Em dezembro de 2022, enquanto Luiz Inácio Lula da Silva se preparava para assumir a Presidência da República, Jair Bolsonaro (PL) viu seu plano de golpe, planejado pela cúpula, ser frustrado. À época, ele deixou o país rumo aos Estados Unidos, levando consigo jóias pertencentes à presidência e uma carteira de vacinação contra a Covid-19 falsificada para facilitar sua entrada no país.
O pedido de indiciamento do ex-mandatário foi concluído hoje e está programado para ser enviado à Procuradoria-Geral da República (PGR) nos próximos dias. Além de Bolsonaro, a Polícia Federal incluiu na lista de indiciamentos outros aliados e auxiliares do ex-presidente, como os advogados Fabio Wajngarten e Frederico Wasseff.
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Joias roubadas
Agora em fase final de investigação, o grande volume de material obtido pela PF em suas diligências fez com que o prazo para encerramento sobre o caso das joias obtidas ilegalmente por Jair Bolsonaro, a princípio previsto para maio desde ano, fosse adiado. Bolsonaro era investigado por apropriação indevida de joias e outros artigos de luxo dados como presente ao Estado brasileiro por governos de outros países em viagens oficiais.
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De acordo com o que foi divulgado pela PF à época, o ex-mandatário e sua esposa, Michelle Bolsonaro, entraram no país da América do Norte em dezembro de 2022 com joias milionárias dadas pelo governo da Arábia Saudita, sendo que algumas delas teriam sido vendidas. Em depoimento recente à PF, o tenente-coronel Mauro Cid afirmou que trocou mensagens com um potencial comprador das joias e declarou que seguia as orientações de Bolsonaro. Disse, ainda, que chegou a ir pessoalmente a uma loja nos EUA para negociar um relógio de luxo, avaliado em R$ 350 mil na época.
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Naquela ocasião, Cid foi detido. Quatro meses depois, ele firmou um acordo de delação premiada. O escândalo do esquema de venda de artigos de luxo nos EUA veio à tona a partir da Operação Lucas 12:2, realizada pela Polícia Federal em agosto de 2023, com mandados expedidos pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF. Os alvos, todos ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro, são suspeitos de terem se apossado de bens valiosíssimos do Estado brasileiro, dados por autoridades estrangeiras, que estariam sendo vendidos no exterior para que o dinheiro fosse entregue ao ex-ocupante do Palácio do Planalto. A ida dele para os EUA, em 30 de dezembro de 2022, ainda no cargo, teria sido para utilizar o avião presidencial no esquema, apontam os documentos do inquérito.
Diretor da PF: nova joia "robustece" investigação
Para Andrei Rodrigues, o diretor-geral da PF, a nova joia recentemente descoberta “robustece a investigação” que pode levar Bolsonaro à cadeia e pode resultar no indiciamento do ex-presidente por peculato, com pena de 2 a 12 anos de prisão e multa. Caso a sentença seja superior a 8 anos, Bolsonaro terá que cumprir pena em regime fechado - ou seja, na cadeia.
"A nossa diligência localizou que, além dessas joias que já sabíamos que existiam, houve negociação de outra joia que não estava no foco dessa investigação. Não sei se ela já foi vendida ou não foi. Mas houve o encontro de um novo bem vendido ou tentado ser vendido no exterior", explicou o diretor da PF. As investigações apontam que emissários de Bolsonaro tentaram vender quatro joias nos EUA: duas presenteadas pela Arábia Saudita e outras duas pelo Bahrein. Para a PF, trata-se de organização criminosa montada em torno do ex-presidente com o objetivo de desviar os objetos de luxo.
Relógios das marcas Rolex e Patek Philippe, avaliados em 68 mil dólares à época, ou R$ 347 mil, foram vendidos para a empresa Precision Watches. Mauro Cid esteve pessoalmente em Wilson Grove (Pensilvânia) pra fazer o negócio. Os federais estão em posse de um comprovante de depósito encontrado no celular do ex-ajudante de ordens. Leia mais nesta matéria da Fórum.
Nas investigações conduzidas nos EUA, os agentes ainda conseguiram imagens inéditas do "kit ouro branco", com anel, caneta, abotoaduras e um rosário islâmico cravejados de diamantes, levadas em 2022 por Bolsonaro. O kit incluia ainda o Rolex que foi vendido ilegalmente na Pensilvânia e recomprado pela organização criminosa após o início das investigações. O conjunto, recebido em visita oficial a Arábia Saudita em outubro de 2019, foi avaliado em mais de R$ 500 mil.
As joias foram vendidas de forma ilegal para a loja "Goldie's", em Miami, na Flórida, pelo tenente coronel Mauro Cid, que chegou a ser preso duas vezes e firmou acordo de delação premiada com a PF. Os agentes conseguiram imagens de anúncios de revenda das joias, que comprova a negociata ilegal. A operação, realizada em parceria com o FBI (Agência Federal de Investigação dos EUA), ainda obteve documentos que comprovam a ação da quadrilha comandada por Bolsonaro na venda das joias da União. Leia mais nesta reportagem da Fórum.
