Integrante da primeira turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que julga a organização criminosa golpista, Luiz Fux pôs um fim aos anseios de Jair Bolsonaro (PL) de se livrar da prisão em seu voto, de menos de uma página, no caso Alexandre Ramagem (PL-RJ), uma manobra tentada via Câmara para o ex-presidente pegar carona na imunidade do deputado, que chefiou a Agência Brasileira de Informação (Abin) em seu governo.
ENTENDA: STF mantém Ramagem réu por golpe e enfrenta a Câmara
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Após mostrar certa divergência em relação a Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, Fux foi bajulado por Bolsonaro e aliados, como Silas Malafaia, que tentavam cooptar o ministro para evitar uma condenação unânime - que impede recurso ao plenário - no julgamento do ex-presidente e da quadrilha golpista.
Em publicação nas redes, Silas Malafaia usou o voto de Fux, que pediu um ano e meio de prisão à Débora do Batom, para bajular o ministro.
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"Vamos à condenação injusta, esdrúxula e vergonhosa de Débora há 14 anos de cadeia. Alexandre Moraes, 14 anos. O seu comparsa Flávio Dino, também deu 14 anos. A outra, que não sabe nem onde tá o nariz, Carmem Lúcia, 14 anos. Zanin, 11 anos. E Fux, para desmascarar essa farsa, deu um ano e meio", disse Malafaia, dando início à estratégia.
"Agora escutem, escutem. A única coisa que ela podia ser enquadrada, Deterioração do patrimônio. O que o Fux fez, dando a ela um ano e meio. Pra que ela não ficasse presa, porque ela tá lá há mais de dois anos. E esse caso, deterioração do patrimônio, é primeira instância. Não é STF", emendou.
No entanto, o próprio Fux, em 6 de maio, começou a se livrar da pecha de "bolsonarista" na sessão da primeira turma.
“Em razão da nossa amizade, em razão da nossa convivência, eu respeito as posições do ministro Alexandre, como também tenho certeza que ele respeita as minhas posições de divergências. Na verdade, o que há aqui não é discórdia, é dissenso. Então, se alguma coluna apurou que estou para fazer alguma frente ao ministro Alexandre de Moraes, apurou muito mal”, disse Fux sobre as especulações de um racha contra Moraes.
Em seu voto que enterrou a decisão da Câmara sobre o "trem da Anistia" no caso Ramagem, Fux foi sucinto ao acompanhar integralmente o voto do relator. Moraes indicou que seja suspensa a ação penal somente no que diz respeito a crimes cometidos por Ramagem antes da diplomação.
"In casu, considerando que a denúncia abrange a prática, em tese, de infrações penais cometidas antes e depois da diplomação do réu como Deputado Federal, a prerrogativa institucional da Câmara dos Deputados para a suspensão da ação penal só pode alcançar, pela literalidade do texto constitucional, os crimes supostamente ocorridos após a diplomação", escreveu Fux, seguido de um "ex positis, acompanho o Ministro relator".
Voto do relator
Relator da ação penal, Moraes afirmou que o ofício enviado pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), ao Supremo para comunicar a suspensão da ação penal, deve ser interpretado à luz das regras constitucionais que autorizam a medida.
Isso porque o documento enviado pela Câmara não especifica se a suspensão da ação penal se refere somente ao trecho sobre Ramagem ou aos crimes posteriores à diplomação dele como deputado federal.
Essa é o entendimento restritivo, contudo, que deve ser adotado pelo Supremo ao cumprir a determinação da Câmara, votou Moraes. O ministro destacou o “caráter personalíssimo” da medida prevista no Artigo 53 da Constituição, que dá aos parlamentares o poder de suspender ações penais contra membros do Congresso.
“Os requisitos do caráter personalíssimo (IMUNIDADE APLICÁVEL SOMENTE AO PARLAMENTAR) e temporal (CRIMES PRATICADOS APÓS A DIPLOMAÇÃO), previstos no texto constitucional, são claros e expressos, no sentido da IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DESSA IMUNIDADE A CORRÉUS NÃO PARLAMENTARES E A INFRAÇÕES PENAIS PRATICADAS ANTES DA DIPLOMAÇÃO”, enfatizou o ministro no voto escrito.
Além de Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin seguiram integralmente o voto de Moraes.
Flávio Dino abriu pequena divergência, pedindo o desmembramento dos crimes imputados após a diplomação "até 31/01/2027 (quando termina o mandato de Ramagem) ou até nova deliberação do STF". Ou seja, diante de nova decisão do STF, esses casos voltariam a ser julgados na corte.
Entenda
Os ministros analisam uma questão de ordem sobre a suspensão da Ação Penal 2.668, que tem como alvo, além de Ramagem, o ex-presidente Jair Bolsonaro, apontado como líder de uma trama golpista que teria atuado de junho de 2021 a 8 de janeiro de 2023 e cujo objetivo era mantê-lo no poder mesmo em caso de derrota nas eleições de 2022.
Segundo a denúncia, Bolsonaro e seus cúmplices pretendiam impedir a posse do então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, que seria assassinado junto com então vice-presidente eleito Geraldo Alckmin e também o próprio Moraes.
Também são réus na mesma ação penal militares que foram da alta cúpula do governo Bolsonaro, bem como outros assessores diretos do ex-presidente, todos integrantes do que seria o núcleo “central” do complô, responsável por conceber e colocar em marcha o plano golpista.
Ao todo, 34 pessoas foram denunciadas pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, por envolvimento no golpe de Estado fracassado. Com a autorização da Primeira Turma, a denúncia foi fatiada em diferentes núcleos, com processos e tramitação próprios, de modo a agilizar o julgamento do caso.
Todos são acusados pelos mesmos cinco crimes: organização criminosa armada; tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; dano qualificado pelo emprego de violência e grave ameaça; e deterioração de patrimônio tombado. Somadas, as penas podem superar os 30 anos de prisão.
O Supremo já aceitou, por unanimidade, os trechos da denúncia que envolve o núcleo 1 (núcleo central), núcleo 2 (ações para operacionalizar o plano golpista) e núcleo 4 (ações estratégicas de desinformação), tornando réus 21 dos denunciados.
O julgamento sobre o recebimento da parte da denúncia relativa ao núcleo 3 da trama (ações táticas) está marcado para os dias 20 e 21 de maio.