CORTINA DE FUMAÇA

Ficha Limpa: bolsonaristas e Centrão mentem para flexibilizar lei eleitoral

Bolsonaro e aliados defendem flexibilização da lei para 2026, mas alegações sobre perseguição à direita e a não aplicação à Lula são falsas; entenda

Eduardo Bolsonaro e deputados da bancada bolsonarista.Créditos: Bruno Spada/Câmara dos Deputados
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Apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), incluindo parlamentares e influenciadores, têm difundido informações falsas sobre a Lei da Ficha Limpa, visando seu enfraquecimento. Publicações impulsionadas por nomes como Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Mário Frias (PL-SP) já ultrapassam 6 milhões de visualizações. Os ataques começaram no final da semana passada, após Bolsonaro divulgar um vídeo defendendo mudanças na lei para permitir sua candidatura em 2026.

Na última sexta-feira (7), Bolsonaro divulgou um vídeo em suas redes sociais no qual vai além: ele defende não só uma alteração na lei, mas sua revogação total. Condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em duas ações por abuso de poder político, Bolsonaro está inelegível até 2030 e, caso a Lei da Ficha Limpa seja revogada e tenha efeito retroativo, ele poderia ser candidato nas próximas eleições.

A declaração do ex-presidente veio após o anúncio de que parlamentares de seu partido, o PL, articulam junto ao centrão a aprovação de um projeto que visa reduzir de 8 para 2 anos o período de inelegibilidade imposto pela Lei da Ficha Limpa – o que também permitiria a Bolsonaro se candidatar à presidência. 

Apoiador da Lei da Ficha Limpa no passado, Bolsonaro argumentou que a legislação, agora, seria utilizada apenas para perseguir políticos de direita. "A Lei da Ficha Limpa, hoje em dia, serve apenas para uma coisa: paara que se persiga os políticos de direita. Podemos buscar uma mudança da lei da ficha limpa ou não? Eu sou até radical. O ideal seria revogar essa lei, que assim não vai perseguir mais ninguém", disparou o ex-presidente.

O deputado federal Mário Frias, ex-secretário de Cultura, classificou a norma como “uma imbecilidade de esquerda que a sociedade compra sem sequer refletir”. Além disso, veículos alinhados ao bolsonarismo publicaram textos em defesa da proposta de Bolsonaro e em ataque à legislação vigente.

A investida contra a lei é tamanha que dois projetos já tramitam no Congresso para modificar as normas sobre inelegibilidade:

  • O PLP 141/2023, de autoria do deputado federal Bibo Nunes (PL-RS), propõe reduzir o período de inelegibilidade previsto na Lei das Inelegibilidades, atualmente entre três e oito anos, para um máximo de dois anos. A regra vigente foi estabelecida pela Lei da Ficha Limpa, em 2010, tornando as punições mais rígidas;
  • O PLP 14/2025, do deputado federal Hélio Lopes (PL-RJ), determina que apenas políticos condenados em última instância sejam considerados inelegíveis.

Caso o Congresso modifique as regras de inelegibilidade, Jair Bolsonaro poderá ser beneficiado, mesmo após sua condenação em junho de 2023. A decisão do TSE que o tornou inelegível só foi viabilizada devido às normas atuais da Lei das Inelegibilidades.

O tribunal já possui jurisprudência que permite a aplicação retroativa de novas regras eleitorais a políticos condenados, desde que as mudanças lhes sejam favoráveis. No entanto, a análise ocorre caso a caso.

Se o PLP 141/2023 for aprovado, Bolsonaro teria um caminho legal para disputar a eleição presidencial. Para que isso aconteça, porém, a mudança na legislação precisaria ser sancionada até 5 de outubro deste ano, respeitando o prazo mínimo de um ano antes do pleito.

Os ataques à Lei da Ficha Limpa não começaram com Jair Bolsonaro. Parlamentares já vinham articulando mudanças na legislação, em um movimento que não se limitava à base bolsonarista. O jurista Márlon Reis, criador da lei, afirmou que havia uma “ação em bloco” no Congresso para permitir que o ex-presidente voltasse a ser candidato. 

Já no dia 5 de fevereiro, antes mesmo de Bolsonaro publicar seu vídeo, Eduardo Bolsonaro (PL-SP) compartilhou críticas à Ficha Limpa utilizando informações falsas. Seu post no X teve 12 mil curtidas e alcançou cerca de 220 mil visualizações.

