CORRUPÇÃO

"Amigo" de Flávio, promotor livra Carlos Bolsonaro de "rachadinhas" e denuncia só assessores

Alexandre Murilo Graça, que foi à festa de advogada de Flávio, diz que corrupção era esquema de Jorge Sapão, chefe de gabinete e funcionário de Carlos desde o primeiro mandato. Mas, alega que filho de Bolsonaro não sabia

O primeiro-sargento Jorge Luiz Fernandes, chefe de gabinete de Carlos Bolsonaro.Créditos: Rede X / Flickr Bolsonaro
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Parte do grupo de amigos em torno de amigos de Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o promotor Alexandre Murilo Graça, do Ministério Público do Rio de Janeiro, indiciou sete "assessores", incluindo o chefe de gabinete Jorge Luiz Fernandes, o Jorge Sapão, no inquérito sobre o esquema de corrupção das "rachadinhas" no gabinete de Carlos Bolsonaro (PL-RJ).

No entanto, de forma inacreditável, Graça livrou o filho "02" de Jair Bolsonaro (PL), arquivando a investigação "visto que não se demonstrou qualquer circulação de valores para suas contas ou pagamentos", segundo informações divulgadas pela Globonews nesta quarta-feira (11).

Em janeiro de 2022, Alexandre Murilo Graça foi flagrado na festa de aniversário de Luciana Pires, advogada do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que assim como o irmão também é alvo de investigação por peculato - nome jurídico do crime de rachadinha - em seu gabinete, porém em outro processo.

Promotor Alexandre Murilo Graça publicou fotos da festa nas redes sociais (Reprodução)

Graça compareceu à festa para um grupo seleto de 150 amigos no Iate Clube do rio de Janeiro. Indagado sobre a presença no regabofe à época, o promotor divulgou nota em que afirma "que não há, no Código de Processo Penal, impedimento legal em relação à situação descrita".

Em nota divulgada no Telegram, Carlos Bolsonaro reclamou do indiciamento do indiciamento dos sete assessores. Alguns deles, nunca estiverem no gabinete, em clara sinalização de que se tratavam de funcionários fantasmas.

"Manifesto indignação com a notícia da denúncia contra alguns integrantes do meu gabinete. Essa acusação é baseada, principalmente, em movimentações financeiras realizadas entre familiares e entre algumas pessoas que até onde sei sequer foram ouvidas pelo Ministério Público, apesar de investigarem cerca de 20 anos de suas vidas", afirmou o vereador - leia nota na íntegra ao final da reportagem.

Em seu relatório, o promotor alega que apesar de Jorge Sapão ser amigo da família Bolsonaro há décadas, Carlos não sabia do esquema de corrupção dentro do próprio gabinete.

"[Jorge] Era amigo da familia Bolsonaro, tendo sido nomeado para o cargo de assessor em 2001 no gabinete de Carlos. A partir de 2018, passou a ser o chefe de gabinete", afirma Graça, que culpa Sapão e os assessores do filho de Bolsonaro pelo esquema.

Além do chefe de gabinete, foram denunciados no esquema:

  • Juciara da Conceição Raimundo da Cunha
  • Alexander Florindo Baptista Júnior
  • Thiago Medeiros da Silva
  • José Francisco dos Santos
  • Andrea Cristina da Cruz Martins
  • Regina Célia Sobral Fernandes (esposa de Jorge Luiz)

Apesar de concluir que as rachadinhas começaram no primeiro mandato do vereador em 2005, quando a madrasta Ana Cristina Valle atuava como chefe de gabinete, o promotor sequer cita o nome da ex de Bolsonaro.

Segundo o MP, os seis servidores denunciados repassaram R$ 1,9 milhão ao chefe de gabinete, Jorge Fernandes. 

Na decisão, ele ainda diz que "há indícios veementes de que algumas pessoas que estavam nomeadas para funções no gabinete não as exerciam, uma vez que residiam em locais muito distantes ou que tinham outras atividades laborativas no mesmo período em que estavam no órgão público".

Graça, no entanto, alivia a denúncia de que seriam funcionários fantasmas, dizendo que não conseguiu comprovar, mas caso haja a ilegalidade fica configurado ato de improbidade administrativa, que deve ser investigado e processado na esfera cível - e não na criminal.

"Contudo, o fato dessas pessoas não compareceram ao gabinete para o trabalho, e consequente ausência de prestação do serviço público, pode configurar a prática de ato de improbidade administrativa, o qual deveria ser averiguada a responsabilidade na esfera judicial própria (responsabilidade cível), pois pode configurar um comportamento atentatório à moralidade administrativa, ato notório que é extremamente antissocial e reprovável", diz.

Pivô 

Chefe de gabinete de Carlos Bolsonaro (PL-RJ) na Câmara Municipal do Rio de Janeiro desde 2018, o primeiro-sargento da Marinha, Jorge Luiz Fernandes - que passou para a reserva em 2005 - pagou sistematicamente contas pessoais do filho "02", como faturas de cartão de crédito, plano de saúde, impostos e multas de trânsito.

Os investigadores encontraram ao menos 23 contas de Carlos, totalizando cerca de R$ 28 mil, pagas por Fernandes entre 2012 e 2019. Desde dezembro, o filho de Bolsonaro repassou ao chefe de gabinete apenas R$ 8 mil.

