A embarcação partiu pontualmente às 13h para uma travessia de 20 minutos – descontados o tempo para desatracar e atracar o barco. A viagem por águas tranquilas foi um sucesso. Chegamos todos sãos e salvos ao Cantinho do Céu Parque, comunidade no extremo sul da capital paulista, às margens da represa Billings. Lá funciona um terminal fluvial Sistema Aquático-SP, inaugurado há cinco semanas pela prefeitura e operado pela SPTrans (São Paulo Transportes).
Antes da inauguração, a expectativa da Prefeitura era de transportar 3.000 passageiros ao dia operando com os dois barcos – um para 60 passageiros sentados e outra para 28. No entanto, os números estão longe do imaginado.
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Em nota, a SPTrans informou que o sistema hidroviário realizou 1.100 viagens, atendendo a mais de 38 mil usuários nas primeiras cinco semanas de operação assistida – entre 13 de maio e 20 de junho. Isso dá menos de 800 usuários dia.
Mesmo assim a operação assistida sem cobrança de passagem teve o seu horário ampliado segunda-feira (24), quando passou a funcionar diariamente das 9h às 17h30. A previsão é cobrar tarifa após 31 de dezembro.
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A tripulação do Bororé I (barco para 60 pessoas) é formada por um comandante e três marinheiros – sendo um de máquinas. A primeira linha fixa de transporte fluvial da cidade é um projeto tido como a menina dos olhos de Ricardo Nunes (MDB).
É de autoria do então vereador, e atual prefeito de São Paulo, o projeto para implantar o ônibus aquático, em 2014. Aprovado pela Câmara Municipal e, posteriormente, sancionado pelo então prefeito Fernando Haddad (PT), atual ministro da Fazenda do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A reportagem foi orientada por um dos marinheiros a não deixar o assento durante a viagem. A ideia era chegar ao banheiro unissex a bordo do Bororé I. "Não pode, senhor! O banheiro está interditado", alertou o marujo, confessando nunca ter visto o sanitário disponível para uso.
O mesmo marinheiro contou que ele e o colega são marujos com experiência na Marinha Mercante. "Somos dois pilotos que amarram e soltam cordas", explicou ele, deixando escapar seu plano: "É posição momentânea, quero mesmo é ser comandante."
Duas novas linhas de ônibus elétricos foram criadas para servir de apoio ao Sistema Aquático-SP. A 606C/10 Cantinho do Céu - Terminal Hidroviário e outra linha, a 627M-10 Mar Paulista - Terminal Santo Amaro, na rua Do Mar Paulista.
Operando de maneira circular por cinco ruas do Cantinho do Céu e com seis paradas, a linha 606C/10 ainda é tarifa zero. Em um dos pontos os usuários podem pegar coletivos de outras duas linhas: 6115/10 Cantinho do Céu - Terminal Grajaú e 6078/10 Cantinho do Céu - Shopping Interlagos.
Segundo passageiros, os coletivos da linha circular Cantinho do Céu operam vazios. O trajeto curto e o intervalo de 30 minutos entre as partidas desencorajam os usuários.
"Deveria ser uma linha que nos levasse direto ao terminal ou para o shopping", explicou Claudia. A moradora do Grajaú passeava com o neto Cauã, um menino de 9 anos empolgado com a experiência da primeira viagem de barco.
E a queixa se repete. A comunidade parece não ver vantagem em pegar um ônibus, mesmo que de graça, que atende com intervalos 30 minutos para vencer um trajeto que a pé pode ser feito em 10 minutos.
"Se o morador sabe que pode subir a pé em 10 minutos, por que você vai ficar esperando meia hora pelo ônibus? Nessa você vai a pé, né?", explicou Fabiano, que utiliza o transporte para trabalhar.
Questões judiciais
Nunes tentava inaugurar o serviço de transporte aquático desde 28 de março de 2024, mas seus planos foram adiados devido a decisões da Justiça. Questões ambientais foram levantadas e, mais tarde, uma operação do Ministério Público e da Polícia de São Paulo prenderam sócios-proprietários da empresa Transwolff por suposta ligação com o crime organizado. A empresa de ônibus iria operar o Sistema Hidroviário, mas perdeu a concessão para a estatal municipal SPTrans.
A prefeitura estima que o novo modal de transporte público irá beneficiar 385 mil moradores da região dos bairros de Grajaú, Cocaia e Pedreira.
Ainda sem data para entrar em operação ao lado da Bororé I, uma segunda embarcação para 60 pessoas aguarda para ser certificada pela Marinha do Brasil em um atracadouro de manutenção perto do Terminal Mar Paulista.
Mas isso não impediu que o barco fosse usado como cenografia para ajudar a promover, na quinta-feira (20), a imagem midiática do cruzamento entre a embarcação sem passageiros e o Bororé I, onde viajava o prefeito Ricardo Nunes, que apresentava o sistema a representantes de governos locais estrangeiros reunidos na capital para um congresso sobre desenvolvimento urbano sustentável.
*Júlio Costa Barros é jornalista.