Em depoimento à Polícia Federal (PF), o general Carlos Alberto Santos Cruz, ex-ministro-chefe da Secretaria de Governo de Jair Bolsonaro (PL), e o filho dele, Caio Santos Cruz, afirmaram que Carlos Bolsonaro (PL-RJ) seria o elo do clã com israelenses da empresa que fabrica o software FirstMile, que está no centra das investigações da chamada Abin Paralela.
O órgão, montado durante a gestão de ALexandre Ramagem (PL-RJ) na Agência Brasileira de Inteligência (Abin), teria sido estruturado para monitorar e perseguir opositores e críticos do clã, além de levantar informações que serviram, entre outros, para a defesa de Flávio Bolsonaro (PL-RJ) no caso de corrupção das "rachadinhas".
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Caio, que representava no Brasil a empresa israelense Cognyte, responsável pelo fornecimento do software espião, teria dito à PF que integrantes do clã se reuniram com os israelenses antes mesmo de Bolsonaro assumir a Presidência. As informações são da Folha de S.Paulo.
Em 29 de janeiro deste ano, Carlos Bolsonaro foi alvo de busca e apreensão da Operação Última Milha, que investiga a Abin Paralela.
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Segundo a PF, o filho "02" de Bolsonaro integrava o núcleo político da organização criminosa, que rastreou até mesmo ministros do governo Bolsonaro.
Arapongagem
Criado em julho de 2020, o Centro de Inteligência Nacional (Cin), subordinado à Agência Brasileira de Informação (Abin) comandada por Ramagem, atuava como o "sistema particular" de arapongagem do clã Bolsonaro no coração do governo.
Antes de ser oficializada, a "Abin paralela" chegou a ser verbalizada por Bolsonaro na fatídica reunião ministerial de 22 de abril do mesmo ano, tornada pública em meio à briga judicial com o ex-ministro da Justiça, Sergio Moro (União-PR), que deixou o governo acusando o então presidente de interferência na PF.
Na reunião, Bolsonaro justificou as trocas de comando na corporação dizendo que "eu não vou esperar foder a minha família toda".
"Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira", afirmou, em um surto com os comandados.
Bolsonaro ainda reclamou: "Pô, eu tenho a PF que não me dá informações" e disse ter "poder e vou interferir em todos os ministérios, sem exceção".
Após as queixas por não obter dados sobre investigações em curso, o então presidente revelou que tinha um "sistema particular" de informações.
“O meu particular funciona. Os que têm oficialmente, desinformam. E voltando ao tema: Prefiro não ter informação do que ser desinformado por sistema de informações que eu tenho”, disse.
"Abin paralela"
As investigações da Polícia Federal mostram que o desejo de Bolsonaro se concretizou com o auxílio imprescindível de Ramagem, que teria montado uma "organização criminosa que se instalou na Abin com o intuito de monitorar ilegalmente autoridades públicas e outras pessoas, utilizando-se de ferramentas de geolocalização de dispositivos móveis sem a devida autorização judicial".
Apelidado de "Abin Paralela", o Centro de Inteligência Nacional (CIN) foi criado com a justificativa de monitorar “atividades e políticas de segurança pública e a identificação de ameaças decorrentes da atividade criminosa”.
Capitaneada por Ramagem, a estrutura de arapongagem usou o sistema FirstMile, que aglutinava dados em nuvem da empresa de Israel, para monitorar cerca de 30 mil políticos, autoridades, professores, pesquisadores, juristas e jornalistas críticos a Bolsonaro e que eram considerados como ameaças. Segundo a PF, os arapongas também invadiam em massa computadores de adversários políticos e de autoridades que não se alinharam a Bolsonaro.
Ramagem e o clã Bolsonaro
Formado em Direito, Ramagem entrou para a Polícia Federal (PF) em 2005 e, como delegado, se especializou no combate ao tráfico de drogas, antes de entrar para a equipe da PF que atuava na operação Lava-Jato no Rio de Janeiro, em 2017.
No posto, começou a se interessar pelo submundo da política e e coordenou a operação “Cadeia Velha” que prendeu a cúpula do MDB na Alerj: os ex-deputados estaduais Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi.
Após a vitória de Bolsonaro no segundo turno das eleições de 2018, Ramagem foi escalado para coordenar a segurança pessoal do presidente eleito, quando se aproximou de Carlos Bolsonaro.
A proximidade com o vereador - com quem passou o reveillon de 2018 para 2019 - fez com que Ramagem fosse alçado, em março como assessor da Secretaria de Governo, subordinado ao então ministro, o general Carlos Alberto Santos Cruz.
