Desde o início da semana, movimentos feministas, autoridades políticas e a sociedade civil estão se manifestando contra o PL 1904/2024, conhecido como "PL do Estupro", que teve seu pedido de urgência aprovado na Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (12).
As entidades contrárias alertam que, se aprovado, o projeto vai prejudicar, principalmente, crianças de até 13 anos vítimas de estupro ao criminalizar o aborto legal após 22 semanas de gestação. Com isso, os movimentos temem um aumento recorde de gravidez infantil no país, que já atinge um número assustador: em 2023, mais de 12,5 mil meninas entre 8 e 14 anos foram mães, segundo dados do governo federal.
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Outro dado, do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, mostra que, em 2022, 8 em cada 10 vítimas de violência sexual eram crianças e adolescentes e 61,4% das vítimas de estupro tinham, no máximo, 13 anos.
Institucionalização da barbárie
Para a advogada Juliana Ribeiro Brandão, pesquisadora sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o PL 1904/2024 é a "institucionalização da barbárie". A gente está deixando com que cada um aja com a sua própria energia, na medida das suas possibilidades para lidar com uma situação criminosa e que o Estado brasileiro está se recusando a equacionar”, declarou à Agência Brasil.
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Ela também reforça os dados do Anuário que fazem o recorte racial das vítimas de estupro e mostram que elas são, em sua grande maioria, mulheres e crianças pretas ou pardas (56,8%). Nesse sentido, ela afirma que quem tem possibilidade de custear os procedimentos para aborto seguro, no exterior ou mesmo clandestino no Brasil, “não vai mudar nada.”
Inconstitucional
O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) também se manifestou sobre o PL, por meio de nota. No texto, a entidade afirma que o projeto é um retrocesso inscontitucional "aos direitos de crianças e adolescentes, aos direitos reprodutivos e à proteção das vítimas de violência sexual", ao violar a Constuição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e diversas normas internacionais das quais o Brasil é signatário.
"A proposta ignora completamente a realidade das crianças e mulheres que enfrentam situações de estupro e que têm o direito de não serem submetidas a uma nova violência, e as obriga a gestar e a parir", diz um trecho da nota.
A entidade ainda alerta que o PL 1904/2024, se aprovado, colocará o Brasil no rol dos piores países do mundo para as mulheres. Segundo dados do estudo Women, Peace and Security Index, realizado em 2022 pelo Instituto da Mulher da Universidade de Georgetown, o Brasil ocupa o 80º lugar no ranking dos países que garantem qualidade de vida para mulheres. O Brasil divide a posição com as Ilhas Fiji e o Suriname.
"Se aprovado, esse projeto trará consequências nefastas especialmente para crianças, mulheres e meninas negras, principais vítimas de violência sexual, que já enfrentam traumas profundos e que agora correm o risco de terem sua infância e seu futuro roubados por serem obrigadas a continuar uma gestação fruto de um crime hediondo que é o estupro, além disso, elas podem ser enquadradas como criminosas e serem encarceradas por um período de 6 a 20 anos. Isso tudo em um país em que cerca de 20 mil crianças dão à luz todos os anos — quando teriam direito ao aborto legal".
O Conanda também ressalta o racismo entrelaçado nessa questão. De acordo com dados, mais de 75% dessas crianças são negras, sendo também as maiores vítimas de estupro. "Não há possibilidade de democracia com a violação da Constituição e sem compromisso com o enfrentamento ao racismo patriarcal, cis, heteronormativo e a atuação voltada para garantia de direitos de meninas e mulheres negras, que historicamente são violadas em nosso país e terão suas vidas e saúde impactadas com esse projeto de lei".
A entidade faz um apelo aos poderes Executivo e Legislativo para que "incidam de forma comprometida, séria e isenta de alianças com fins eleitoreiros para que o mérito do projeto não seja aprovado", e também pede ao Ministério da Saúde, por meio do SUS, que garanta o atendimento humanizado ao aborto, além de ampliar atendimento "para que nenhuma criança, adolescente, mulher ou pessoa que gesta, seja obrigada a assumir uma gestação resultante de estupro nem corra risco de prisão ou morte por falta de acesso ao direito ao aborto legal, nas três formas previstas atualmente em lei.”
Aberração jurídica
O advogado Ariel de Castro Alves, especialista em direitos da infância e juventude, também se colocou contra o PL 1.904/2024, que considera “uma verdadeira aberração jurídica", em declaração à Agência Brasil.
Para ele, o país deve “aprimorar o atendimento social, psicológico, policial, judicial e de saúde das mulheres e meninas gestantes em decorrência de estupros, e também gestantes que estejam em risco de vida ou grávidas de fetos anencéfalos”.
Ariel ainda ressalta que meninas e mulheres vítimas de estupro “não demoram para realização do procedimento por mero capricho", mas sim “por estarem submetidas, ameaçadas e constrangidas por seus agressores, e em razão da burocracia dos serviços de saúde, policiais e judiciais, e também pelas oposições morais e religiosas de alguns profissionais públicos e privados e das próprias famílias”.
Revitimização das vítimas
A ministra Cida Gonçalves, do Ministério das Mulheres, se pronunciou nesta quinta-feira (13) sobre o PL, afirmando que ele revitimiza mulheres e meninas vítimas "de um dos crimes mais crueis contra as mulheres, que é o estupro".
Ela reforçou os dados que mostram o cenário assustador do número de estupros e gravidezes de vulneráveis no país, ressaltou que "o Brasil delega a maternidade forçada a essas meninas vítimas de estupro, prejudicando não apenas o futuro social e econômico delas, como também a saúde física e psicológica. Ou seja, perpetua ciclos de pobreza e vulnerabilidade, como o abandono escolar".
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