Um agente da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) afirmou à Polícia Federal (PF) que foi forçado a transportar três relógios de luxo do Catar para o Brasil, com a missão de entregá-los ao então diretor da agência durante o governo Bolsonaro, Alexandre Ramagem. O episódio, segundo o servidor, ocorreu em uma missão oficial e foi determinado por uma assessora ligada diretamente ao ex-diretor.
A declaração, revelada pelo jornalista Aguirre Talento, do portal UOL, faz parte do inquérito que investiga a existência de uma "Abin paralela" durante o governo de Jair Bolsonaro. A investigação está em sua fase final e mira tanto o suposto uso político da agência quanto irregularidades em contratos e na gestão de presentes institucionais.
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Relógios de luxo e constrangimento
De acordo com o depoimento obtido pela PF, o agente relatou ter sido "constrangido" por uma assessora de Ramagem para transportar os itens de alto valor. “Em uma das viagens, o declarante foi constrangido a trazer um presente do Catar para Ramagem”, dizem os investigadores. Os três relógios de luxo seriam o presente em questão.
O servidor não detalhou os modelos dos relógios nem explicou como os objetos foram introduzidos no Brasil, o que levanta a possibilidade de infração aduaneira e sonegação fiscal, caso não tenham sido devidamente declarados.
Ramagem nega irregularidade
A defesa de Alexandre Ramagem se manifestou afirmando que os relógios “foram recebidos, catalogados pela Abin e encaminhados ao museu da instituição”. No entanto, a Polícia Federal busca comprovar essa versão com documentos oficiais da agência, incluindo registros de entrada de bens.
A suspeita é de que os itens possam ter sido desviados para fins pessoais. Se comprovado, o episódio pode reforçar as acusações de uso indevido da estrutura estatal por parte de integrantes da antiga gestão da Abin.
Através das redes sociais, Ramagem disse que matéria do portal UOL sobre o depoimento do servidor da Abin traz uma "manchete tendenciosa" e prometeu processar o veículo.
"Uma manchete difamatória, na tentativa de criar ilegalidade. Relógios ou joias recebidos foram catalogados e encaminhados ao museu da Abin. A própria reportagem traz essa informação. Houve procedimento SEI, parecer respectivo e inclusão no acervo. Simples comprovação. A ABIN possui museu interno em Brasília. A perseguição política e o jornalismo militante estão destruindo o Estado Democrático no Brasil. Vou processar", escreveu.
Suspeitas de favorecimento e destruição de provas
Além das joias, a investigação também apura ligações entre funcionários nomeados por Ramagem e uma empresa contratada pela Abin. Há indícios de que servidores tenham recebido pagamentos irregulares enquanto exerciam funções dentro da agência.
Outro alvo da PF é o atual diretor da Abin, Luiz Fernando Corrêa, que será ouvido nesta quinta-feira (17). Corrêa é investigado por suspeita de ter autorizado a destruição de provas que poderiam comprometer a gestão anterior.
Entenda o caso da "Abin Paralela"
A Polícia Federal investiga a chamada "Abin Paralela", um esquema suspeito de utilizar a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para espionagem ilegal e monitoramento político durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. As investigações foram desencadeadas após denúncias de que a Abin teria sido instrumentalizada para fins políticos e de espionagem pessoal.
As investigações começaram em 2023, no âmbito das operações "Última Milha" e "Vigilância Aproximada". A PF descobriu que a Abin utilizou um software espião chamado First Mile, desenvolvido pela empresa israelense Cognyte, para monitorar ilegalmente diversas pessoas, incluindo políticos, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e outras figuras públicas.
A principal acusação é que a Abin foi utilizada para proteger aliados do governo Bolsonaro e monitorar adversários políticos. Entre os monitorados estavam o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, a ex-deputada Joice Hasselmann, e os ministros do STF, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes. Além disso, foi identificado que a promotora do caso Marielle Franco também foi alvo de monitoramento ilegal.
Até o momento, dois agentes da Abin foram presos e cinco dirigentes da agência foram afastados. Alexandre Ramagem, que foi diretor da Abin durante a gestão Bolsonaro e é próximo da família do ex-presidente, está entre os principais investigados. Ramagem teria coordenado a utilização do software espião para fins ilícitos e chegou a ser alvo de busca e apreensão da PF. Mandados de busca e apreensão também foram realizados em propriedades ligadas a Carlos Bolsonaro, filho do ex-presidente.
A investigação da PF revelou mais de 60 mil consultas feitas pelo software First Mile, muitas delas durante o período eleitoral de 2022.