A Advocacia-Geral da União (AGU) recorreu da decisão monocrática do ministro Dias Toffoli, que livrou o bolsonarista Roberto Campos Neto, ainda presidente do Banco Central (BC), de investigações que pesavam contra ele e o ex-ministro da Economia, Paulo Guedes, na Comissão de Ética da Presidência da República.
Em recurso protocolado nesta segunda-feira (9), a AGU - que atua como braço jurídico do governo - pede que Dias Toffoli reconsidere sua decisão, divulgada no início do mês, e leve o caso ao plenário da corte.
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“Há fatos que podem não se constituir infrações penais, mas serem consideradas infrações disciplinares ou, ainda, atitudes antiéticas – como é o caso dos autos – passíveis de responsabilização pelas respectivas esferas. Vale dizer, ainda que determinadas condutas não sejam consideradas crimes, elas ainda podem repercutir em outras searas, daí a relevância da independência entre as instâncias”, diz trecho do recurso.
Em sua decisão, Toffoli acatou o pedido da defesa de Campos Neto e argumentou que o caso já foi analisado na esfera criminal, através da Procuradoria-Geral da República (PGR), foi arquivado.
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“Nesse sentido, percebe-se, com toda nitidez, que a PGR, ao analisar os mesmos fatos, concluiu pela inexistência de razões para se instaurar um procedimento investigatório, uma vez que concluiu pela ausência de infração penal ou de qualquer indicativo idôneo de sua existência, motivo pelo qual determinou o arquivamento da notícia de fato”, escreveu o ministro, engavetando com uma canetada os três processos administrativos contra o bolsonarista.
No entanto, a AGU argumenta que que o parecer da PGR “em momento algum, atestou a inexistência do fato ou negativa de autoria”.
Entenda
No início de agosto, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) revogou, por unanimidade, uma liminar que impedia a investigação contra Campos Neto e Paulo Guedes sobre as denúncias de que eles teriam mantido offshores no exterior e se beneficiado financeiramente da taxa básica de juros (Selic) por meio de suas empresas e aplicações.
A Comissão de Ética havia iniciado a apuração em 2019, mas o processo foi suspenso em 2023 por uma liminar obtida por Campos Neto. Ele alegava que a investigação violava a autonomia administrativa do Banco Central, conforme a lei complementar de 2021. A Advocacia-Geral da União (AGU) argumentou contra a liminar, afirmando que a Comissão de Ética tem a prerrogativa de investigar possíveis conflitos de interesse e desvios éticos de servidores públicos, e que a lei não confere imunidade absoluta ao presidente do BC.
Após a decisão, a Comissão de Ética da Presidência da República chegou a marcar para o dia 4 de setembro uma reunião extraordinária destinada a analisar exclusivamente o processo contra Guedes e Campos Neto.
O presidente do Banco Central, entretanto, entrou com um pedido no STF para barrar a investigação e foi atendido por Toffoli um dia antes.
Entenda as acusações contra Campos Neto
Segundo revelações dos Pandora Papers, Roberto Campos Neto teria aberto uma offshore em 2004 nas Ilhas Virgens com US$ 1 milhão aplicado, supostamente buscando vantagens tributárias.
Além disso, Campos Neto é alvo de outra denúncia apresentada à Comissão de Ética pelo deputado federal Lindbergh Farias (PT-RJ). Ele acusa o presidente do BC de possuir empresas e aplicações que seriam remuneradas de acordo com a Selic. Ou seja, quanto mais alta a taxa de juros, maiores seriam os lucros dessas empresas e aplicações.
"A primeira denúncia é sobre o Pandora Papers. Contas secretas, offshores fora do país. A segunda denúncia foi feita por mim. Fiz uma denúncia em cima de algumas empresas, que a propriedade é de Roberto Campos Neto, e pasmem, senhores: as informações que foram apresentadas é que essas empresas têm remuneração pela taxa Selic. Já imaginou isso? Como se ele ganhasse dinheiro quando aumentasse a taxa Selic. Agora isso tudo volta com força para o Conselho de Ética da Presidência da República. Isso é muito importante. Ele estava querendo fugir de uma investigação séria", disse Lindbergh Farias.
"É um absurdo um presidente do Banco Central ter offshore, recursos escondidos em paraísos fiscais. Mais ainda é se ele lucra com a decisão tomada por ele e pelo próprio Banco Central. Eu sempre falei que essa questão da política monetária, da atuação do Banco Central, era um caso de polícia. Agora, vai ter investigação do Conselho de Ética da Presidência da República", prosseguiu o parlamentar.
Como presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto tem a capacidade de influenciar a taxa básica de juros (Selic), que atualmente está em 10,5% – uma das mais altas do mundo. Se Campos Neto ou empresas ligadas a ele possuíssem investimentos atrelados à taxa Selic, como títulos públicos, conforme aponta a denúncia de Lindbergh, ele poderia lucrar pessoalmente ao aumentar a taxa.
Já no caso do dinheiro em paraíso fiscal (offshore), Campos Neto, se as denúncias forem confirmadas, poderia movimentar esses fundos para aproveitar variações na Selic. A alteração da taxa Selic também afeta a valorização de diversos ativos, incluindo ações e imóveis. Sabendo de antemão das mudanças na política de juros, o presidente do BC poderia se posicionar para maximizar ganhos ou minimizar perdas em suas aplicações pessoais ou corporativas.
"Como é que pode ser presidente do Banco Central do Brasil e esconder negócios com especulação no exterior e no Brasil? O Banco Central autônomo além de garantir independência política de seu comando está assegurando também liberdade para seus negócios? Se não devia nada, por que entrou na justiça para se livrar da Comissão de Ética?", questionou, nas redes sociais, a deputada federal Gleisi Hoffmann (PT).
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