A presença de parlamentares pró-armamento da população veio aumentando nos últimos dez anos. Em 2023, a configuração do Congresso Nacional mostrava que as tribunas da Câmara e do Senado foram ocupadas três vezes mais por políticos com discursos a favor das armas do que parlamentares contrários. Naquele ano, foram 75 posições favoráveis e apenas 24 contra.
Os dados foram revelados pelo Instituto Fogo Cruzado, que se dedica a produzir indicadores sobre a violência armada no país, em um estudo publicado nesta segunda-feira (1°).
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A pesquisa, intitulada “O que o Congresso Nacional fala sobre o armamento civil?”, analisou os discursos proferidos no Congresso sobre o controle de armas entre 1951 (primeiro discurso sobre armamento civil) a 2023.
De acordo com os resultados, foi a partir de 2015 que a presença de parlamentares que defendem a facilitação do acesso às armas aumentou. Naquele ano, foram contabilizados, pela primeira vez, mais discursos favoráveis à ampliação do acesso às armas do que pelo seu controle. Entre 2015 e 2023, foram 376 discursos favoráveis no total, contra 157 contrários.
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Mesmo com a derrota do ex-presidente Jair Bolsonaro em 2022, que defendia abertamente o armamento da população, para o presidente Lula, que simbolizou a volta do campo progressista ao Congresso Nacional, não houve diminuição na presença dos políticos.
“Apesar dessa inflexão nas ações do executivo depois da derrota de Bolsonaro, houve uma institucionalização do movimento pró-armamento no Congresso Nacional. Além de dobrar a bancada, o movimento passou a se organizar, como com a criação do grupo PROARMAS, que financiou uma série de candidaturas ao Congresso”, explica Terine Coelho, coordenadora de pesquisa do Instituto Fogo Cruzado.
Os pesquisadores ressaltam que a legislatura de 2015 foi a primeira depois das manifestações que tomaram as ruas do país em 2013, ano em que Bolsonaro ganhou como o deputado mais votado do Rio de Janeiro. O ano de 2015 também ficou marcado pela renovação sem precedentes de parlamentares no Congresso.
“O que nós constatamos é que este não é assunto pacificado e, desde 2015, está em ampla disputa. Olhar para a série histórica do debate parlamentar demonstra como as normas vigentes que controlam o acesso de civis às armas estão sob risco”, explica Terine Coelho, uma das autoras do estudo.
Embora o tema da posse de armas venha sendo tratado historicamente por meio de normativas do Executivo, é importante olharmos para a correlação de forças no Congresso Nacional, que pode a qualquer momento alterar a legislação atual.
O avanço do discurso pró-armas
Pré-2015
O debate sobre porte de armas nos primeiros anos analisados, entre 1951 e 1996, foi considerado incipiente e a "era pré-história" das discussões sobre armamento civil no país.
Já entre 1997 e 2006, o debate se intensificou devido à criação do Sistema Nacional de Armas (SINARM), do Estatuto do Desarmamento e do referendo sobre comercialização de armas, totalizando 827 discursos.
Entre 2007 e 2014, a discussão perdeu força novamente: foram 550 discursos focados na regulação do armamento de guardas civis e do uso de armas para manejo de javaporcos, espécie de animal resultante do cruzamento de javalis e porcos domésticos que se tornou praga nos campos do sul, sudeste e centro-oeste do país.
2015 - 2018
Nesse período, foram realizados 272 discursos sobre o tema do armamento na Câmara e no Senado, sendo 198 pró-armamento (73%), 65 pró-controle de armas (24%) e nove neutros (3%).
O responsável pela intensificação do discurso favorável foi o deputado Delegado Edson Moreira (Republicanos-MG), com um total de 61 pronunciamentos a favor do armamento civil, sendo o parlamentar que mais levou a discussão ao plenário.
O deputado discursou sete vezes mais do que Luiz Couto (PT-PB), que liderou o debate pelo campo progressista no Congresso. Couto fez apenas 7 discursos.
2019 - 2022
Durante o governo Bolsonaro, o número de discursos diminuiu um pouco, totalizando 173, mas o predomínio das falas armamentistas foi mantido. Foram 103 discursos pró-armamento, 68 contrários e dois neutros.
Perfil dos parlamentares pró-armas
O movimento pró-armas em ascensão é liderado por homens e brancos. A pesquisa ressalta que esses perfis de gênero e raça são compatíveis com os da composição do legislativo como um todo.
“Há pouquíssima diversidade entre os atores engajados no debate. Isso significa que segmentos da população diretamente afetados pela circulação de armas, como pessoas negras e mulheres, estão de fora da discussão”, afirma Íris Rosa, pesquisadora e coautora do estudo.
A pesquisa também mostra que tanto na 55ª legislatura (2015), quanto nas duas seguintes (2019 e 2023), é predominante (58%) a ocorrência de discursos pró-armas sem citação de evidências científicas.
Outra estratégia utilizada pelos parlamentares favoráveis é a menção de eventos violentos ou dramáticos para mobilizar a população pelo apelo emocional.
Argumentos prós e contras
No lado favorável ao armamento da população civil, os principais argumentos para a defesa foram:
- direito à defesa;
- descontrole da segurança pública;
- impacto do desarmamento no aumento da violência;
- aspectos legais do uso de armas;
- divisão entre bandidos e cidadãos de bem.
Já no campo progressista, que defende o controle das armas, prevaleceram conteúdos como:
- monopólio do uso da arma pela polícia;
- consequências de uma maior circulação de armas para a segurança pública;
- necessidade de uma solução mais ampla para a violência;
- impactos para mulheres, população não-branca e em escolas.