FORÇAS ARMADAS

Militares usam crise diplomática de Trump para pressionar por aumento do orçamento

Articulação no Congresso mira amplificação de recursos, usando cenário internacional como justificativa

Lula em ato que marcou o 25º Aniversário de criação do Ministério da Defesa.Créditos: Flickr / Ministério da Defesa
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Os militares brasileiros estão usando a tempestade política gerada por Donald Trump como um trampolim para ampliar seu espaço no orçamento federal. A justificativa? A suposta necessidade de maior autonomia militar diante da incerteza internacional. Mas, enquanto pressionam o Congresso para garantir mais verbas, os laços com os Estados Unidos seguem firmes e fortes, com condecorações, cursos e operações conjuntas fluindo como sempre.

O discurso pela ampliação de recursos das Forças Armadas ganhou ainda mais fôlego após as recentes declarações do ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, durante entrevista ao programa Roda Viva nesta segunda-feira (10). Segundo ele, "a despesa nossa é de apenas 1,1% do PIB", enquanto a recomendação da OTAN é de pelo menos 2% para países sem conflitos. Múcio também ressaltou que 80% do orçamento da Defesa é consumido pelo pagamento de pessoal, deixando pouco espaço para investimentos estratégicos.

A ofensiva no Congresso

Com um pé fincado dentro do Congresso Nacional, a estrutura de articulação das Forças Armadas tem monitorado e se aproximado de parlamentares estratégicos. A narrativa é clara: o Brasil precisa reforçar sua defesa devido às mudanças na política externa dos EUA, que podem impactar a segurança da América Latina. O discurso ganhou fôlego com o recente corte de ajuda militar à Colômbia e as ameaças de Trump contra aliados tradicionais, como Canadá e Dinamarca.

A estratégia tem como alvo a modernização de equipamentos de defesa, sistemas de mísseis táticos e investimentos em novas tecnologias. O timing também não é coincidência: a ainda está em discussão o orçamento de 2025, e as Forças Armadas querem garantir sua fatia antes que outras demandas do governo fechem o cofre. A assessoria parlamentar das Forças Armadas já mapeia quais deputados e senadores são mais propensos a apoiar os pedidos, realizando encontros informais para reforçar a urgência de investimentos na defesa nacional.

Múcio também destacou que a falta de apoio político é um dos principais entraves para garantir recursos para a Defesa. "Os grandes projetos militares, como os submarinos da Marinha, os caças Gripen e o setor cibernético do Exército, começaram nos governos Lula e Dilma. Mas agora o dinheiro acabou. A Defesa não recebe emendas parlamentares porque não dá voto", afirmou o ministro, ressaltando que os deputados preferem direcionar verbas para áreas de impacto imediato na população, como saúde e educação.

O outro lado: cooperação militar com os EUA segue inabalável

Apesar da retórica de alerta sobre um possível afastamento dos EUA, a relação entre os exércitos dos dois países está longe de ser abalada. Na prática, as interações continuam a todo vapor:

  • Em dezembro de 2024, o capitão do Exército Brasileiro Thiago Sadayoshi Guibo concluiu o Curso de Manobra para Capitães nos EUA, garantindo uma das melhores avaliações entre os participantes internacionais.
  • O coronel Sérgio Reis Matos atua como oficial de ligação do Exército Brasileiro nos EUA, coordenando mais de 100 iniciativas conjuntas anuais, incluindo treinamentos e operações combinadas.
  • No dia 5 de fevereiro de 2025, o general de divisão Ulisses de Mesquita Gomes foi agraciado pelo governo dos EUA com a medalha "Legião do Mérito", por sua atuação como adido militar brasileiro em Washington. Dias depois, foi confirmado como comandante da Missão da ONU na República Democrática do Congo (MONUSCO).

Se houvesse, de fato, um temor real sobre o afastamento dos EUA, seria de se esperar que essas cooperações fossem desaceleradas. Mas não é o que acontece.

A retórica da ameaça e o jogo de interesses

A contradição entre discurso e prática é clara. Enquanto os militares pintam um cenário de insegurança global para justificar mais verbas, os laços com os EUA seguem robustos. O argumento de que o Brasil precisa ampliar sua capacidade autônoma de defesa encontra poucos elementos concretos para se sustentar.

Essa não é a primeira vez que as Forças Armadas utilizam uma crise externa como justificativa para aumentar sua participação no orçamento federal. No passado, tensões internacionais já foram usadas para justificar compras e modernizações bilionárias. Agora, Donald Trump surge como o novo pretexto para essa pressão.

O grande desafio para o governo será decidir se cede à pressão ou se questiona a real necessidade desses investimentos no atual contexto econômico. A batalha política dentro do Congresso já começou, e os militares estão jogando suas cartas. Resta saber se o governo e os parlamentares compram essa narrativa ou impõem resistência.

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