Enquanto montava o chamado Gabinete do Ódio no Palácio do Planalto, Carlos Bolsonaro ficou cada vez mais íntimo do delegado da PF.
À época, a instalação de uma "Abin paralela" já fazia parte dos planos do filho "02" de Jair Bolsonaro.
O desejo de Carlos Bolsonaro foi revelado em entrevista ao Roda Viva pelo ex-secretário geral da Presidência, Gustavo Bebianno, no dia 3 de março de 2020. Bebianno morreu 11 dias depois da entrevista.
Na ocasião, o ex-secretário geral da Presidência revelou que o filho de Bolsonaro articulava com "um delegado da PF" a montagem da Abin paralela logo nos primeiros meses de governo.
"Um belo dia o Carlos Bolsonaro aparece com um nome de um delegado federal e três agentes que seriam uma Abin paralela. Isso porque ele não confiava na Abin".
Ainda segundo o ex-secretário, ele e o general Santos Cruz afirmaram a Bolsonaro que eram contra a ideia.
"O general Heleno (chefe do gabinete Institucional da presidência) foi chamado. Ficou preocupado. Mas ele não é de confronto e o assunto acabou comigo e o general Santos Cruz. Nós aconselhamos o presidente a não fazer aquilo porque também seria motivo de impeachment. Eu não sei se isso foi instalado porque depois eu acabei saindo do governo".
Questionado se o delegado seria o atual diretor da Abin, Alexandre Ramagem, Bebianno preferiu não responder. “Eu lembro o nome do delegado. Mas não vou revelar por uma questão institucional e pessoal”, afirmou.
Na mesma entrevista, Bebianno revelou que Carlos Bolsonaro comandava o Gabinete do Ódio.
“Eu disse ao presidente que as notícias falsas não podiam estar dentro do Planalto porque poderiam dar em impeachment. Mas a pressão que o Carlos faz é tão grande que o pai não consegue se contrapor ao filho. É como aquela criança que quer um presente no shopping, esperneia e o pai não tem pulso para dizer não”, contou.
Gabinete do ódio e "Abin paralela"
Após se aproximar de Ramagem e em meio à tentativa de criar a "Abin paralela" para atuar junto ao Gabinete do Ódio, Carlos Bolsonaro instalou a primeira grande crise no Planalto.
O alvo era justamente o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, que se opôs aos planos do filho de Bolsonaro e foi demitido em 13 de junho de 2019.
Menos de um mês depois, Ramagem foi nomeado por Bolsonaro como diretor-geral da Abin e, sob o aval de Augusto Heleno, iniciou a instalação da Organização Criminosa que virou alvo da PF.
A investigação da PF segue a mesma linha de raciocínio exposta por Bebbiano e escancara a relação espúria com o clã Bolsonaro que fez Ramagem alavancar sua carreira política.
Cabe destacar alguns fatos que levam luz ao que Bebianno deixou de revelar com sua morte 11 dias após revelar a atuação de Carlos Bolsonaro no Gabinete do Ódio e dos planos de implantar, juntamente com Ramagem, uma Abin paralela.
Vamos a eles:
- O software FirstMile, usado pela "Abin Paralela", foi comprado com dispensa de licitação pelo general Walter Braga Netto no final de 2018, ainda durante o governo Michel Temer (MDB), quando o militar comandava o Gabinete de Intervenção Federal no Rio de Janeiro;
- A compra do software junto à empresa israelense Cognyte, que integra o grupo Veinrt Systems Inc e tinha como representante no Brasil Caio Santos Cruz, filho do general Santos Cruz;
- Segundo a PF, a estrutura foi montada para obter, entre outras informações, dados de investigações envolvendo os filhos de Bolsonaro, especialmente Flávio Bolsonaro - no caso do esquema de corrupção das "rachadinhas" - e de Jair Renan.
- Segundo as investigações, "o estado brasileiro, portanto, efetuou o pagamento de R$ 5 milhões para que empresa estrangeira realizasse ataques sistemáticos contra a rede de telefonia nacional para comercializar dados pessoais sensíveis que resultaram na disponibilização da geolocalização de diversos brasileiros sem qualquer ordem jurídica”.
- Presos, os agentes Rodrigo Colli e Eduardo Arthur Yzycky teriam coagido colegas que tinham conhecimento do suposto esquema de arapongagem para evitar uma possível demissão.
- Ainda de acordo com as investigações, Alexandre de Moraes era um dos alvos do sistema de arapongagem e a espionagem teria sido feita, inclusive, durante o período da pré-campanha eleitoral.