‘Mudar a Lei da Ficha Limpa é sonho antigo do Centrão’

O historiador, cientista político e ex-presidente do PSOL Juliano Medeiros participou do Fórum Onze e Meia desta segunda-feira (10) e comentou sobre a campanha da base bolsonarista para mudar a Lei da Ficha Limpa, com o objetivo de beneficiar Jair Bolsonaro (PL), condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e inelegível por oito anos. Aliados do ex-presidente estão pressionando para a tramitação de um projeto de lei complementar (PLC), de autoria do deputado federal Bibo Nunes (PL-RS), que prevê a diminuição de oito para dois anos de inelegibilidade. 

Medeiros, porém, destacou que o desejo de realizar mudanças na Lei da Ficha Limpa é um "sonho antigo do Centrão", e não só um movimento aflorado pelos bolsonaristas. "Eu não colocaria esse desejo do Hugo Motta e do Centrão apenas como forma de atender ao Bolsonaro, porque de fato o Centrão, há muito tempo, não gosta da Lei da Ficha Limpa e só a engoliu porque houve uma grande mobilização na época", afirmou Medeiros. O cientista político acrescentou que, por ter sido um movimento de caráter popular, foi criado um ambiente que tornou praticamente impossível se colocar contra a Lei da Ficha Limpa.

Confira entrevista no Fórum Onze e Meia:

LEIA MAIS: Mudar a Lei da Ficha Limpa é um sonho antigo do Centrão, diz Juliano Medeiros

Desinformações relacionam Lula, esquerda e expõem contradições da direita 

Nas checagens da agência Aos Fatos, uma das principais distorções encontradas em torno da Lei da Ficha Limpa é o questionamento da legitimidade de Lula à Presidência. Além de movimentar sua base política, o vídeo publicado por Jair Bolsonaro impulsionou um discurso distorcido sobre a lei nas redes sociais. No material, o ex-presidente afirma que Lula foi “descondenado” para concorrer e que a lei existe apenas para “perseguir a direita”.

A declaração desencadeou uma onda de publicações replicando o argumento de que a Ficha Limpa não teria nenhuma utilidade, já que Lula conseguiu disputar e vencer a eleição mesmo sendo um “ladrão condenado”. No entanto, o caso de Lula citado por Bolsonaro não tem ligação com qualquer problema na Lei da Ficha Limpa. Desde sua entrada em vigor, em 2012, a legislação não sofreu alterações que reduzissem suas penalidades.

Prova disso é que, em 2018, Lula foi impedido de concorrer à Presidência justamente por conta dessa lei. Naquele ano, ele foi condenado pelo TRF-4 por corrupção e lavagem de dinheiro, tornando-se inelegível. O presidente pôde disputar as eleições de 2022 porque o Supremo Tribunal Federal anulou suas condenações, considerando que os processos — referentes ao triplex do Guarujá e ao sítio de Atibaia — não foram julgados pela instância correta.

Com isso, os casos foram transferidos para a Justiça Federal e as condenações foram invalidadas. Dessa forma, Lula deixou de se enquadrar nas restrições da Lei da Ficha Limpa. 

Além disso, a ideia de que a Lei da Ficha Limpa atinge apenas políticos de direita não é verdadeira. Em 2022, por exemplo, 158 candidatos foram barrados de disputar as eleições por violarem a legislação. Desses, oito eram do PT, um número inferior ao de candidatos do PL de Bolsonaro, por exemplo.

Ao apoiar mudanças na Lei da Ficha Limpa, Bolsonaro se contradiz com suas ações passadas. Em março de 2019, ele editou um decreto que incorporava os critérios dessa legislação nas contratações de servidores públicos. Em setembro de 2019, Bolsonaro vetou um trecho do PL 5.029/2019, que procurava alterar os critérios de análise da elegibilidade com base na Lei da Ficha Limpa. 

O veto foi fundamentado na alegação de que a proposta "gerava insegurança jurídica para a atuação da Justiça Eleitoral". Segundo a checagem do Aos Fatos, os mesmos parlamentares e canais que agora apoiam a revogação da Ficha Limpa, após o vídeo de Bolsonaro, também já haviam se posicionado a favor da lei em outras ocasiões.

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