Fraude no cartão de vacina
Em maio de 2023, a Polícia Federal confirmou que Bolsonaro adulterou o cartão de vacinação e deflagrou a Operação Venire. Moraes assinou as ordens contra os alvos da investigação. O ex-presidente passou uma temporada em solo estadunidense com documento falsificado, o que, inclusive, é crime federal no país que o recebeu. Como mostra essa reportagem da Fórum. As adulterações aconteceram entre novembro de 2021 e dezembro de 2022, quando Bolsonaro ainda era presidente. A corporação investigava uma quadrilha suspeita de inserir dados falsos de vacinação contra a Covid-19 nos sistemas do Ministério da Saúde, o Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI) e Rede Nacional de Dados em Saúde.
As adulterações, de acordo com a PF, tiveram como objetivo "alteração da verdade sobre fato juridicamente relevante, qual seja, a condição de imunizado contra a Covid-19 dos beneficiários". Na época, o ex-presidente teve os dados adulterados para conseguir viajar para os Estados Unidos, país que na época exigia a imunização para entrada de estrangeiros.
"Com isso, tais pessoas puderam emitir os respectivos certificados de vacinação e utilizá-los para burlarem as restrições sanitárias vigentes imposta pelos poderes públicos (Brasil e Estados Unidos) destinadas a impedir a propagação de doença contagiosa, no caso, a pandemia de covid-19", disse a PF em nota, na época. Em janeiro deste ano, a Controladoria-Geral da União (CGU) confirmou que o único registro no cartão de vacinação contra a Covid-19 do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi fraudado.
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Mauro Cid, Jair Bolsonaro, Gutemberg Reis e familiares teriam se beneficiado do esquema. De acordo com os dados registrados no ConecteSUS, Bolsonaro teria se vacinado com duas doses da Pfizer. A primeira em 13 de agosto de 2022 no Centro Municipal de Saúde de Duque de Caxias e a segunda em 14 de outubro no mesmo local.
Os dados foram inseridos apenas em dezembro daquele ano e apagados menos de uma semana depois. Gutemberg Reis seria um possível elo de conexão entre Bolsonaro e Duque de Caxias, segundo a PF. Além de também ter recebido um certificado de vacinação falso, Gutemberg é irmão do secretário de Transportes do município onde os dados falsos foram inseridos.
Minuta do golpe
Em fevereiro deste ano, a PF também deflagrou a Operação Tempus Veritatis e deu prosseguimento à investigação da tentativa de golpe em 2022. A investigação focou na elaboração de um documento que visava decretar estado de exceção no país e anular a eleição vencida por Lula. Em uma "manifestação na Paulista" no mesmo mês, o ex-presidente reconheceu a existência da minuta do golpe, mas afirmou que seu objetivo não era dar um golpe.
Além de longos ataques ao PT e ao governo Lula, o inelegível ainda aproveitou sua tentativa de demonstração de força na Paulista para defender os terroristas condenados no 8 de janeiro pedindo uma lei de anistia para os criminosos que, possivelmente, também o protegeria da iminente prisão. "Já anistiamos no passado quem fez barbaridade no Brasil. Agora pedimos a todos os deputados e senadores um projeto de anistia", disse Bolsonaro, se referindo à Lei da Anistia do pós-ditadura.
Sobre a minuta, o inelegível afirmou que "golpe é tanque na rua, é arma, é conspiração. Nada disso foi feito no Brasil". Afirmou que a minuta não quer dizer nada, porque era apenas a declaração de um estado de sítio depois das eleições em que a então oposição venceu. "Golpe usando a Constituição? Tenha santa paciência", disse Bolsonaro. Três minutas golpistas foram encontradas, nesse meio tempo, com Bolsonaro e seus aliados. Em 8 de fevereiro, ele foi alvo de busca a apreensão em sua residência de Angra dos Reis, no litoral fluminense. Na mesma data foram cumpridos 33 mandados de busca e apreensão e 4 de prisões preventivas.
Em 15 de março deste ano, após o ministro Alexandre de Moraes levantar o sigilo de 27 depoimentos concedidos no âmbito do inquérito que abrange a Operação Tempus Veritatis, o teor exato do decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) que o ex-presidente Bolsonaro apresentou aos comandantes das Forças Armadas para dar um golpe de Estado no Brasil e implantar uma ditadura, rompendo com 37 anos de vigência democrática no país.
O texto do decreto de GLO tinha um aspecto surreal, citando uma miscelânia de delírios como “moralidade”, a “antiguidade clássica”, “jurista alemão da Segunda Guerra Mundial”, entre outros pontos desconexos, tudo num malabarismo retórico primário que pretendia dar um verniz para a ação golpista. O Supremo Tribunal Federal era o alvo central dos ataques, o tempo todo referido como “imoral” e protagonista de “ativismo judicial”. Relembre e leia a minuta do golpe nesta matéria da Fórum.