Esta terça-feira (4) será um dia quente em Brasília. Duas pautas que estão diretamente inseridas no debate no debate público serão analisadas pelo Congresso Nacional: o Senado votará proposta que visa taxar compras internacionais de até US$ 50, projeto que vem sendo chamado de "imposto da Shein" ou "taxação das blusinhas". Já a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara deve votar um projeto que endurece ainda mais a criminalização dos usuários de drogas.
Ambos os projetos são alvo de profundas divergências entre parlamentares e vêm gerando discussões acaloradas entre a população nas redes sociais. Confira, abaixo, detalhes sobre cada uma das propostas e o que está em jogo.
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Taxação das compras internacionais de até US$ 50
Aprovado na Câmara dos Deputados com forte apoio da bancada do PL após intervenção de Jair Bolsonaro, o PL 314/2024, que institui o Programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover) e inclui a taxação de 20% sobre compras até US$ 50 em sites internacionais, como Shein e Shopee, será votado nesta terça-feira (4) no Senado.
O imposto para as compras internacionais de até US$ 50 era uma demanda do varejo e da indústria nacional, que vinha perdendo espaço para empresas chinesas e de outros países que vendem produtos no Brasil apenas com taxação de 17% do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que é estadual.
O projeto foi colocado, em regime de urgência, na pauta do Senado pelo presidente da casa legislativa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), a pedido de líderes dos partidos.
Em votação simbólica, sem que os deputados precisassem expor seus votos, a Câmara aprovou, na última semana, o novo imposto. Para que vá a sanção presidencial, o texto precisa ser aprovado também no Senado.
Antes da votação na Câmara, uma mensagem de Bolsonaro foi lida para os deputados do PL. No recado, o ex-presidente pedia aos parlamentares para concordar com alguma taxação federal sobre compras internacionais de até US$ 50 em plataformas online.
O texto foi lido pelo líder, Altineu Cortes (PL-RJ) e escrito por Bolsonaro como resposta a Luciano Hang, o Véio da Havan, que reclamou nas redes do impacto das vendas dos sites nas vendas de produtos de pequeno valor, especialmente em sua rede de lojas.
Depois da mensagem, o PL sinalizou ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que os parlamentares da legenda estavam à favor da medida, incluída no PL do Mover, programa que incentiva a produção de veículos sustentáveis, de relatoria deputado Átila Lira (PP-PI).
A princípio, a taxação prevista no texto do relator, incluída no projeto do governo que cria o Mover para estimular a indústria de veículos sustentáveis, previa a incidência do imposto de importação federal de 60%.
O presidente Lula, por sua vez, se colocou contra a taxação e sinalizou que poderia vetá-la. Após semanas de negociação e de uma reunião com Arthur Lira nesta terça-feira, então, governo e Câmara entraram em um acordo para chegar a um "meio termo" e definiram o imposto de 20%.
Caso seja aprovado no Senado, o projeto seguirá para sanção do presidente Lula, que pode votar o "jabuti" - expressão para identificar emendas alheias ao tema - inserido no PL do projeto Mover.
Em conversa com jornalistas antes do projeto ir à votação no Congresso, Lula falou sobre a emenda que institui a taxação.
“A tendência é vetar, mas a tendência também pode ser negociar”, disse o presidente. “Cada um tem uma visão a respeito do assunto. Quem é que compra essas coisas? São mulheres a maioria, jovens, e tem muita bugigangas. Eu nem sei se essas bugigangas competem com as coisas brasileiras, nem sei”, acrescentou.
O presidente Lula, entretanto, defendeu que haja um equilíbrio de tratamento na cobrança de impostos da população, argumentando que pessoas em viagem ao exterior também têm isenção de cobranças.
“Você tem as pessoas que viajam que tem isenção de US$ 500 no Free Shop, que tem mais isenção de US$ 1 mil dólares, e que não paga [imposto], que são gente de classe média. E como é que você vai proibir as pessoas pobres, meninas e moças que querem comprar uma bugiganga, um negócio de cabelo”, disse.
“Quando discuti [o assunto com o vice-presidente Geraldo Alckmin], falei pro Alckmin: ‘tua mulher compra, minha mulher compra, tua filha compra, a filha de todo mundo compra, a filha do Lira compra, todo mundo compra’. Então, o que precisamos é tentar ver um jeito de não tentar ajudar uns prejudicando o outro, mas tentar fazer uma coisa uniforme. E estamos dispostos a conversar e encontrar uma saída”, emendou o presidente.
Criminalização do porte de drogas
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2023, conhecida como PEC das Drogas, aprovada em primeiro e segundo turno pelo Senado Federal em abril, deve começar a ser analisada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados nesta terça-feira (4).
