As mulheres e meninas brasileiras que buscam seus direitos pelo aborto legal encaram uma verdadeira peregrinação. Um exemplo do drama que enfrentam as vítimas de estupro que querem interromper a gestação é o que ocorre na cidade de São Paulo, a maior cidade do país, governada pelo bolsonarista Ricardo Nunes, capital do estado também governado pelo bolsonarista Tarcísio de Freitas.
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Os dois políticos de extrema direita são aliados do fundamentalismo bolsonarista. Ambos, por exemplo, participaram e discursaram durante a Marcha para Jesus, em maio passado. Nenhum dos dois se pronunciou sobre o PL do Estupro. Mas por meio de medidas que dificultam o acesso das paulistas ao aborto legal deixam claro as ideias retrógradas que defendem.
Na prática, os hospitais que realizam o procedimento em São Paulo estão ignorando que a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes do dia 17 de maio que suspendeu a resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que proíbe médicos de realizarem a chamada "assistolia fetal". O procedimento é usado nos casos de aborto legal decorrentes de estupro para gravidezes com mais de 22 semanas.
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A decisão do Supremo atendeu a um pedido do PSOL, o partido argumentou que, ao estabelecer a proibição do procedimento a partir das 22 semanas de gestação, a norma impõe barreiras que não estão previstas na lei, nem na Constituição. A regra também violaria direitos como o da saúde, livre exercício da profissão, dignidade da pessoa humana.
Nesse contexto a bancada evangélica apresentou em tempo recorde o PL 1904/2024, que quer mudar o Código Penal para transformar as mulheres e crianças vítimas de estupro em criminosas.
Hospital de referência sem aborto legal
A prefeitura de Nunes suspendeu o serviço no Hospital Vila Nova Cachoeirinha, até então referência no procedimento acima de 22 semanas de gestação e foi obrigada, pela Justiça, a oferecer o procedimento em outros hospitais.
A suspensão foi em dezembro de 2023, sob a justificativa de aumentar a capacidade para a realização de cirurgias no local. A Justiça determinou que o serviço voltasse a ser oferecido três vezes, mas a Prefeitura recorreu de todas as decisões e manteve a suspensão.
A gestão de Nunes informa que o aborto legal é feito em quatro hospitais da cidade: Hospital Municipal Dr. Cármino Caricchio (Tatuapé); Hospital Municipal Dr. Fernando Mauro Pires da Rocha (Campo Limpo); Hospital Municipal Tide Setúbal e Hospital Municipal e Maternidade Prof. Mário Degni (Jardim Sarah).
Peregrinação para fazer aborto legal
Uma apuração da GloboNews mostrou as dificuldades para acessar o serviços. Uma mulher procurou o Cachoeirinha, de lá foi encaminhada para o Hospital Municipal Dr. Cármino Caricchio, no Tatuapé, onde foi comunicada que não havia equipe para fazer o procedimento.
Ela foi então para o Hospital da Mulher, antigo Pérola Byington, no Centro de São Paulo, do governo bolsonarista do estado, onde novamente teve o procedimento negado. A justificativa foi a de que o hospital administrado pela gestão de Tarcísio é que só faz o aborto legal com gestações de até 20 semanas.
No dia 8 de maio, quando a paciente foi atendida, ela estava com 21 semanas e 3 dias de gestação. Em outro encaminhamento, ela foi enviada para o Hospital do Campo Limpo, onde no dia 13 de maio disseram que ela, "provavelmente", teria o procedimento negado.
Antes de ir para a consulta, no dia da 14, a paciente procurou a Defensoria Pública para pedir orientação, que a informou que apesar da resolução do Conselho Federal de Medicina, que impedia o procedimento com assistolia fetal, ela poderia fazê-lo, o que foi negado justamente com base na resolução. No dia da última negativa, ela estava com mais de 22 semanas de gestação. Não se sabe se ela conseguiu fazer o aborto.
A outra paciente, também com cerca de 20 semanas de gestação, teve o aborto negado em três hospitais: Hospital da Mulher, Campo Limpo e Tide Setúbal. Só conseguiu fazer o procedimento em outro estado.
Atualmente, o estado de São Paulo conta com 13 serviços de saúde no SUS para a realização dos procedimentos de interrupção da gravidez. Os locais estão disponíveis neste link.
Segundo a ONG Vivas, hoje, no Brasil, só três cidades fazem aborto legal após 22 semanas sem ordem judicial: Uberlândia, Recife e Salvador. Desde o fechamento do Cachoeirinha, esses três locais atenderam 20 mulheres de outros estados. Se considerado o aborto legal como um todo, sem restrição de semanas, só 108 cidades do país, ou 1,94% dos municípios, fazem o serviço.