Ele também pagou uma multa de trânsito em nome de Michelle Bolsonaro no valor de R$ 311,48 em abril de 2019, quando ela já era primeira-dama. Sapão ainda usou dinheiro para quitar um boleto do ex-presidente no valor de R$ 2.319,42 em abril de 2018. 

Fernandes é primeiro-sargento da Marinha, está reformado desde setembro de 2005, e recebeu salário de R$ 26,6 mil da Câmara do Rio de Janeiro em maio deste ano. O militar ainda acumula o salário de reservista, de cerca de R$ 10 mil mensais.

Segundo o MP-RJ, o militar recebeu um total de R$ 2,014 milhões em créditos provenientes das contas de outros seis servidores nomeados pelo filho de Jair Bolsonaro. 

O documento constatou que, entre 2009 e 2018, Fernandes recebeu créditos dos seguintes funcionários: Juciara da Conceição Raimundo (R$ 647 mil, em 219 lançamentos), Andrea Cristina da Cruz Martins (R$ 101 mil, em 11 lançamentos), Regina Célia Sobral Fernandes (R$ 814 mil, 304 lançamentos), Alexander Florindo Batista Júnior (R$ 212 mil, em 53 lançamentos), Thiago Medeiros da Silva (R$ 52 mil, em 18 lançamentos) e Norma Rosa Fernandes Freitas (R$ 185 mil, em 83 lançamentos).

O chefe de gabinete de Carlos também fez 858 saques com valores superiores a R$ 500, de acordo com laudo do MP-RJ.

Além disso, os investigadores comprovaram que Fernandes usou dinheiro de suas contas para pagar despesas pessoais de Carlos. 

Segundo o MP-RJ, a movimentação financeira é a prova mais consistente na investigação sobre o esquema de corrupção.

Cargos comissionados

Além de Fernandes, ao menos quatro investigados pelo MP-RJ no caso seguem trabalhando como assessores de Carlos Bolsonaro.

Um deles é Alexander Florindo Baptista, que, segundo o MP do Rio, repassou um montante de R$ 212 mil para Fernandes entre 2015 e 2018. O salário dele é de R$ 17.391,99 na Câmara Municipal do Rio.

Thiago Medeiros da Silva, com remuneração de R$ 18.000 da Câmara, exerce desde 2014 o cargo de consultor no gabinete de Carlos. Ele é investigado pelo MP do Rio por ter repassado R$ 52.800, em 52 lançamentos, para o chefe de gabinete do vereador entre 2015 e 2018.

Edir Barbosa Góes, com salário de R$ 12 mil, foi o único que sobrou de sua família no gabinete de Carlos Bolsonaro. Ele é investigado pelo MP por colocar a família para trabalhar no gabinete como supostos funcionários fantasmas. O assessor, a mulher, os filhos e a irmã sacaram um total de R$ 4.743.072 entre 2005 e 2019.

Ponta do iceberg

A investigação sobre as rachadinhas no gabinete de Carlos Bolsonaro é a ponta do iceberg do esquema de corrupção do clã, que fez Bolsonaro enriquecer em mais de três décadas atuando como político.

Embora o MP-RJ tenha focado a investigação atual a partir de 2009, o esquema das rachadinhas no gabinete de Carlos teria começado no primeiro mandato do vereador, em 2001.

Em 2000, Carlos foi emancipado pelo pai para que vencesse a mãe na disputa a uma vaga na Câmara do Rio.

À época, Bolsonaro havia se separado de Rogéria Nantes - mãe de Carlos, Flávio e Eduardo - para ficar com Ana Cristina Valle, mãe de Jair Renan, que foi alçada a chefe de gabinete do filho "02", então com 17 anos.

"Quando o Carlos foi eleito, era uma criança. Vivia no gabinete dele jogando videogame, à época. Com 17, 18 anos, tanto que foi ela que assumiu a chefia do gabinete do Carlos. Foi onde ela [Ana Cristina] começou com isso [rachadinhas]", contou Marcelo Luiz Nogueira dos Santos, ex-funcionário do clã em entrevista em setembro de 2021. 

Ana Cristina teria sido a primeira operadora do esquema de rachadinha, que anos depois foi montado também no gabinete de Flávio Bolsonaro (PL-RJ) na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).

Na Alerj, Ana Cristina replicou o modelo de corrupção criado no gabinete de Carlos, que foi comandado anos depois pelo ex-PM Fabrício de Queiroz.

Leia a íntegra da nota de Carlos Bolsonaro

Apesar do processo sigiloso, recebo com tranquilidade a informação de que o Ministério Público arquivou uma longa investigação contra a minha pessoa que, além de servir para narrativas e ataques contra a minha reputação, demonstrou a inexistência dos fatos e a minha inocência.

Manifesto indignação com a notícia da denúncia contra alguns integrantes do meu gabinete. Essa acusação é baseada, principalmente, em movimentações financeiras realizadas entre familiares e entre algumas pessoas que até onde sei sequer foram ouvidas pelo Ministério Público, apesar de investigarem cerca de 20 anos de suas vidas.

Registro ainda que essa investigação durou mais de cinco anos, o tal laudo pericial complementar já estava pronto desde agosto de 2023, mas curiosamente o Ministério Público somente apresentou essa denúncia faltando poucos dias para as próximas eleições municipais. Confio em todos os meus funcionários e tenho absoluta certeza que todos os envolvidos demonstrarão a fragilidade da acusação e suas inocências.