O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay e tido como um dos maiores criminalistas do país, constrangeu o deputado cassado e ex-procurador Deltan Dallagnol durante um debate ao vivo na "CNN Brasil" nesta sexta-feira (17).
Mediado por Basília Rodrigues, o programa "CNN Dois Lados" recebeu o advogado e o ex-coordenador da Lava Jato para uma discussão com o seguinte tema: "Dá para comparar a atuação de Moraes à Lava Jato?". Tratou-se de uma repercussão da matéria da Folha de S. Paulo que tentou criar um falso escândalo contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
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Na matéria em questão, o periódico paulistano diz que Moraes agiu "fora do rito" ao requisitar, através de seus assessores, relatórios ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre investigados no inquérito das fake news com o objetivo de embasar suas decisões no Supremo. Apesar de a reportagem em momento algum utilizar a palavra "ilegal", fica claro, no texto, que o objetivo é sugerir que Moraes tivesse agido à margem da lei ou às escondidas para "perseguir" bolsonaristas.
A matéria utiliza como base diálogos vazados por uma "fonte interna" entre assessores do gabinete de Moraes e assessores do TSE, tratando sobre informações e relatórios solicitados pelo ministro entre o final de 2022 e o início de 2023, quando Moraes presidia o TSE, sobre pessoas que estariam promovendo ataques à Justiça brasileira e divulgando notícias falsas no âmbito da tentativa de golpe de Estado registrada no Brasil naquele período. O ápice do movimento golpista se deu em 8 de janeiro de 2023, quando bolsonaristas invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes em Brasília clamando por uma intervenção militar.
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Acontece que, além de relator do inquérito das fake news no STF, Moraes era, à época, presidente do TSE. Como presidente da Corte Eleitoral, por lei, o ministro tem poder de polícia para requisitar tais informações e encaminhá-las, em caso de indícios de crime, à seara criminal – no caso, o próprio STF, mais especificamente no âmbito do inquérito que relata.
Ao abrir sua fala, Dallagnol endossou a narrativa de bolsonaristas no sentido de associar Moraes a uma espécie de ditador que "escolhia alvos" e defendeu o impeachment do ministro, argumentando que ele teria agido para além de suas atribuições. Em outro momento, defendeu sua atuação e do ex-juiz Sergio Moro na operação Lava Jato, ainda que todos os abusos e conluio entre a 13ª Vara Federal de Curitiba e o Ministério Público Federal (MPF) tenha sido exposto para todo o país e levado à anulação de inúmeros processos.
Em seu momento de falar, Kakay afirmou que só compara a atuação dos agentes da Lava Jato à conduta de Alexandre de Moraes quem tem "má-fé". Além de explicar o porquê a atuação do ministro do STF se deu dentro da legalidade, o criminalista expôs as irregularidades da Lava Jato e citou a investigação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra membros da operação, acusados de corrupção, peculato e organização criminosa.
"Esse grupo da Lava Jato, que era coordenado pelo juiz Sergio Moro e por parte do Ministério Público, instrumentalizando o Ministério Público, o chefe era o Deltan, eu diria subchefe, o chefe mesmo era o juiz Sérgio Moro. Esse grupo hoje tem interesse em desmoralizar o Supremo Tribunal. Por que tem interesse? É uma estratégia de defesa. O CNJ mandou fazer uma investigação dura, pesada, e saiu um relatório que imputa, eu não estou imputando, eu estou dizendo do relatório do CNJ, crime de corrupção, peculato e organização criminosa, exatamente para o grupo da Lava Jato, nominalmente ele cita as pessoas que estavam naquilo que nós chamamos de República de Curitiba", inicia Kakay.
"Não tem nenhuma relação [entre a atuação de Moraes e a Lava Jato]. O que existia na Lava Jato era um conluio, claro, comprovado, entre os procuradores, coordenado pelo doutor Deltan, e o juiz federal, que eu até fico feliz de não ter sido cassado, que eu prefiro que o processo seja mais rápido, dando a eles uma ampla defesa, que eles não davam aos réus, no caso da Lava Jato, e que serão julgados logo pelo Supremo Tribunal, assim que terminar esse inquérito. Agora, você comparar o que aconteceu na Lava Jato, onde há comprovadamente um conluio criminoso, quem diz isso é o CNJ, e comparar com o direito que tem um ministro do Supremo Tribunal Federal, um ministro do Supremo Tribunal Eleitoral, de fazer uma investigação, porque tem poder de polícia, artigo 41 do Código Eleitoral, enquanto ministro eleitoral, não tem nenhuma, absolutamente nenhuma relação", prossegue o criminalista.
Assista ao trecho:
A íntegra do debate entre Kakay e Dallagnol pode ser assistida aqui.
Moraes e Lava Jato: é possível comparar?
Com a revelação de conversas de assessores do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, bolsonaristas na arena política e nas redes sociais vêm tentado emplacar uma versão na qual os diálogos seriam semelhantes, em gravidade, àqueles que foram desvelados pela chamada Vaza Jato. Mas a comparação seria cabível?
Para o professor de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Pierpaolo Bottini , a resposta é "não". Em artigo publicado no site Conjur, ele aponta o que considera ser um "mar de diferenças" entre os dois episódios.
Segundo o jurista, por presidir um inquérito policial que investiga a propagação de desinformação "com o objetivo de suprimir o regime democrático e incentivar a tomada violenta do poder político", Moraes "tem o poder de juntar aos autos materiais e relatórios importantes para as investigações, além de determinar medidas para assegurar a integridade das provas e a permanência dos investigados no país".
Ou seja, independente de provocação, ele pode pedir, entre outras medidas, dados e informações, determinar o sequestro de bens e a produção antecipada de provas, além de exames periciais, buscas e apreensões. A despeito da informalidade dos diálogos, eles mostram assessores que buscam "cumprir determinações e orientações dentro das atribuições mencionadas".
Bottini ressalta que as conversas da Lava Jato reveladas "apontam agentes cruzando a fronteira da legalidade", com procuradores debatendo o uso de dados sigilosos e a divulgação de elementos de investigações à imprensa para desgastar réus perante a opinião pública ou "emparedar aqueles que poderiam reformar as decisões judiciais" no âmbito da operação.
"Nos diálogos de Curitiba, há conversas entre procuradores e juiz sobre timing de denúncias, de cautelares, e a respeito da qualidade ou dos defeitos de peças, revelando uma relação controversa e perigosa (...)", pontua o professor. "O Supremo e seus ministros, como qualquer órgão e agentes públicos, podem e devem ser criticados e escrutinados, mas comparar as mensagens em questão com aquelas vazadas no âmbito da 'lava jato' é ignorar sua substancial diferença de conteúdo, qualidade jurídica e gravidade política."
Confira a íntegra do artigo.