A deputada bolsonarista Carla Zambelli (PL-SP) foi condenada à prisão e à cassação do mandato pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), na última quarta-feira (14), por crimes gravíssimos contra o Estado democrático de Direito, envolvendo a invasão dos sistemas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em parceria com o hacker Walter Delgatti.
Na denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República, Paulo Gonet afirma que Zambelli foi a autora intelectual da invasão e contratou Delgatti para executar o crime, com objetivo de inserir nos sistemas do CNJ um mandado de prisão falso e em aberto contra o ministro Alexandre de Moraes, do STF, entre outras manipulações ilegais.
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O PGR relacionou os crimes à incitação de atos antidemocráticos e escreveu que eles foram cometidos visando a obtenção de “vantagem midiática e política” e “com o fim de prejudicar a credibilidade e o regular funcionamento do Poder Judiciário”.
Gonet avaliou que os crimes foram de “gravidade acentuada”, pois tiveram “o propósito espúrio de tentar colocar em dúvida a legitimidade e a lisura da administração da Justiça, como estratégia para incitar a prática de atos antidemocráticos e tentar desestabilizar as instituições republicanas".
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De forma unânime, os ministros da Primeira Turma decidiram condenar a deputada bolsonarista a 10 anos de prisão em regime fechado, inelegibilidade com base na Lei da Ficha Limpa e pagamento de R$ 2 milhões por danos morais e coletivos.
Mas, afinal, o que acontece agora?
Enquanto a parlamentar dramatiza em entrevistas e seu partido tenta tumultuar o processo constitucional, o caso segue os trâmites jurídicos finais no STF. Para entender os próximos passos, Fórum entrevistou o advogado Israel Filipe Fonseca Rosa, especialista em Direito Penal, que respondeu às principais perguntas sobre o caso. Confira abaixo.
Zambelli pode ser presa imediatamente?
Não. Apesar da sentença, a prisão não será imediata. Como explica o advogado Israel Rosa:
“Enquanto houver possibilidade de recurso, Zambelli tem o direito de permanecer em liberdade, amparada pelo princípio constitucional da presunção de inocência que vigora até o trânsito em julgado. Conforme o entendimento atual do STF, a pena só pode ser executada após o trânsito em julgado, ou seja, apenas quando não couber mais nenhum recurso contra a condenação.”
Até lá, mesmo condenada, a deputada pode seguir normalmente no mandato, salvo se houver medidas cautelares decretadas ou cassação por parte da Câmara.
Há como reverter a decisão do STF?
Na prática, não. A condenação foi unânime e, segundo o advogado, não cabe recurso capaz de alterar esse quadro:
“Cabe à defesa de Zambelli a possibilidade de apresentar embargos de declaração após a publicação do acórdão. Esse tipo de recurso serve para esclarecer pontos obscuros, omissões ou contradições no julgado, mas não tem o poder de reverter ou alterar a condenação – seus efeitos práticos se restringem a adiar o trânsito em julgado.”
Portanto, a decisão deve ser confirmada após essa fase e seguir para execução.
A Câmara dos Deputados pode impedir a cassação?
A tentativa do PL de blindar Zambelli é inconstitucional, segundo o entendimento atual do STF, que indica que a cassação do mandato ocorre de forma automática após o trânsito em julgado:
“O entendimento consolidado do STF é de que a perda do mandato, nesses casos, opera-se de forma automática, em razão da suspensão dos direitos políticos do condenado. [...] A Mesa Diretora da Câmara apenas formaliza a declaração de vacância do cargo.”
Ou seja, diferentemente do que vocifera o líder do PL, Sóstenes Cavalcante, não há prerrogativa do plenário da Câmara para reverter o processo após decisão judicial transitada em julgado.
O que falta para que Zambelli vá para a cadeia?
A execução da pena e a prisão da deputada só podem ocorrer após o trânsito em julgado da sentença, quando não couber mais nenhum recurso, como detalha o especialista:
“Concluído o julgamento desses embargos, e não sendo cabível nenhum outro recurso, haverá o trânsito em julgado da condenação. A partir de então, o STF poderá emitir o mandado de prisão para início da execução da pena privativa de liberdade em regime fechado, e notificará a Câmara dos Deputados para que formalize a perda do mandato.”
Nesse momento, Zambelli deixará o cargo e passará a cumprir todos os efeitos da condenação, incluindo a prisão.
Zambelli ainda pode se candidatar?
Não. Após o trânsito em julgado, a deputada estará automaticamente inelegível por oito anos, como determina a Lei da Ficha Limpa. Isso significa que ela não poderá disputar eleições, nem mesmo em 2030, salvo mudança na legislação ou revisão judicial improvável.
“A condenação criminal em órgão colegiado também torna a parlamentar inelegível por 8 anos, conforme a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº 135/2010). Esse efeito de perda dos direitos políticos igualmente só se aplicará após o trânsito em julgado da condenação.”
Por que o caso é tão grave?
Zambelli foi condenada por crimes de falsidade ideológica, invasão de sistemas públicos e associação com atos antidemocráticos. O STF considerou que as ações dela tiveram como objetivo "colocar em dúvida a legitimidade e a lisura da administração da Justiça, como estratégia para incitar a prática de atos antidemocráticos e tentar desestabilizar as instituições republicanas”.
Além disso, Zambelli teria ordenado que Delgatti inserisse no sistema do CNJ um mandado de prisão falso contra o ministro Alexandre de Moraes, numa tentativa de golpe institucional digital sem precedentes.
E as doenças alegadas por Zambelli podem evitar a prisão?
Durante coletiva de imprensa, a deputada alegou ter doenças como depressão e Síndrome de Ehlers-Danlos, afirmando que morreria na cadeia se fosse presa.
“Não me vejo capaz de ser cuidada da maneira como eu devo ser cuidada [...]. Eles [médicos] são unânimes em afirmar que eu não sobreviveria na cadeia", declarou.
Tais declarações, que soam mais como estratégia de vitimização do que argumento jurídico, não têm peso legal automático para evitar a prisão. Cabe à defesa requerer medidas alternativas, que serão analisadas judicialmente. Até o momento, não há qualquer decisão que suspenda a pena por razões de saúde.
O que acontece agora?
O caso segue para a publicação do acórdão, abrindo prazo para os embargos de declaração. Finalizada essa fase, a condenação será definitiva, e o STF poderá emitir o mandado de prisão e determinar a perda do mandato, conforme explica o advogado Israel Rosa:
“Na sequência, será convocado o suplente da coligação para assumir a vaga no Congresso, e Carla Zambelli passará a cumprir integralmente os efeitos da condenação, inclusive no tocante à suspensão dos direitos políticos e inelegibilidade.”
Conclusão
A condenação de Carla Zambelli não é apenas um caso jurídico, mas um divisor de águas na responsabilização de parlamentares por ataques à democracia. Enquanto a extrema direita tenta transformar a deputada em mártir, o STF reafirma os limites da atuação parlamentar frente à Constituição. O caso agora segue para sua fase final — e tudo indica que Zambelli deverá, sim, ser cassada, presa e afastada da vida pública.