REFORMA TRIBUTÁRIA

Coalizão defende aumento de imposto para agrotóxicos, ultraprocessados e armas

Marcello Baird, coordenador de advocacy da ACT Promoção da Saúde, explica à Fórum a importância da tributação desses produtos para a população e o meio ambiente

Coalizão Reforma Tributária 3S.Créditos: ACT Promoção da Saúde
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Em dezembro de 2023, a Reforma Tributária finalmente passou na Câmara dos Deputados após 40 anos de discussão. O texto foi aprovado através da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2019, que atualiza o sistema tributário brasileiro, e agora passa pela sua fase de regulamentação.

Com o objetivo de simplificar o sistema tributário, a PEC substitui os cinco tributos (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Porém, para além do fator econômico, a Reforma Tributária também implica questões sociais

Isso é o que defende a coalizão da sociedade civil "Reforma Tributária 3S – Saudável, Solidária e Sustentável", formada por diversas entidades em prol da saúde e do meio ambiente que lutam, desde 2020, pelo debate em torno dos impactos sociais da proposta. 

O cientista político e coordenador de advocacy da ONG ACT Promoção da Saúde, Marcello Baird, defende que a Reforma Tributária talvez seja, desde a redemocratização do Brasil, a mais impactante do país. Isso porque ela coloca em ordem, simplifica e racionaliza o sistema tributário brasileiro, alinhando o país com o resto do mundo, além de acabar com a competição desleal entre os estados. 

Importância social

Porém, para além disso, a Reforma Tributária também tem uma enorme importância social, de acordo com o coordenador, uma vez que ela estabelece os produtos que vão ser incentivados e desincentivados para a população. Foi dentro desse debate, muito menos discutido, que a Coalizão Reforma Tributária 3S surgiu com o objetivo de levantar as bandeiras da saúde, do meio ambiente e do combate às desigualdades.

"A gente tem uma oportunidade única de discutir de forma qualificada sobre quais setores no país a gente quer incentivar e quais setores a gente quer desincentivar", explica Baird. Com esse pensamento, a Reforma Tributária 3S surgiu com o objetivo de discutir o tema da saúde de forma ampla, abrangendo também a sustentabilidade.

Nesse sentido, a coalizão tem como uma de suas lutas centrais a inserção dos agrotóxicos e dos alimentos ultraprocessados no Imposto Seletivo da Reforma Tributária. "A gente quer incentivar alimentos saudáveis, transição verde, alternativas de energia, insumos para produção agrícola e, por outro lado, a gente quer desincentivar aquilo que faz mal à saúde, como cigarro, bebidas alcoólicas, alimentos ultraprocessados, agrotóxicos e armas, indo para uma questão da saúde mais ampla", diz Baird. 

Imposto Seletivo

O Imposto Seletivo (IS), também conhecido como "imposto do pecado", é uma inovação da Reforma Tributária e visa desestimular o consumo de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Para isso, ele estipula uma maior tributação sobre esses produtos, como cigarros e bebidas alcoólicas.

Baird exemplifica com a questão do cigarro. Todos os anos, mais de 160 mil pessoas morrem devido ao cigarro, segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA), de 2020. Isso traz um custo de aproximadamente R$ 50 bilhões por ano com tratamento. Assim, é um produto que faz mal não só a quem consome e eventualmente ao fumante passivo, mas também para a sociedade que precisa arcar com os custos totais. Por isso, a Reforma Tributária aumenta os impostos sobre o produto a fim de desincentivar sua circulação. 

Os agrotóxicos e os ultraprocessados

Seguindo na definição acima, os agrotóxicos e os alimentos ultraprocessados também deveriam estar sobre a tributação do Imposto Seletivo, uma vez que são produtos tóxicos e nocivos à saúde da população e ao meio ambiente. Porém, eles ficaram de fora do sistema devido ao poder do agronegócio sobre a política brasileira.

