Áudios divulgados nesta quinta-feira (23) mostram que o policial militar aposentado Fabrício Queiroz revelou que recebia dinheiro por seu silêncio, mas que valores eram uma "migalha". Em mensagens a Alexandre Santini, ex-sócio do senador Flávio Bolsonaro (PL-SP), Queiroz ameaçou o clã político: "Eu vou pro pau".
Pivô do esquema de corrupção das rachadinhas do gabinete de Flávio, o filho 01, o ex-assessor do primogêntio do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) teria garantido que tem acesso à informações confidenciais a respeito dos supostos casos de corrupção que envolvem toda a família.
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"Eu não sou otário, pô, eu sei de tudo, entendeu?", indaga, e então ameaça Flávio para conseguir suas demandas financeiras, "Eu quero falar isso com o amigo (Flávio), frente a frente. Porque, se for verdade, eu vou pro pau mesmo. Foda-se, eu sou homem pra caralho".
Queiroz e o esquema das "rachadinhas"
Fabrício Queiroz foi denunciado pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) em dezembro de 2018 por movimentação atípica de R$ 1,2 milhão em sua conta bancária – valor posteriormente acrescido para R$ 7 milhões – entre 2016 e 2017.
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Uma das transações identificadas e examinadas pelo Coaf foi um cheque de R$ 24 mil destinado à ex-primeira-dama, Michelle Bolsonaro, que lhe rendeu o apelido de "Micheque".
O documento do órgão fiscal identificou uma série de irregularidades financeiras nas transações bancárias entre assessores de parlamentares e eles. Em janeiro de 2019, o relatório do Coaf aponta que o então deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro estava entre o grupo de congressistas que apresentavam movimentações suspeitas – definidas como:
- Pagamentos habituais a fornecedores ou beneficiários que não apresentam ligação com a atividade ou ramo de negócio da pessoa jurídica;
- Movimentações em espécie" feitas por clientes que costumam utilizar "outros instrumentos de transferência", como "cheques, cartões de débito ou crédito; e
- Movimentação de recursos incompatível com o patrimônio, a atividade econômica ou a ocupação profissional e a capacidade financeira do cliente.
Então motorista de Flávio, Queiroz ocupava o cargo de Assessor Parlamentar III e recebia seu salário de R$ 8.517 em depósitos em dinheiro, em datas coincidentes com as datas de pagamento na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). O Coaf também indicou que ele recebia um salário de R$ 12,6 mil da Polícia Militar.
A ex-esposa de Fabrício foi também registrada como assessora no gabinete do filho 01 por uma década, com salário bruto de R$ 9.835,63.
As rachadinhas ocorrem por meio da entrega de parte do salário para o titular do gabinete. De acordo com as investigações, Queiroz confiscava cerca de 40% dos salários dos servidores públicos do gabinete de Flávio Bolsonaro. Uma parcela deste valor era repassada ao ex-capitão do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE), Adriano da Nóbrega. Os dois se conheceram no 18º Batalhão da Polícia Militar do Rio de Janeiro (PM-RJ), em 2003.
O esquema de rachadinhas teve participação de Adriano da Nóbrega como empregador de sua mãe e ex-mulher como funcionárias fantasmas. O ex-PM ainda teria combinado com Fabrício Queiroz para que parte dos salários, acumulados em mais de R$ 1 milhão, fossem considerados "pensão alimentícia".
Adriano da Nóbrega era apontado como chefe do Escritório do Crime, uma milícia especializada na execução por encomenda com atuação na Zona Oeste do Rio de Janeiro. As atividades dos milicianos ainda contemplavam a proibição do tráfico; segurança armada; fornecimento de botijão de gás, luz e serviço de transporte alternativo; e prestação de serviço de televisão a cabo e internet.
De acordo com o Mapa Histórico dos Grupos Armados do Rio de Janeiro, produzido pela parceria entre o laboratório de dados Fogo Cruzado e o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (GENI), a região é dominada pela milícia. O local é rodeado por áreas dominadas por milicianos: Gardênia Azul, Jacarepaguá, Canal do Anil, Vila Nova Esperança e Rio das Pedras, que abrigou Queiroz em 2019.
Conforme depoimento de Julia Mello Lotufo, viúva do miliciano Adriano da Nóbrega, a ordem do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e o motorista Anderson Gomes partiu de um dos líderes da milícia Gardênia Azul. Em delação em julho de 2021, Julia afirmou que Adriano não teria participado da execução, embora estivesse preocupado que as investigações atrapalhassem seus negócios na favela de Rio das Pedras, vizinha à Gardênia Azul.
Em setembro de 2021, em meio à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Rachadinhas, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) reconheceu a prática como crime de corrupção tipificado como enriquecimento ilícito e dano ao patrimônio público.
O reconhecimento ocorreu no caso da ex-vereadora Maria Helena Pereira Fontes (PSL), de São Paulo, que teve o registro cassado pelo TSE após processo do Ministério Público Eleitoral (MPE). A Justiça Eleitoral ainda decretou a inelegibilidade da ex-parlamentar por oito anos, em vista do esquema de rachadinhas iniciado em 1997.
Relator do caso, o ministro Alexandre de Moraes afirmou, na ocasião, que "o esquema de 'rachadinha' é uma clara e ostensiva modalidade de corrupção".
É a negativa do Estado Constitucional, que tem por missão a manutenção da retidão e da honestidade na conduta dos negócios públicos, pois não só desvia os recursos necessários para a efetiva e eficiente prestação dos serviços públicos, mas também corrói os pilares do Estado de Direito e contamina a necessária legitimidade dos detentores de cargos públicos, vital para a preservação da Democracia representativa.
