O coach e candidato a prefeito de São Paulo, Pablo Marçal, tem uma forte conexão com uma parte do público evangélico. Isso é notório e parece ficar ainda mais evidente nas pesquisas que mostram que é justamente esse o público onde Marçal mais cresceu nas últimas pesquisas. Ele se apresenta como uma pessoa de fé e frequentemente compartilha mensagens que combinam princípios de desenvolvimento pessoal e profissional com ensinamentos cristãos. Essa abordagem tem atraído muitos seguidores dentro da comunidade evangélica, que se identificam com sua mensagem de superação, propósito de vida e fé em Deus.
Marçal também organiza eventos e palestras que muitas vezes incluem momentos de oração e reflexão espiritual, o que reforça sua conexão com esse público. Além disso, ele utiliza sua plataforma com discursos de valores cristãos, como integridade, amor ao próximo e confiança em Deus, enquanto, na verdade, quer vender temas como empreendedorismo, liderança e mentalidade de sucesso.
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Porém, a relação de Pablo Marçal com os evangélicos pode ser vista como problemática em alguns aspectos, especialmente quando analisada sob a ótica da mistura entre religião e interesses comerciais. Marçal utiliza a fé e os ensinamentos cristãos como parte de sua estratégia de marketing, o que levanta questões sobre a autenticidade de sua mensagem e as possíveis implicações éticas de associar a espiritualidade com a busca por lucro.
Essa interseção entre fé e negócios pode gerar uma confusão entre o que é um conselho espiritual genuíno e o que é uma técnica de vendas, potencialmente explorando a fé dos seguidores para fins comerciais. Essa abordagem corre o risco de banalizar os ensinamentos religiosos, transformando-os em ferramentas para ganho pessoal, ao invés de promover uma verdadeira reflexão espiritual e comunitária.
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Além disso, ao vincular sucesso financeiro e pessoal à fé, Marçal pode criar expectativas irreais entre seus seguidores, sugerindo que a prosperidade é uma consequência direta da crença e da prática religiosa. Isso pode levar a um entendimento distorcido da fé, onde a ausência de sucesso material poderia ser interpretada como falta de fé ou insuficiência espiritual, o que pode ser psicologicamente prejudicial para algumas pessoas, o que é conhecido como “teologia da prosperidade”.
Igreja Videira - o começo de tudo
Pablo Marçal começou sua caminhada “evangélica” na Igreja Videira, em Goiânia, onde também teve seu primeiro emprego, como operador de som. Foi lá que Marçal aprendeu muitas das técnicas que até hoje usa em seus discursos, que são uma mistura onde aplica noções das teologias da prosperidade e da confissão positiva - o hábito de dizer coisas positivas para alcançar objetivos com Programação Neuro-linguística (PNL), acrescida de uma alta dose de invencionices/mentiras capazes de prender a atenção de gente que quer ficar rica da noite para o dia sem o mínimo esforço.
O Coach aprendeu muitas de suas técnicas de convencimento com o seu líder Aluízio Silva, pastor fundador da Igreja Videira, em Goiânia. Em suas redes, o pastor que inspirou Marçal ensina coisas como “a oração intensa libera o milagre”, além de organizar viagens a Israel e eventos como o SER - Seminário Empreendedores Radicais 2024, com o tema “Segredo dos Vencedores”. Teologia da prosperidade somada a “empreendedorismo radical” e defesa de Israel só poderia gerar algo bizarro como o atual candidato do PRTB à prefeitura de São Paulo.
Outsider religioso e político
Apesar de todo arcabouço neopentecostal que mescla discursos de prosperidade e autoajuda e da política mais nefasta que se tem conhecimento, Marçal se vende como um outsider de ambos os espectros, tanto da religião quanto da política, criando uma religiosidade positivista que leva à riqueza dissociada do compromisso com qualquer igreja, atingindo assim tanto os evangélicos que se encontram em alguma comunidade como aqueles que hoje se identificam como “desigrejados”. Aqui cabe uma informação: a maioria dos desigrejados tende a apoiar a esquerda, mas ainda há uma grande fatia destes que tende à direita e são alvos fáceis do discurso do coach.
Esperto, Pablo ganha de todos os lados. Posa como representante de uma nova classe política que “cansou de tudo o que está aí” e religiosamente vende uma ideia de alguém descolado do moralismo barato e “atrasado” de algumas igrejas, mas com um discurso altamente carregado de elementos religiosos, ainda que fraudulentos e forçados. Ao mesmo tempo tenta ser fundamentalista e “revolucionário” e, por incrível que pareça, consegue passar essa imagem para muitos. Tem um discurso carregado de elementos da fé “para além e depois”, mas voltados para ficar rico “aqui e agora”. Uma mistura pra lá de explosiva. Aprendeu bem com seus mestres na Igreja Videira.