"Seria absolutamente fundamental os agrotóxicos estarem no Imposto Seletivo, mas a gente tem um agronegócio tão poderoso que o debate sequer foi colocado", afirma Baird, que alerta que os agrotóxicos não só não entraram no Imposto Seletivo como sequer estão na alíquota cheia, a alíquota principal da economia. "Os agrotóxicos estão principalmente na alíquota reduzida. Eles vão pagar apenas 10% de imposto. Eles estão, na verdade, na alíquota que busca priorizar e privilegiar alguns setores", explica. "Então, a gente tem uma inversão completa de valores".

Já no caso dos ultraprocessados, um estudo recente publicado na revista científica The BMJ mostrou que o consumo desses produtos está ligado ao agravamento de 32 doenças, como câncer, hipertensão, tumores do sistema nervoso central e até transtornos emocionais como ansiedade e depressão.

Além disso, os ultraprocessados são responsáveis pela morte prematura de 57 mil pessoas todos os anos, segundo pesquisa da USP de 2023. Ainda assim, o governo foi muito "tímido", classifica Baird, com a inclusão das substâncias na Reforma Tributária. De acordo com o texto, apenas uma categoria de ultraprocessado, relacionado aos refrigerantes, está incluída no imposto.

Para o coordenador, não tem cabimento a inclusão de apenas uma categoria e o fato de o Brasil não ter uma proposta mais arrojada, justamente porque o país é referência em estudos e debates sobre políticas de segurança alimentar, e também foi um pesquisador brasileiro que criou o termo ultraprocessado em 2009.

Por isso, a coalizão continua lutando no Congresso Nacional para que tanto os agrotóxicos quanto os ultraprocessados, além dos combustíveis fósseis e poluentes atmosféricos e armas de fogo e munição, entrem no Imposto Seletivo. Como parte da luta, a organização participou, na quinta-feira (23), de uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial da Câmara dos Deputados para reforçar a cobrança.

Baird afirma que é justamente agora, na fase de regulamentação da Reforma Tributária, que a briga é maior devido ao enfrentamento direto com o agronegócio, a indústria de alimentos, tabaco e álcool, além de supermercados. "Esse momento torna ainda mais importante a participação da 3S e a mobilização da sociedade para defender o incentivo àquilo que faz bem à saúde das pessoas e do planeta e o desincentivo àquilo que faz mal".

O coordenador ainda ressalta que a indústria está muito mobilizada de um jeito jamais visto, já que a reforma impacta diretamente o lucro das empresas. Além disso, o Grupo de Trabalho criado para analisar a PEC tem, entre sete deputados, quatro que fazem parte da bancada ruralista. Baird também complementa alertando que o tempo de debate para um assunto tão complexo é curto, já que o Congresso tem o objetivo de aprovar o texto no dia 17 de julho. 

Novo manifesto da Reforma Tributária 3S

No dia 12 de junho, a coalizão vai lançar um novo manifesto durante evento na Câmara dos Deputados, com a participação de , organizações da sociedade civil, especialistas e parlamentares. O texto analisa os avanços e pontos de atenção do projeto de lei de regulamentação a partir da perspectiva da saúde coletiva, justiça social e proteção ao meio ambiente.

No evento, a ACT Promoção da Saúde vai realizar atividades interativas sobre bebidas alcoólicas, alimentos ultraprocessados e tabaco, explicando como doenças desenvolvidas por esses produtos podem ser evitadas com políticas como a tributação.

Também acontecerá o Seminário “Em defesa da Reforma Tributária 3S: Saudável, Solidária e Sustentável” que vai contar com a participação de Mônica Andreis (ACT Promoção da Saúde), Marcos Woortman (Instituto Democracia e Sustentabilidade), Nathalie Beghin (Instituto de Estudos Socioeconômicos INESC), especialistas, como o pediatra e sanitarista Daniel Becker, o agrônomo, professor e ex-diretor geral da FAO José Graziano, representante do Banco Mundial, Organização Mundial de Saúde, a ministra da saúde, Nísia Trindade, a ministra do meio ambiente, Marina Silva, o ministro do desenvolvimento social, Wellington Dias, entre outros.