A ministra Anielle Franco, da Igualdade Racial, esteve na Câmara dos Deputados na manhã desta quarta-feira (3) para comparecer a uma audiência com representantes das comissões de Fiscalização Financeira e Controle e de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial. Ela respondeu sobre os gastos da pasta, ações de apoio ao Rio Grande do Sul e ainda teve de ouvir uma enorme besteira do deputado Marco Feliciano (PL-SP), a de que o "racismo reverso também precisa ser combatido".
A audiência foi marcada a pedido dos deputados Kim Kataguiri (União-SP) e Hélio Lopes (PL-RJ). Para Hélio Lopes, o problema com a ministra foi uma postagem feita nas redes sociais sobre o colapso climático do Rio Grande do Sul.
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"Diante da tragédia no RS, nosso governo investiu mais de R$ 1,5 milhão para saúde, adiantamento de benefícios sociais, auxílio aos desabrigados, garantia de alimentos e energia. Votar em quem atua em prol da vida das pessoas e do povo brasileiro é o que faz a realidade mudar", dizia a postagem da ministra.
"A ministra postou nas redes sociais comentários que ligavam a crise no RS à importância do voto, sugerindo uma reflexão sobre as escolhas de representantes políticos em tempos de desastre", disse o parlamentar.
A publicação chegou a receber críticas, sobretudo por parte da imprensa, e foi retirada do ar. Nesse contexto, a ministra ainda foi acusada pelo Estadão de fazer "proselitismo político" e pela Folha de "priorizar ciganos e quilombolas" na fila para benefícios sociais.
Aproveitando o gancho, Kim Kataguiri queria esclarecimentos sobre os gastos de R$ 6,1 milhões da pasta em viagens de assessores e dirigentes ao longo de 2023. "As informações disponíveis indicam que uma fração considerável do orçamento destinado ao ministério foi desviada para cobrir custos com viagens, incluindo o uso questionável de aeronaves da Força Aérea Brasileira", disse o deputado.
Anielle responde às indagações
Questionada sobre os gastos da pasta, Anielle negou irregularidades. "Não há nenhuma ilegalidade do ministério em nenhuma aquisição de passagem", disse a ministra.
Ela explicou que as viagens marcadas tratavam-se de agendas para a promoção de políticas públicas e não de 'passeios' dos assessores.
"Existe o orçamento programado, empenhado e executado. Quando divulgaram que tínhamos mais da metade do orçamento para passagens, não é real. É equivocado e inverídico. Chegamos no fim de 2023 com 85% do orçamento para políticas públicas e 15% para gastos com passagens, diárias e outros", explicou.
Sobre a publicação nas redes sociais acerca do colapso gaúcho, Anielle respondeu que não estava equivocada, mas deveria ter separado os assuntos abordados.
"Não tinha erro no tuíte. O erro foi ter colocado os assuntos juntos. Eram dois assuntos extremamente importantes, que eram para ter sido tratados separadamente. Estou assumindo meu erro", comentou.
O "racismo reverso" de Marco Feliciano
Anielle respondeu aos questionamentos que originaram a reunião. Defendeu-se das acusações de mau uso da verba da pasta, reconheceu seu suposto erro na publicação das redes sociais, falou sobre o auxílio que o ministério está dando à comunidade negra no RS e prometeu dar atenção a todos os grupos sociais vulneráveis que possam ter escapado do seu radar.
Mas uma mera descrição dos principais assuntos pode trair a percepção do leitor acerca da sessão, que durou quase 4 horas. Houve momentos em que os principais expoentes do obscurantismo da extrema direita colocaram suas mangas de fora. O destaque fica por conta do pastor Marco Feliciano (PL-SP), que cobrou da ministra o combate ao "racismo reverso".
"Eu perguntei para a ministra se existe o tal racismo reverso, e ela disse que isso não existe, que só existe racismo quando é com o negro. Mas ela é ministra de uma pasta que cuida da questão racial, e não está escrito lá 'raça negra'. E as pessoas brancas que sofrem racismo no Brasil?", questionou Feliciano.
Em sua fala, Feliciano recorreu ao episódio que desdobrou na exoneração da ex-assessora Marcelle Decothé em 2023. Na ocasião ela visitava o estádio do Morumbi, onde acompanhava a final da Copa do Brasil entre São Paulo e Flamengo, quando fez uma postagem negativa sobre os são-paulinos. "Torcida branca que não canta, descendente de europeus safades", escreveu, fazendo uso da linguagem neutra.
Feliciano tentou usar o episódio para validar sua tese acerca da existência do "racismo reverso". Mas a ministra Anielle Franco não se abalou com a argumentação.
"Não existe racismo reverso. Não existe porque o racismo é fruto de algo que é anti-negro. Eu sei que o senhor já falou aqui das sua qualificações, de ser professor, teólogo, enfim, mas quando a gente fala de algo que é estrutural e institucional, a gente fala de um determinado conceito que atinge especificamente pessoas negras", explicou.