Charlatanismo e Coachianismo
Não é preciso ser muito inteligente para perceber o grau de charlatanismo e autoajuda barata nos discursos e práticas de Marçal. Durante um culto na Igreja Videira, Marçal apareceu como um "coach gospel" e tentou fazer com que uma mulher cadeirante voltasse a andar.
Um vídeo publicado nas redes sociais registra o momento em que o candidato a prefeito de São Paulo coloca a mulher em uma situação embaraçosa ao pedir que ela se levante da cadeira de rodas após expressar o desejo de "dançar com Jesus". "Pelo nome de Jesus. Concentre-se. Deixe de lado essa curiosidade e foque na poderosa manifestação da glória dele (...) Abra os olhos. Dê um passo para pegar na mão dele. Solte a sua perna direita", diz Marçal, enquanto a mulher, amparada por outros membros da igreja, permanece imóvel.
"Está sentindo alguma coisa?", pergunta Pablo a ela. "Sinto vontade de dar um passo", responde a mulher. "Então, vá em frente", encoraja o coach. Contudo, a mulher não consegue mover as pernas e acaba sendo recolocada na cadeira de rodas.
Em entrevista ao Flow Podcast, admitiu ter ido a velórios para ressuscitar pessoas: “Já orei por 2 mortos. Já fui a velório para ressuscitar as pessoas. Eu acredito nisso. Eu ainda vou ver isso”, declarou Marçal. A mistura frenética do coach com o charlatão milagreiro, pelo jeito, até hoje não vingou, mas continua atraindo muita gente.
Morte e irresponsabilidade em eventos e novas oportunidades
Em janeiro de 2022, o ex-coach, que afirma ser formado em Direito, ganhou destaque na mídia nacional após liderar uma expedição ao Pico dos Marins, na Serra da Mantiqueira, interior de São Paulo. A expedição terminou com o resgate de 32 pessoas pelo Corpo de Bombeiros e resultou em uma ordem judicial proibindo-o de realizar atividades semelhantes sem autorização prévia.
As 32 pessoas resgatadas pelos bombeiros participavam de um treinamento motivacional conduzido pelo coach. Inicialmente, a expedição contava com 60 participantes, mas quase metade desistiu devido ao cansaço ou às más condições climáticas. A jornada foi amplamente registrada nas redes sociais de Marçal, onde, nos vídeos, é possível perceber que, desde o início da caminhada, as condições do clima eram desfavoráveis. Mesmo assim, Marçal insistiu na continuidade da expedição, convocando uma oração para que Deus “parasse o vento”.
Em junho do ano seguinte, ele voltou aos noticiários após a morte de um funcionário que sofreu uma parada cardiorrespiratória durante uma “maratona surpresa” de 42 quilômetros, organizada pelo grupo empresarial do coach. O jovem, de 26 anos, passou mal no 15° quilômetro. Marçal alega que não apoiou, não organizou e nem estava presente na corrida, pois estava em casa dormindo.
Há menos de um mês, Marçal apareceu em uma foto com o pastor Chepe Putzu, líder de um movimento chamado “legendários Brasil” que promove eventos para testar a resistência moral e espiritual de HOMENS, propondo uma “nova masculinidade” através de desafios físicos extremos que envolvem caminhadas extenuantes e outros testes, visando, segundo o próprio movimento “devolver o herói caçador a cada família, um pilar que temos como legendários que levou à formação de homens inabaláveis”. Chepe mora em Miami. Na postagem em redes sociais, o pastor declarou sobre o encontro com Marçal: “Tivemos uma boa conversa, haha grandes coisas vêm, Jesus é Senhor do Brasil.”
O evangelho segundo Pablo Marçal
Estamos diante de um caso clássico de uso e abuso da fé evangélica para fins pessoais, politiqueiros e mercadológicos. Marçal passa longe do Evangelho do Cristo, que respeita pessoas e opta por libertar o oprimido. A herança religiosa do Pablo-Coach-Candidato é das mais perversas possíveis, fazendo os homens escravos de uma busca insana pela riqueza a qualquer custo, inclusive o de colocar em risco a própria vida.
Marçal é uma triste representação do que há de pior em uma parte significativa da igreja brasileira: gente egoísta, que usa da religião para oprimir e dominar outras pessoas e que faz do discurso evangélico a forma mais violenta de espalhar mentiras, ódio e alimentar a alienação de todos aqueles que teimam em acreditar nos falsos mestres que aqui e ali surgem querendo “roubar, matar e destruir”, conforme a narrativa bíblica.
Só quem não conhece o Jesus dos Evangelhos vai atrás do Marçal do charlatanismo barato em nome da fé. Definitivamente, quem faz o “J” de Jesus, jamais fará o “M” de Marçal.