TRAMA GOLPISTA

Marcelo Uchôa: "Bolsonaro desrespeitou liturgia do STF com piadinhas"

Doutor em Direito Constitucional destaca covardia de ex-presidente em minimizar julgamento sobre tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, ocorrido e incentivado pelo seu governo

Jair Bolsonaro diante de Alexandre Moraes no julgamento da trama golpista.Créditos: Gabriela Biló/Folhapress
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O jurista mestre e doutor em Direito Constitucional Marcelo Uchôa participou do Jornal da Fórum desta terça-feira (10) para comentar o segundo dia do julgamento histórico da trama golpista no STF, que contou com o julgamento de Jair Bolsonaro, do ex-comandante da Marinha Almir Garnier, do ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do Distrito Federal Anderson Torres, do ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional Augusto Heleno, do ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira, e do general de Exército e ex-ministro de Bolsonaro Walter Braga Netto.

Segundo Uchôa, o ex-presidente feriu a liturgia do tribunal, transformando um momento crucial para história do Brasil em uma mera “brincadeira”. O jurista destacou o absurdo com que o ex-presidente abordou as acusações de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito e tentativa de golpe de Estado.

“Eu achava até que ele fosse ficar calado, mas ele brincou e convidou Alexandre de Moraes pra ser vice dele. Ele brincou dizendo que está usando o dinheiro do Pix, que ele não pediu, mas a galera deu, e ele está dando para o filho dele. Rapaz, isso é sério”, pontuou.

Em outra entrevista dada à Fórum, o advogado tinha destacado que Bolsonaro "sabe que toda vez que ele abre a boca, ele fala besteira". "É  o principal agente da própria destruição", afirmou. Leia mais aqui. A análise desta terça (10) por Uchôa enfatiza a desconexão de Bolsonaro com a gravidade da situação.

“Esse cidadão é tão estúpido que ele não entendeu a seriedade do que está acontecendo. Nós estávamos ali assistindo no Banco dos Réus uma série de militares acusados de golpe de Estado, tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, e esse cidadão ali com aquela cara de pau, fazendo brincadeirinha jocosa, como se não tivesse uma coisa excepcional acontecendo no país”

O jurista ressalta que, apesar do tom descontraído do ex-presidente, a investigação é robusta, com “minuto, anotação, fato público, testemunha, uma série de outras coisas robustas que demonstram que esses caras estavam com o papo furado.” Ele mencionou o depoimento do ex-ministro da Defesa, Paulo Sérgio, que tentou "se esquivar da responsabilidade sobre o golpe, até covardemente", e prossegue "porque se ele era o ministro da Defesa, participava em todos os atos, conversava com todo mundo, como é que esse homem não podia saber do que estava acontecendo?"

"E o cara gargalhando no plenário, no banco dos réus, do plenário da primeira turma do Supremo Tribunal Federal. Então assim ele não tem respeito por liturgia nenhuma de nenhum tipo. O cara é aquela fossa séptica a céu aberto que todo mundo tá vendo", comenta ainda o jurista sobre o depoimento de Bolsonaro.

Covarde, Bolsonaro tentou 'malandragem' em julgamento

Muitos questionaram a "passividade" do ministro Alexandre de Moraes durante o depoimento de Bolsonaro. Marcelo Uchôa esclarece que, em um julgamento, não é função do juiz contraditar o réu. "O réu, na verdade, vai falar o que ele tem para falar. Inclusive, ele tem o direito constitucional de mentir, e o juiz não vai desmenti-lo."

Uchôa defende que a postura de Moraes foi uma estratégia calculada. "Quando o Bolsonaro chama ele pra ser vice, quando o Bolsonaro conta que porque levou água pro Nordeste, quando as pessoas falam tudo isso, isso não conta pra defesa técnica daquela pessoa em relação ao crime que ela está sendo acusada. Então, para o Alexandre de Moraes foge da questão técnica, é uma questão de malandragem."

"Ele tornou, objetificou, digamos assim, o adágio popular ‘dar corda para alguém se enforcar’. Quando ele permite aquele monte de abobrinhas, ele, na verdade, permite que o cara não faça uma defesa coerente em relação àquilo que ele está sendo acusado, e se você não fizer uma defesa coerente, não apresentar nada, você vai se estrumbicar no final e vai ser condenado", completa.

Além disso, o jurista apontou a politização do processo: "Ele não ia interrompê-lo ou cerceá-lo, porque o que mais o grupo bolsonarista quer é acusá-lo de cercear o direito de expressão de defesa do Bolsonaro. Ele deixa com a vontade, meu amigo, faça o que você quiser. Porque o que vale para o processo é o que você diz em sua defesa. Com provas, com evidências, com argumentos."

'Militares em cargos civis é erro brutal, são despreparados'

Para Marcelo Uchôa, o depoimento de Bolsonaro e dos militares só provou o que já se sabia: um "erro brutal" colocar militares em cargos civis. "Vocês viram como aquelas pessoas são despreparadas, rapaz? Aquelas pessoas, quando falavam o que eles estavam fazendo nas suas funções civis, ninguém conseguia dizer coisa com coisa."

De acordo com o advogado, a condenação de Bolsonaro e outros envolvidos é inevitável e necessária. “A situação do Bolsonaro, ele vai ser condenado por justiça e tomara que seja por outras coisas. Porque nós estamos falando aqui da tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, da tentativa de golpe. Mas tem Covid, tem joia, tem um monte de coisa, rapaz. Tem que buscar esse cidadão aí. Esse homem tem que ser preso logo, pra gente passar adiante para prender os outros.”

Confira a entrevista completa de Marcelo Uchôa à Fórum

Palanque no STF com depoimento político, confuso e desconexo

Jair Bolsonaro (PL), irritado com a decisão do ministro Alexandre de Moraes de não permitir que ele utilizasse uma série de vídeos durante sua oitiva na Primeira Turma do STF, abriu seu interrogatório na tarde desta terça-feira (10) com um discurso confuso e desconexo, mantendo claramente um tom beligerante e notoriamente político, como mostra essa matéria da Fórum.

Já nas perguntas sobre sua identificação, o ex-presidente se negou a dizer onde mora “por ser pessoa pública e por razões de segurança”. No primeiro questionamento em relação ao processo, aproveitou seu direito de falar para elencar uma fantasiosa sequência de benfeitorias de seu mandato, citando “água para o Nordeste”, “fim da corrupção”, “montagem de um ministério técnico”, entre outros “exemplos”, embora seu governo tenha ficado conhecido pela inação administrativa, ações extremistas e negacionistas, integrantes completamente inaptos para os cargos ocupados e inúmeros escândalos de ilegalidade.

Ainda que Moraes pudesse interrompê-lo por estar falando sobre coisas sem nenhuma relação com a acusação que pesa contra ele, o ministro deixou o líder extremista à vontade para reverberar suas chorumelas. Durante todo o depoimento até o momento, Bolsonaro segue falando de “esquerda” e utilizando nomes como o de Flávio Dino, Lula, Dilma Rousseff e outras personalidades políticas e públicas que ele identifica como “comunistas” em suas manifestações direcionadas à bolha sectária da extrema direita.

Nas questões subsequentes, o ex-presidente ainda insistiu na tese amalucada de fraude eleitoral e seguiu citando adversários políticos em tom pejorativo, ainda que essas pessoas não tenham qualquer conexão com a ação penal em julgamento.

LEIA MAIS: Bolsonaro faz palanque no STF com depoimento político, confuso e desconexo

Assista o segundo dia completo do julgamento dos golpistas no STF:

 

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