Flávio Bolsonaro foi denunciado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) pelos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
- Peculato: crime de peculato é configurado como a apropriação de dinheiro, valor ou bem público por parte de um funcionário público, que teria a posse destes itens devido ao cargo.
- Lavagem de dinheiro: o crime é definido pela ocultação a natureza, localização, disposição, movimentação e propriedade de bens ou valore provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.
- Organização criminosa: a prática de organização criminosa é descrita no artigo 288 do Código Penal como a associação de "3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes". O delito não exige a prática material de crimes, mas a associação com a finalidade de cometê-los.
Esconderijo em Rio das Pedras
Fabrício Queiroz teria se escondido na favela de Rio das Pedras após a primeira denúncia contra ele no caso do esquema de corrupção das rachadinhas, em dezembro de 2018. Localizada na Zona Oeste do Rio de Janeiro, Rio das Pedras é a segunda maior favela do município e dominada pela milícia mais antiga da cidade: o "Bonde do Zinho", anteriormente denominada "Liga da Justiça".
Em outubro, o grupo paramilitar incendiou 35 ônibus e um trem do Rio após o assassinato do segundo na hierarquia do comando da milícia pela Polícia Civil. Criado por políticos e policiais, o "Bonde" protegeu e abrigou Queiroz, um policial militar aposentado.
A milícia pagava as contas pessoais e familiares de Adriano da Nóbrega. As principais contas foram encontradas pelo MP-RJ no escritório de Manoel de Brito Batista, o Cabelo, apontado como o administrador da milícia. Era ele quem controlava pagamentos e cuidava do dia a dia dos negócios explorados pela quadrilha.
As forças policiais encontraram no escritório uma conta de luz referente a um imóvel declarado como residência por Adriano da Nóbrega no seu depoimento como testemunha no inquérito sobre a morte de Marielle Franco e Anderson Gomes, em 2018.
Em 2017, a Operação Pandora da Polícia Federal descobriu que a Liga da Justiça pagava R$ 40 mil por mês pelo vazamento de informações privilegiadas da Secretaria de Segurança Pública, de modo a facilitar as atividades do grupo sem a presença das forças policiais.
O comandante de Rio das Pedras na época, Carlinhos Três Pontes, foi um dos primeiros milicianos a formar alianças entre traficantes e milicianos, o que deu origem ao fenômeno da "narcomilícia", termo utilizado para descrever a milícia do Gardênia Azul, por exemplo.
Em 2019, um relatório do Ministério Público do Rio apontou que mais de 180 territórios na Baixada Fluminense são controlados pela união de paramilitares e traficantes.
Guarida de Wassef e prisão
Em junho de 2020, Fabrício Queiroz foi preso em uma chácara em Atibaia (SP), imóvel pertencente à Frederick Wassef, advogado de Flávio Bolsonaro e do ex-presidente no caso Adélio Bispo e nas denúncias relacionadas às investigações do assassinato de Marielle e Anderson.
Foragido da Justiça, Queiroz estava em esquema de proteção na casa, pois já se imaginava que ele seria procurado pelo Departamento de Operações Policiais Estratégicas (Dope), da Polícia Civil de São Paulo.
Osvaldo Gonçalves, chefe do Dope, informou que Queiroz não ofereceu resistência aos policiais: "Ele tinha tomado remédio para dormir, não conseguiu atender a campainha, insistimos várias vezes, fomos forçados a quebrar a corrente e chegar até o quarto que ele estava. Estava dormindo não ofereceu resistência nenhuma, só falou que estava com problema de saúde".
Os mandados de busca e apreensão foram expedidos pelo Grupo de Combate à Corrupção (Gaecc), do Ministério Público do Rio de Janeiro. Queiroz foi encontrado após denúncia de Heloísa de Carvalho, filha do guru bolsonarista, Olavo de Carvalho. No mês anterior, ela publicou uma imagem da fachada da casa de Wassef e escreveu na legenda que Queiroz estava escondido no local.
"Desde abril, maio de 2019 que eu sabia que ele estava aqui. Eu recebi a informação através de um jornalista e descobri que ele vivia neste bairro e nesta casa em Atibaia. Desde o ano passado que eu falava que ele estava aqui", confirmou ela.
Emparedado com sua participação na guarida, Wassef alegou que permitiu o abrigo de Queiroz em uma de suas propriedades "por questões humanitárias", sob justificativa de que o ex-assessor estaria "jurado de morte por forças ocultas".
O MP e a Justiça do Rio deveriam me agradecer por proteger uma testemunha importante.
Saída da prisão
Em julho de 2020, um mês após sua prisão, Queiroz deixou o presídio de Bangu 8, no estado do Rio de Janeiro. Ele teve habeas corpus concedido por decisão do então presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Otávio Noronha. O ministro fez campanha para ser indicado ao Supremo Tribunal Federal (STF) por Jair Bolsonaro durante o governo do ex-presidente.
Em sua decisão, Noronha alega que Queiroz não deveria permanecer encarcerado durante a pandemia de Covid-19 devido às fragilidades de saúde que ele se encontrava. Segundo ele, o caso se enquadra em recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que sugere evitar o encarceramento em presídios na pandemia. A mesma medida, porém, já havia sido negada pelo magistrado a dois presos, em pedidos idênticos.
Candidatura a deputada federal e campanha bolsonarista
Ancorado na imagem de Jair Bolsonaro, Queiroz foi candidato à deputado estadual do Rio de Janeiro pelo PTB nas eleições de 2022. Mesmo com pouco mais de 6,7 mil votos, ele não conseguiu se eleger.
Por meio do uso das cores verde e amarelo, a bandeira do Brasil e fotos com o ex-presidente, ele tentou associar sua candidatura à Alerj a Bolsonaro, que venceu Lula em 72 dos 92 municípios do estado.