O projeto, apresentado pelo presidente por Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado, em reação a um julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que pode descriminalizar a posse de maconha para uso pessoal, propõe alterar o artigo 5º da Constituição Federal para criminalizar a posse e o porte de qualquer droga, independentemente da quantidade.
Na Câmara, o relator da PEC é o deputado bolsonarista Ricardo Salles (PL-SP), que afirma já ter votos suficientes para aprovar a medida. É provável, entretanto, que governistas obstruam a votação e adiem a análise.
A PEC, se aprovada na Câmara e depois, promulgada, não alterará a Lei de Drogas, que prevê a diferenciação entre traficantes e usuários e, em tese, não impõe penas de prisão para quem usa entorpecentes para fins pessoais. Na prática, entretanto, essa diferenciação não é feita quando pessoas pretas e pobres são flagradas com pequenas quantidades de drogas.
A promulgação da PEC tornaria o cenário ainda pior, pois não faz essa distinção entre usuário e traficante e, ainda mais grave, insere a criminalização do porte e posse - isto é, do próprio usuário - na Constituição Federal de 1988. A proposta foi votada no Senado a toque de caixa, sem debates detalhados sobre tudo o que envolve o tema, em meio a um julgamento no STF que pode, justamente, descriminalizar a posse e o porte de maconha para uso pessoal. A investida do Senado é vista como uma afronta à Corte.
É o que explica, em entrevista à Fórum, Andrea Galassi, professora da Universidade de Brasília (UnB), conselheira da Plataforma Brasileira de Política de Drogas (PBPD) e membra da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
"A aprovação dessa PEC veio de uma maneira muito avassaladora, no pior sentido que a gente possa entender dessa palavra. Uma tramitação relâmpago, um absoluto descuido, sem nenhum interesse em querer debater, nenhum interesse em querer olhar a complexidade do tema. Isso foi totalmente voltado para uma questão que é política, que é de interesses políticos e pessoais, numa briga institucional entre poderes da República. E o cidadão saiu mais prejudicado do que já era", afirma.
A professora destaca, ainda, a gravidade diante do fato de que a criminalização da posse e do porte de drogas será colocada no texto constitucional. Segundo Andrea Galassi, isso fará com que o Brasil oficialize que há "cidadãos de segunda classe" no país.
"Quando me refiro ao cidadão e à cidadã, me refiro às pessoas mais vulneráveis nessa história toda, que são as pessoas de baixa renda, as pessoas que moram em periferias, as pessoas que são negras e pardas. É uma PEC que cria, sela, coloca no texto constitucional que a gente tem cidadãos de segunda classe no país. A gente agrupa as vulnerabilidades que essas pessoas já têm, que são negras, que são pobres, que vivem em zonas periféricas. E aí eu coloco, então, a criminalização dessas pessoas que, eventualmente, portam drogas para uso pessoal. E aí eu criminalizo, de verdade, a pobreza e as vulnerabilidades".
Andrea Galassi afirma, ainda, que entre as consequências que a PEC das Drogas deve trazer está a insegurança jurídica com relação à diferenciação entre usuários e traficantes. Segundo a professora, se há problemas com a Lei de Drogas, os parlamentares deveriam discutir ajustes que a tornassem mais adequada, colocando critérios objetivos para distinguir quem é usuário e quem atua para o tráfico, conforme outros países ao redor do mundo vêm fazendo.
"Em vez de corrigir algo que a história demonstrou que não estava adequado, o que a gente vê é o contrário, quer dizer, a piora. Usaram de uma medida absolutamente irresponsável, repito, equivocada para tratar de uma questão que deveria estar no âmbito legal e não no âmbito constitucional. Colocar na Constituição um texto como esse é um completo disparate e a gente vai sofrer muito as consequências se essa PEC for promulgada. A gente vai ter mais ingerência policial porque o policial vai se sentir muito mais autorizado a fazer fazer patrulhamentos e buscar identificar quem são as pessoas que estão ali portando drogas e categorizá-las como criminosas, como vem acontecendo justamente no âmbito da Lei de Drogas, que não estabelece os critérios e que, então, deixa os critérios serem subjetivos", elucida Andrea.
"E aí as polícias vão ficar muito mais autorizadas a fazer essas incursões em comunidades pobres para pegar pessoas pobres portando poucas quantidades de substâncias e assim, nada de investimento em investigar crimes, investigar justamente a origem do dinheiro do tráfico, investigar os grandes traficantes. As polícias já atuavam nessa perspectiva. Vai piorar. Nós vamos observar, assim, o desastre que vai ser caso essa PEC seja promulgada, considerando que a gente vai ter muito mais prisões, muito mais pessoas negras, pobres, com baixa escolaridade, presas. É a criminalização absoluta da pobreza".