FASCISMO BOLSONARISTA

"Trenzinho da Anistia": PSOL entra com ação no STF para barrar manobra que livra Bolsonaro

Bolsonaro e militares, como os generais Augusto Heleno e Walter Braga Netto, seriam beneficiados com a manobra em cima da "imunidade" de Ramagem. Decisão será comunicada ao STF.

Jair Bolsonaro e Malafaia em ato em Brasília e Hugo Motta com Ramagem e Sóstenes Cavalcante na Câmara.Créditos: Divulgação Silas Malafaia / Bruno Spada Câmara dos Deputados
Escrito en POLÍTICA el

A bancada do PSOL vai ingressar com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quinta-feira (8) contestando a aprovação da manobra, aprovada por 315 deputados, do pedido que pretende sustar a ação penal contra Jair Bolsonaro (PL) e a organização criminosa golpista.

O anúncio foi feito pelas redes sociais logo após a aprovação do pedido, protocolado pelo PL de Valdemar da Costa Neto, para suspender a tramitação da ação contra o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), um dos réus do julgamento do núcleo crucial da quadrilha golpista. 

No entanto, uma manobra feita no texto estende a suspensão do "andamento da ação penal contida na Petição 12.100, em curso no STF, em relação a todos os crimes imputados”.

Com isso, Bolsonaro e militares, como os generais Augusto Heleno e Walter Braga Netto, seriam beneficiados com a decisão, que será comunicada ao STF nesta quinta-feira (8).

Em discurso na Câmara, a deputada Fernanda Melchiona (PSOL-RS) afirmou que "estamos vivendo um dos momentos mais graves da Câmara dos Deputados".

"Vocês, uma parte do trenzinho da Anistia, a chincalham, apequenam e rasgam a Constituição Federal do Brasil. Aqueles e aquelas que querem transformar essa suspensão no trenzinho da Anistia para os golpistas do 8 de janeiro não honram o mandato parlamentar", disparou.

"E, presidente Hugo Mota, essa responsabilidade também é sua. Imunidade parlamentar não é impunidade parlamentar. Um parlamento de investigar adversários políticos, o que acontece aqui é que os golpistas de ontem e de hoje querem pegar uma carona e anistiar núcleos que comandaram a tentativa de golpe do 8 de janeiro. Mas vocês querem fazer política para a base radicalizada da extrema direita, que é a crise institucional com o Supremo Tribunal Federal, aplaudindo discursos contra as liberdades democráticas, desonram aqueles que lutaram pela Constituição", emendou.

Comemoração

"Tá suspenso! Ninguém prende Bolsonaro até o final de 2026!". Foi desta maneira que bolsonaristas, como o deputado Gustavo Gayer (PL-GO), comemoraram a aprovação do pedido.

O texto aprovado pela Câmara susta o andamento da ação penal no STF contra o deputado Alexandre Ramagem por tentativa de golpe de Estado. 

No entanto, o requerimento – apresentado pelo PL e relatado pelo deputado Alfredo Gaspar (União-AL) – foi redigido de maneira genérica. Em vez de dizer que o processo deve ser suspenso apenas no caso de Ramagem e apenas em relação aos crimes que ele teria cometido depois que virou deputado, o texto afirma que está suspenso todo o processo e “em relação a todos os crimes imputados”.

Com isso, abre-se uma brecha para trancar não só parte do processo, mas toda a ação penal, incluindo os trechos que envolvem Jair Bolsonaro e outros aliados.

Por que isso é um golpe?
A Constituição Federal permite que a Câmara suste ações penais contra parlamentares em exercício, mas com limites claros: isso só vale para crimes cometidos após a diplomação do deputado ou senador.

No caso de Ramagem, o próprio STF já esclareceu que só dois dos cinco crimes atribuídos a ele poderiam ser paralisados –porque ocorreram depois de sua posse como deputado:

  • Dano qualificado ao patrimônio público
  • Deterioração de patrimônio tombado

Os outros três crimes, que envolvem diretamente a tentativa de golpe de Estado – organização criminosa armada, golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito – foram praticados antes de ele tomar posse. Por isso, não podem ser suspensos pela Câmara, segundo a interpretação já consolidada do STF.

Mesmo assim, o texto aprovado ignora esse limite e pede a suspensão total da ação penal, sem fazer qualquer distinção entre datas ou réus. Na prática, isso é uma tentativa de usar uma prerrogativa legítima do Legislativo para interferir em um processo criminal que atinge o próprio Bolsonaro.

Manobra para livrar Bolsonaro da cadeia

A redação do texto permite que bolsonaristas aleguem, futuramente, que o processo inteiro está suspenso, e não apenas a parte que envolve Ramagem. Isso cria uma brecha jurídica para paralisar as investigações contra Bolsonaro, mesmo que ele não tenha mandato parlamentar.

A ideia é simples: se a ação estiver suspensa até o fim do mandato de Ramagem, em 2026, o STF ficaria impedido de julgar Bolsonaro durante esse período – o que, na prática, funciona como um escudo contra qualquer responsabilização penal. Isso daria tempo ao ex-presidente para tentar uma nova candidatura e seguir com sua retórica de perseguição.

Câmara atropelou o STF e a Constituição
A votação foi feita às pressas, no mesmo dia em que o requerimento passou pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), sem qualquer debate aprofundado ou possibilidade de emendas. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), alegou “tempo exíguo” para justificar a velocidade da tramitação.

Mas o Supremo já havia se pronunciado sobre o caso. Em abril, o ministro Cristiano Zanin, ao notificar a Câmara sobre o recebimento da denúncia contra Ramagem, deixou claro que não é possível suspender os trechos da ação penal relativos à tentativa de golpe e aos crimes cometidos antes da posse parlamentar.

"O extrapolamento, onde se passa do ponto, é quando diz que a decisão do Poder Legislativo susta a ação em relação ao parlamentar e aos demais corréus. Isso não tem amparo na Constituição. O artigo 53, parágrafo 3.º, elencado, traz no início ‘recebida a denúncia contra deputado e senador’", afirmou o deputado Rubens Pereira Júnior (PT-MA) durante a sessão.

STF deve barrar

É provável que o STF barre o texto aprovado. A decisão da Câmara não tem efeito jurídico sobre os crimes que extrapolam os limites previstos pela Constituição. Mas o impacto político é evidente: parte significativa do Congresso está disposta a continuar o golpe por outros meios.

Reporte Error
Comunicar erro Encontrou um erro na matéria? Ajude-nos a melhorar
Carregar mais