Nas últimas semanas, as plataformas da Meta, como o Facebook e o Instagram, registraram uma intensa atividade publicitária em português envolvendo a palavra-chave “aborto”. De acordo com dados da biblioteca de anúncios da empresa, aproximadamente 900 propagandas foram veiculadas na categoria “Temas, Eleições ou Política” há seis meses atrás.
Essas campanhas têm como alvo principal mulheres e são frequentemente promovidas por parlamentares de orientação conservadora e/ou religiosa. Entre 17 de maio, quando o Projeto de Lei 1.904/24 foi apresentado na Câmara dos Deputados, e 7 de junho, foram lançadas 220 dessas propagandas. Na primeira semana de junho, período em que surgiram especulações sobre a possibilidade de votação urgente do projeto no plenário, cerca de 86 anúncios foram publicados.
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A informação é do Núcleo Jornalismo, um portal especializado na cobertura de redes sociais e inteligência artificial. O site revelou que entre os 220 anúncios veiculados desde 17 de maio, 218 apresentam uma retórica conservadora e/ou religiosa, isto é, 99,09% dos conteúdos veiculados. O período de análise foi dividido em duas partes: de 1º de janeiro a 7 de junho e, posteriormente, de 17 de maio a 7 de junho.
Parlamentares da bancada conservadora pagaram anúncios falsos
Um anúncio veiculado em 6 de junho pelo vereador Ricardinho Netuno (Republicanos-RJ), por exemplo, afirma falsamente que o governo Lula autorizou o aborto em casos de estupro até os 9 meses de gestação. A propaganda paga permanece ativa até o momento. A maioria do público alcançado pelo anúncio no Instagram é composta por mulheres de 18 a 24 anos.
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A prática também foi adotada por deputados federais e estaduais, senadores e outros vereadores. O senador Ciro Nogueira (PP-PI) e a produtora conservadora Brasil Paralelo são os únicos dois perfis que conseguiram ultrapassar a marca de 1 milhão de impressões em cada um de seus anúncios.
Cinco anúncios, todos com um vídeo de críticas do ex-ministro do governo Bolsonaro foram lançados. Neles, Nogueira expressa sua desaprovação em relação ao governo, apontando que ele parece priorizar a discussão sobre a legalização do aborto em detrimento de outras questões importantes do país.
O investimento total para esses cinco anúncios variou entre R$ 6 mil e R$ 7 mil, com uma média de aproximadamente R$ 1.300 por anúncio. De maneira semelhante ao que foi observado com um vereador do Rio de Janeiro, essas propagandas tiveram como público-alvo predominantemente mulheres entre 18 e 24 anos.
Durante o período de dezembro de 2023 a março de 2024, a Brasil Paralelo, uma produtora conhecida por liderar os gastos com anúncios na Meta por vários anos, antes de ser superada pela Ambev, lançou nada menos que 136 anúncios distintos contra o aborto.
Essas campanhas alcançaram uma audiência superior a um milhão de usuários, conforme dados fornecidos pela Meta. Os custos desses anúncios variaram entre R$ 60 mil e R$ 70 mil, resultando em uma média de aproximadamente R$ 485 por anúncio. Curiosamente, o público-alvo dessas campanhas era composto por homens entre 35 e 44 anos.
Ainda de acordo com o Núcleo, por meio da Destra, foram transmitidas 71 propagandas antiaborto divulgando um curso supostamente associado ao deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) em plataformas vinculadas à Meta. Os mais de 70 anúncios veiculados tiveram um custo total que variou entre R$ 5 mil e R$ 6 mil, com uma média de gasto por propaganda situada entre R$ 70 e R$ 84. Estes anúncios foram direcionados principalmente para o público masculino, com idades entre 35 e 44 anos.
De acordo com os dados da Meta, cada anúncio individualmente alcançou mais de 125 mil impressões. Isso resultou em um alcance total superior a um milhão de pessoas. Após o dia 17 de maio, outros deputados federais também optaram por veicular campanhas contrárias ao direito reprodutivo. Entre eles estão:
- O deputado federal Helio Lopes (PL-RJ), que investiu até R$ 400 em um anúncio focado em homens de todas as faixas etárias, mas principalmente aqueles entre 45 e 64 anos.
- O deputado federal Domingos Sávio (PL-MG), que investiu até R$ 1,5 mil em um anúncio segmentado para mulheres de 18 a 24 anos.
- A deputada federal Cristiane Lopes (UNIÃO-RO), que desembolsou até R$ 1,5 mil por três anúncios direcionados para homens e mulheres de 45 a 64 anos.
- A deputada federal Dayany do Capitão (UNIÃO-CE), que também despendeu até R$ 400 em um anúncio direcionado para homens e mulheres com idades entre 35 e 44 anos.
Câmara votou urgência de PL que equipara aborto ao homicídio até em casos de estupro
O deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) é o autor de um projeto de lei que busca alterar o Código Penal Brasileiro, equiparando o aborto realizado após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio.
Na quarta-feira (5), o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), colocou em pauta um requerimento de urgência para a proposta. No entanto, o pedido não foi aprovado. Se tivesse sido aprovado, o assunto poderia ter sido levado diretamente ao plenário, sem a necessidade de análise por comissões, acelerando o processo legislativo.
Ao pautar a urgência do PL, Lira afirmou que não há acordo sobre a votação do mérito da proposta. “A bancada evangélica, cristã e católica tem essa pauta antiaborto, não é novidade para ninguém”, disse. “O compromisso foi só de urgência".
Para deputados contrários à proposta, o PL criminaliza mulheres e até crianças vítimas de estupro que têm direito ao aborto legal. À Agência Brasil, a deputada Erika Hilton (PSOL-SP) afirmou que a oposição irá fazer resistência ao projeto.
“Para a extrema direita, crianças sendo mães ou na cadeia após sofrerem um estupro deve ser a normalidade no Brasil”, disse a parlamentar, acrescentando que os defensores do projeto querem “que estupradores tenham direito a serem pais, enquanto colocam na cadeia crianças, mulheres e pessoas que gestam que sofreram a pior violência de suas vidas”.
O deputado Pastor Henrique Vieira, também do PSOL-SP, se manifestou no X, antigo Twitter, questionando: "Qual é a intenção desses que 'defendem a vida?'. Quem defende o corpo de quem sofreu o estupro? De quem é a vida que precisa ter acesso a direitos, ser socorrida e respeitada? De quem é o corpo que segura a vida?".
"A gravidez forçada perpetua a violência sexual sofrida e expõe a criança ou a adolescente a novas e reiteradas formas de violência e violação de seus direitos, vulnerabilizando a sua condição de criança ou adolescente e as suas possibilidades de futuro", disse em outro post. Leia a matéria completa.