas aos réus em caso de condenação, Serrano afirmou que todas as lideranças devem receber penas graves, de cadeia. "A impressão que me deu é que há farta prova para condenar todas as lideranças desse processo e condenar a penas graves. Estou falando de cadeia, não estou falando de tornozeleira, por exemplo. As lideranças, pelo menos, cadeia mesmo", afirmou. Para Bolsonaro, talvez ele consiga uma prisão domiciliar devido à idade avançada. 

Serrano argumentou que a condenação a penas graves deve simbolizar um recado da sociedade e das instituições democráticas de que práticas violentas e extremistas contra a democracia não serão aceitas. "É deixar para a História, para o nosso neto saber, que quem faz isso é bandido, gente que é condenada pela justiça criminal a penas graves".

O jurista defendeu que a posição da justiça brasileira tem que ser clara, comprovando a observância do devido processo e a produção absolutamente legítima de provas, inclusive independentemente de qualquer delação.

 

"Ou seja, instrumentos absolutamente legítimos de obtenção de prova. E há farta prova. Farta prova de que houve no Brasil uma tentativa de golpe, de que houve no Brasil o uso, para essa tentativa de golpe, de uma organização criminosa armada e de que houve, obviamente, dano ao patrimônio público", declarou Serrano. 

Assinatura da minuta de golpe

Serrano também avaliou o discurso bolsonarista que tem viralizado nas redes de que a minuta do golpe não foi assinada por Bolsonaro, e que isso seria uma comprovação de que não houve tentativa de golpe. O jurista relatou que, do ponto de vista técnico e jurídico, a assinatura "pouco interessa". 

"Ela [a minuta] é usada hoje como um dos indícios, um dos elementos de prova que você tem de que Bolsonaro tentou um golpe. Então, não é muito relevante que ela tenha sido assinada ou não. O relevante é que tenha circulado, que ele [Bolsonaro] sabia, que ele estimulou a produção daquela minuta, que ele dialogou sobre ela com chefes, com comandantes", explicou Serrano. O jurista explicou que o conjunto de todos esses fatos é que comprovam a tentativa do golpe. "Tudo isso é um conjunto, não só a minuta isolada, é um conjunto de fatos e de depoimentos". 

Estratégia covarde

Por fim, Serrano também avaliou a postura de Bolsonaro durante o depoimento, que foi chamada de "covarde" até mesmo por seus apoiadores. O jurista afirmou que há uma estratégia jurídica bem orientada por trás do comportamento "moderado" do ex-presidente. 

No entanto, o que o jurista chamou atenção é para a "postura afetiva desse novo fascismo". "A postura afetiva desses caras é a postura do cara que faz bullying. O cara que faz bullying – eu lembro quando era menino, todo mundo sofreu um pouco disso – o cara que faz bullying é sempre um covarde", afirmou Serrano. 

O jurista acrescentou que não consegue ver em Bolsonaro o mesmo caráter do presidente Lula, que se submeteu à decisão da Justiça, se entregou e ficou preso "na maior dignidade, alegando corretamente que era uma fraude, uma perseguição política o que estavam fazendo com ele". "Mas ele encarou a bronca e saiu pela porta da frente, concorreu a presidente, ganhou a eleição, deu uma lição para a História", afirmou Serrano. 

Já Bolsonaro é "essencialmente um covarde", disse o jurista, que age como o cara que pratica bullying, que na hora que é enfrentado se amedronta. "Ele é feito para subjugar o fraco, essa gente é feita para fazer humor contra o fraco, para dar risada de fraco, gente que está enfraquecida no processo social, não encara gente que olha no olho deles".

"São covardes, por isso que são tão totalitários, por isso que são tão perversos, tão desumanos", afirmou. "Então, quando a gente fala contra o fascismo, não é só porque eles têm uma ideologia, é porque é gente menor, são seres humanos menores como humanidade".

Nesse sentido, Serrano disse que não acredita que a postura "covarde" de Bolsonaro vai fazer com que ele perca apoiadores, pois quem o apoia segue a mesma conduta. "Por que alguém vira ativista do bolsonarismo? Porque quer virar um pequeno tiranete", disse o jurista. 

"Porque quer ser um pequeno praticante de bullying contra seus filhos, sua mulher, seus amigos, no ambiente que está inserido. Para mim, não é gente que muda muito o caráter. Então, é gente que não vai se importar com isso em relação ao Bolsonaro. Não é gente que está preocupada com valores morais e humanos", avaliou. 

 

"É gente que quer um tirano no poder para poder ser um pequeno tirano nas suas relações pessoais. Então, eu não espero muita coisa do Bolsonaro, mas, francamente, também não espero nada de quem o apoia. Acho que não vão deixar de apoiar por ver que o seu líder tem déficit de caráter, porque eles também têm. Aliás, eles apoiam esse líder por conta desses déficits de caráter", finalizou Serrano. 

Confira a entrevista completa do jurista Pedro Serrano ao Fórum Onze e Meia

Siga o perfil da Revista Fórum e da jornalista Júlia Motta no Bluesky.

Reporte Error
Comunicar erro Encontrou um erro na matéria? Ajude-nos a melhorar